As últimas 24 horas bombardearam-nos com uma enxurrada de opiniões (muitas vezes bem pouco caridosas) sobre o recém-eleito Papa Francisco. Em infelizmente não poucos casos – católicos! – a reverência devida ao Santo Padre passou longe, o que é muitíssimo de se lamentar. A Igreja atravessa uma crise gravíssima, e estou pessoalmente convencido de que isso é em grande medida um castigo de Deus. Por conta do abandono da Fé, sim, mas também por conta do orgulho luciferino alimentado por muitos dos que conservam o tesouro da Fé da Igreja.
Muitas pessoas me perguntaram o que eu achei dessa eleição, e eu sinceramente não sei o que lhes responder. Conheço bem pouco o cardeal de Buenos Aires; na verdade, embora a Argentina fique aqui do lado, eu não sabia praticamente nada sobre ele até 24 horas atrás. Só posso repetir o que já afirmei ontem e dizer que o resultado do conclave foi inesperado. Do ponto de vista meramente humano não me parece fazer nenhum sentido: a Argentina não é a nata do catolicismo no Novo Mundo, o Cardeal de Buenos Aires não é nenhuma sumidade intelectual, os Jesuítas modernos não são a ordem religiosa de escol, etc. Do ponto de vista meramente humano, aliás, é simplesmente incompreensível que após um Papa renunciar por problemas de vigor físico os cardeais tenham eleito para o sólio pontifício um arcebispo já emérito [p.s.: embora já tivesse 76 anos, Bento XVI ainda não aceitara a sua renúncia e, portanto, ele ainda era o arcebispo de Buenos Aires quando foi eleito Papa] que desde a juventude vive com um pulmão a menos. Acontece que o ponto de vista meramente humano importa muito pouco na história da Igreja Católica, e nós – que temos dois mil anos de idade – já deveríamos ter aprendido essa lição.
Certo tradicionalismo de internet atira sobre nós previsões apocalípticas a respeito do futuro da Igreja: o cardeal Bergoglio seria um inimigo da tradição, perseguidor da Missa Tridentina, hipócrita sedento por poder, maçom, mafioso, filo-esquerdista, relativista, et cetera, et cetera. Não vou me dar ao trabalho de me debruçar sobre cada uma da miríade de acusações: vou conceder – para argumentar – que fossem todas verdadeiras. Vou conceder – para argumentar – que o Papa Francisco fosse o pior dos Papas possíveis. Em que isso implicaria? Em rigorosamente nada. Nenhum homem, por pior que seja, é capaz de fazer frente à força daquelas palavras de Cristo de que as portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Igreja d’Ele, e se nós sobrevivemos a alguns dos Papas do Renascimento somos capazes – com a graça de Deus – de sobreviver a qualquer tentação que o Senhor permita a Sua Igreja sofrer. Penso, aliás, que se depois de Bento XVI um péssimo Papa assomasse ao Trono de Pedro, ser-nos-ia possível tirar daí uma belíssima lição de como Deus é Senhor da História: o melhor dos Papas não fora capaz de salvar a Igreja, e o pior dos Papas não conseguiria lançá-La por terra. Se a presunção é pecado, o desespero também é. É Deus Quem salva a Sua Igreja. É Ele Quem salva inclusive os Papas, Seus vigários. É pecado confiar no homem e é pecado igualmente desesperar por conta dele. Se nós não aprendemos até agora esta lição, talvez tenhamos que aprendê-la ainda n’algum futuro sombrio, da pior maneira possível. Que o bom Deus nos livre disso.
Não obstante, eu não considero que o rasgar de vestes dos rad-trads mereça crédito. E daí que o Boff e o Küng gostaram da eleição do cardeal Bergoglio? Nós nunca demos ouvidos a esta caterva quando ela falava sobre Bento XVI; por qual razão deveríamos agora dar-lhe crédito sobre o Papa Francisco? O que inimigos declarados da Igreja falam não deveria nos incomodar! Às vezes penso que precisamos rezar e rezar muito ainda, pois é verdadeiramente incrível como qualquer murmúrio de internet consegue nos perturbar mais do que nos confortam as promessas de Cristo sobre estar conosco todos os dias, até o fim do mundo!
Murmurações à parte, contudo, é preciso deixar desde logo algumas coisas claras com relação ao Papa Francisco, para que não percamos tempo nos escandalizando e decepcionando depois. Certas características de Bento XVI nos farão falta; isto é óbvio e não poderia ser diferente. Os Papas são homens e os homens não são iguais entre si, e é até injusto fazer certas comparações. Ratzinger era um acadêmico, Prefeito do mais importante Dicastério Romano, uma das mentes mais brilhantes que já sentou na cátedra de Pedro; Bergoglio é um simples arcebispo emérito que, em questões intelectuais, não me consta que tenha jamais se levantado muito acima da média dos seus irmãos cardeais do Novo Mundo. A produção intelectual de ambos não será igual, e faríamos um bem enorme a todos nós se, desde agora, abstivéssemo-nos de fazer comparações descabidas.
Igualmente, Ratzinger tinha a promoção da Liturgia como um apostolado pessoal e era conhecido pelo seu zelo impecável em tudo o que concerne ao culto divino. Bergoglio, até onde me conste, embora celebre dignamente, não parece ter preocupações especiais com a “Reforma da Reforma” e penso que não podemos ter quanto a ele grandes expectativas nessa seara. Agora há pouco, na sua primeira Missa como Papa, Francisco colocou uma mesa na Capela Sistina para celebrar versus populum. O Mons. Marini ainda está ao lado dele, mas penso que isso também é temporário; provavelmente o Cerimoniário Pontifício será substituído. Precisamos rezar. Acho pouco provável que voltemos aos piores pesadelos litúrgicos da época de João Paulo II, mas infelizmente penso que tampouco iremos nos embevecer com a sacralidade do ethos de Bento XVI. De novo, faríamos um bem enorme às nossas almas e à nossa sanidade mental se, desde já, depuséssemos as nossas expectativas de grandiosidade nas liturgias pontifícias, pela qual – ao que parece – o Papa Francisco tem pouco interesse. Esse defeito ele tem; suportemo-lo, que não é heresia nem apostasia nem cisma e, portanto, o Papa não é menos Papa por conta da ênfase que dá ou deixa de dar ao tema da Liturgia no seu pontificado. Suportemo-lo e rezemos pelo Papa.
Não obstante, penso que é possível ser bem otimista a respeito do Papa Francisco, por algumas razões.
Primeiro, porque penso que ele vai receber mais orações do que Bento XVI, e o valor deste auxílio sobrenatural não pode ser menosprezado. Faço um mea culpa: Bento XVI era um gigante, um herói, alguém que transmitia confiança plena, e isso pode nos ter feito relapsos. O Prefeito do Santo Ofício era o Guardião da Fé Católica; a força do Panzerkardinal nos transmitia segurança e nos deixava relaxados. Francisco, ao contrário, parece muito mais frágil, e isso nos insta a rezar por ele com mais fervor e dedicação.
Segundo, por conta da vida sóbria e simples (beirando o extravagante) que ele leva: após se despedir ontem da multidão reunida na Praça de São Pedro, ele dispensou o automóvel pontifício e voltou para as instalações cardinalícias na Casa Santa Marta de ônibus (!). Ainda: hoje voltou ao hotel onde estava hospedado antes do conclave para pegar as suas malas e pagar a conta. É óbvio que essa austeridade de vida é meritória, e nós esperamos que ela possa alcançar de Deus muitas graças para o Papa Francisco. Ainda, o estilo de vida que ele leva é de tal sorte que o mundo de hoje ainda é capaz de admirar, o que lhe reveste com uma aura de autoridade espiritual que predispõe as pessoas a ouvi-lo e, ao mesmo tempo, faz com que os seus detratores não tenham envergadura moral para o enfrentar.
Terceiro, por conta do nome escolhido. Francisco! É um dos maiores santos da Igreja, a despeito de ter sido seqüestrado pelo bom-mocismo moderno para se transformar aos olhos de muitos num espécie de hippie militante do Greenpeace. Como sabemos, o verdadeiro poverello d’Assisi é bem diferente desta sua versão açucarada que circula por aí, e já está mais do que na hora de resgatar-lhe a memória. Ainda, a figura de um Francisco pobre e humilde no coração de Roma lembra bastante a história do Santo de Assis, e a terrível crise da Igreja que o primeiro Francesco enfrentou guarda um notável paralelo com esta que a Barca de Pedro hoje atravessa. São Francisco de Assis é um santo tão grande que nenhum Papa teve jamais a pachorra de tomar para si o seu nome! A crise moderna é tão grave que precisava de um novo Francisco, e dentre todos os cardeais que estavam na Capela Sistina só mesmo um argentino ousaria vincular o seu papado à figura do verdadeiro Reformador da Igreja do século XIII. Se o nome que um Papa escolhe dá o tom do seu pontificado, Francisco é verdadeiramente profético. Se este Papado estiver à altura do nome que o Papa adotou para si, nós presenciaremos verdadeiros milagres. Rezemos para que isso se concretize.
Quarto, por algumas características suas que ouvi aqui e acolá. Como disse um amigo, ele é um homem de idéias claras e insubornável, que foi eleito para brigar; e um estranho nos Palazzi Apostolici (Francisco nem é europeu nem trabalhou jamais no Vaticano) com pulso firme e um projeto santo a cumprir pode ser exatamente aquilo de que a Cúria Romana necessita neste momento.
Quinto, e não menos importante, porque ele é o Papa! É ele quem tem graças de estado para governar a Igreja, é ele quem a Providência permitiu que subisse ao Trono de Pedro, é a ele, concretamente, que o Altíssimo pede a nossa submissão filial como condição para que sejamos salvos. Não compete a nenhum de nós ditar os rumos do governo da Igreja, pois a nenhum de nós Deus fez Papa, e colocarmo-nos no nosso próprio lugar é já um excelente passo no caminho da nossa salvação e, por conseguinte, um profundo favor prestado à Igreja de Cristo: graças ao mistério da comunhão dos santos, uma alma que se eleva, eleva também o mundo inteiro. O bem que fazemos à nossa alma é um bem realizado a toda a Igreja: não nos esqueçamos dessa importante verdade.
Que Deus abençoe o Papa Francisco! Que o conserve e vivifique, que o faça feliz na terra e não o entregue nas mãos dos seus inimigos. Que os católicos do mundo inteiro possamos rezar pelo nosso pastor e, em uníssono, possamos cantar: salve, Santo Padre! Vivas tanto ou mais que Pedro! Vossa Santidade é o Doce Cristo na Terra, o Bispo de Roma, o Vigário de Jesus Cristo. Aos pés de Vossa Santidade queremos depositar o nosso serviço e as nossas orações. Sob o báculo de Vossa Santidade nós temos consciência de formar a verdadeira Igreja de Cristo.