Sobre o “Noé” de Aronofsky que ainda não assisti

Eu não assisti ainda ao Noé de Aronofsky, mas acompanhei ultimamente muitas discussões sobre o filme entre os mais diversos círculos de amizade. De todas elas o que mais me chamou a atenção foi este texto – cuja leitura eu recomendo na íntegra. A tese do autor (Brian Mattson) é a de que o cineasta não tomou “liberdade artística” nenhuma com a história de Noé que nós conhecemos do Antigo Testamento, mas simplesmente a contou sob a ótica bem exata e bem fidedigna da Cabala. A despeito de ser um pouco longa, a originalidade da análise é cativante e perspicaz.

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Mesmo sem ver o filme, eu próprio já havia notado que todo mundo estava falando dele de maneira estranha: fosse pelo fato de Noé ser vegetariano, fosse por se tratar aparentemente de uma espécie de nômade que vivia longe da civilização, fosse por não agir com suficientemente docilidade à voz de Deus. Em poucas palavras: a história que me contavam do filme que eu ainda não vira não tinha nada a ver com a história de Noé cujos traços mais marcantes todo mundo guarda no subconsciente quando menos como reminiscência das aulas de Catequese – e todo mundo percebia isso. Havia algo de não muito católico na película que ainda está em nossas salas de cinema.

Diante dessa primeira universal impressão, chocou-me o fato de eu ter assistido ao trailer de “Noé” em duas ocasiões católicas. A primeira, foi na première de Blood Money aqui em Recife; a segunda, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Como era possível que depois de credenciais de tanto peso o filme me saísse como esta catequese às avessas da qual todo mundo estava falando? Infelizmente, parece que é mesmo verdade. No fim das contas, parece que o Brian Mattson estava certo quando escreveu:

Eu acho que Aronofsky se propôs a experiência de nos fazer de bobos: “Vocês são tão ignorantes que eu sou capaz de colocar Noé (Russell Crowe!) nas telas e retratá-lo literalmente como a ‘semente da serpente’ e, mesmo assim, todos vocês vão assistir e apoiar”.

Aronofsky está dando risada. E todos os que caíram no trote deveriam se envergonhar.

Fiquei, sim, com a sensação de que fomos enganados. E isso deve nos fazer atentar doravante para alguns pequenos detalhes.

O primeiro, que Hollywood não merece carta branca e um livro não deve ser julgado pela sua capa – nem um filme pelo seu trailer. Acho que não cheguei a recomendar “Noé” aqui no Deus lo Vult! simplesmente porque não é do meu feitio resenhar filmes antes de assisti-los, mas podia perfeitamente tê-lo feito dando crédito às boas pessoas que, em situações distintas, me “venderam o peixe” fazendo publicidade da produção em eventos voltados para o público católico. E provavelmente eu falei positivamente do filme em conversas informais, com base no que ouvira sobre ele aqui em Recife e na JMJ.

O segundo, que é humano ser enganado, mas uma vez percebido é mister denunciar o engodo. Vi ultimamente muitas pessoas descascarem o o filme do Aronofsky manifestando o seu desgosto e afirmando a incompatibilidade da película com a história que nos foi legada pelas Escrituras Sagradas. Cumpro aqui um pouco esse papel, trazendo à baila – enquanto o assunto ainda está “quente” – as repercussões do blockbuster dentro do orbe católico, mesmo sem fazer muitas contribuições de minha própria lavra. Acho que o momento é propício para registrar aqui este “estado da arte”.

O terceiro, que é preciso ter profundidade na crítica que se faz, e é justamente nesse aspecto que o texto linkado no início desse post pareceu-me tão particularmente meritório. Indo além do lugar-comum “ah, não é a história que tá na Bíblia”, o autor foi procurar a tradição religiosa que dá sentido e coerência a toda a narrativa, o que é muito útil tanto para entrever as motivações por trás da produção do filme quanto para aumentar o nosso conhecimento geral a respeito dos inimigos clássicos do Cristianismo – informações essas que, nos tempos que correm, não nos é prudente dispensar.

Faço, por último, uma última colocação de caráter estritamente pessoal, não necessariamente aplicável a este “Noé” ao qual, repito, não assisti. Eu gosto de ficção e não penso que toda obra precise ser biblicamente fidedigna para que seja apreciável. Acho que há muito espaço, sim, para se produzir uma obra de arte digna sem que se precise fazer paráfrase de histórias já contadas e bem estabelecidas. Não é este o cerne da crítica ao filme de Aronofsky.

Mas quando um diretor de cinema divulga um filme com um pano de fundo premeditadamente anti-católico através de meios católicos… aí já é caso de perguntar se não houve intenção de enganar, de conseguir para a obra a boa-vontade da publicidade católica, por meio de se lhe deixar ser aplicado um rótulo – o de filme católico – que de saída o produtor já sabia não ser cabível, mas não achou relevante avisar isso aos divulgadores do filme. Aqui, sim, já se pode falar em comportamento censurável. Liberdade artística não é um problema. Induzir as pessoas ao erro é que é.

Alguns filmes en passant

[Atenção! Contém spoilers!]

Efeito borboleta 3, no cinema. Não assisti o segundo (e, também, me disseram que não era tão legal assim), mas gosto da idéia “fatalista” expressa na série: em resumo, “quanto mais mexe, mais fede”. Ou melhor: só adianta agir no presente porque, no passado, o que está feito, feito está. Esta “filosofia de vida” se aproveita do filme (que, a propósito, contém cenas de sexo e de violência bem desnecessárias).

Mas o final é um pouco perturbador. No início do filme, o protagonista conversa com o velho professor sobre se não impedir que alguém seja morto é a mesma coisa que matar este alguém. O professor diz que não, mas o personagem principal acrescenta que é parecido. No entanto, ao final do filme, voltando no tempo até o incêndio de onde ele havia salvo a sua irmã, desta vez ele não apenas não a salva como, positivamente, segura a porta para “garantir” que ela não se salve sozinha. Impediu o surgimento de uma Serial Killer com oito crimes nas costas, mas a que preço? Neste ponto, a moral católica distancia-se da de Hollywood: na verdade, os fins não justificam os meios.

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Inimigos Públicos, no cinema. A história prende a atenção e Johnny Depp é um ator de talento, mas a quê se propõe o filme? Meu lado Poliana pode dizer que a “moral da história” é a célebre “o crime não compensa” (pois o bandido morre no final, jovem, deixando viúva a mulher amada, sem usufruir do seu enriquecimento ilícito, etc), mas alguma coisa sempre me incomodou em se fazer dos criminosos os protagonistas simpáticos das tramas. O estilo “Robin Hood” (aliás, também presente no – este, vale muito menos a pena – Bandidas que passou segunda-feira na Globo, no Catch me if you can, etc) sempre me pareceu ser expediente esquerdista de apologia à luta de classes.

Divago? Mas filmes assim, que pintam romanticamente o criminoso e fazem o espectador quase “torcer por ele” na cadeira do cinema, prestar-se-ão realmente a ensinar que o crime não compensa? Não valeria a pena morrer jovem, como o Johnny Depp, se for para ser herói? E este “Inimigos Públicos” tem um detalhe interessante, porque o gangster se tornou conhecido (e querido) por assaltar os bancos, mas não os clientes. Preserva os indivíduos e ataca a impessoal figura do “Banco”. E assim é muito mais fácil angariar a simpatia para o lado que tem um rosto e uma voz: é a inversão da moral utilizando-se de técnicas que pressupõem [corretamente] uma visão sensata da realidade, de individualidade e coletividade.

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Ele não está tão a fim de você, em DVD. Um besteirol que pinta de maneira muito feia os relacionamentos humanos, tanto que chega a ser deprimente: as piadas não conseguem equilibrar.

Uma mulher casada, um marido adúltero; o indivíduo foi “forçado a casar” e tem um caso com outra garota. A mulher descobre, e perdoa; mas pede o divórcio quando descobre… que o marido estava fumando. Trair pode, fumar, não, é imperdoável. Qualquer futilidade serve para acabar com um casamento.

Muitos casamentos que de nada valem, e o “melhor marido” do filme é… um cara que esta amancebado com a garota há sete anos porque não acredita no casamento! Mesmo, no final, ele pedindo a sua mão (porque quer fazê-la feliz), a felicidade do único casamento feliz da história independe completamente do matrimônio. A instituição falida só “funciona” para quem não acredita nela. Terrível.

A outra garota, a dos “relacionamentos virtuais”, disse em meados do filme uma frase que me fez rir por ser verdadeira: “se eu quero ficar mais atraente para o sexo oposto, eu não corto o cabelo: eu atualizo o meu perfil”. É verdade, hoje em dia é verdade. E que espécie de mundo é possível construir se os relacionamentos “reais” são tão frustrantes e, os virtuais, tão… ausentes de realidade? Triste retrato dos dias modernos, onde a gente ri para não ter que chorar…