Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justos (Rm 5, 19).
O Pecado Original foi um pecado de desobediência. Adão e Eva, colocados no Paraíso Terrestre, culminados de dons por Deus, tinham como único dever não inverterem a ordem da Criação e manterem a diferença hierárquica – ontologicamente necessária – entre a criatura e o Criador.
Antes do pecado de Adão, a desobediência já havia entrado na Criação, quando Satanás rebelou-se contra Deus e proferiu o seu non serviam (Jeremias 2, 20). Lúcifer, igualitário, tem ódio da diferença hierárquica existente entre o Criador e as Suas criaturas, e – já que sabe ser impossível destruí-la – quer agir como se ela não existisse, e incitar os demais seres racionais a fazerem o mesmo. Conclamou os anjos à rebeldia, e arrastou alguns atrás de si; incita os homens, desde o primeiro casal, a aderirem à sua revolta metafísica e, desde então, o seu brado tem ecoado através dos séculos.
Os vícios se combatem com as virtudes que lhe são opostas e, assim sendo, combate-se a desobediência através da obediência. Difícil prática, sem dúvidas, posto que carregamos em nossa carne marcada pelo Pecado Original as tendências herdadas daquela rebeldia primeira. Tende o homem a querer ser senhor de si; é arrastado – por si mesmo, através das considerações de suas qualidades; pelo mundo, através da cobiça que as coisas criadas despertam; por Satanás, que é mentiroso desde o princípio e não almeja senão convencer o maior número possível de almas a cerrar fileiras consigo – para a desobediência, para a repetição do brado demoníaco original: non serviam!
Difícil prática obedecer, sem dúvidas! Ao homem obediente, exige-se que se reconheça menor do que lhe insinuam o demônio, o mundo e a carne. Exige que renuncie a si mesmo, e que, descendo do seu pedestal de orgulho, reconheça as suas próprias limitações e considere a dolorosa possibilidade de estar errado. Desobediência e orgulho – erros que caminham sempre lado a lado! Obediência e humildade – virtudes que não podem existir separadas. É, todavia, possível obedecer, porque, um dia, Deus se fez homem e “humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 8). Os exemplos maiores de humildade e de obediência foram-nos dados por Nosso Senhor! A quem queremos seguir? Ao non serviam de Satanás, ou ao factus oboediens deixado como exemplo por Cristo Deus?
O pecado de Satanás, seguido por Adão e Eva, apresenta-se sob muitas formas nos nossos dias. “Obediência co-responsável” é desculpa furada de quem não quer obedecer; condenar a “obediência cega” é a semente do orgulho começando a desabrochar. Sempre é possível inventar exemplos e mais exemplos de situações hipotéticas nas quais o homem estaria realmente dispensado da obediência e ainda nas quais obedecer cegamente seria um pecado; mas quando esta hipótese é aplicada amiúde em situações concretas que não guardam com os exemplos aventados senão uma vaga e forçada semelhança, então nós temos um sério problema: nós temos a repetição do non serviam primordial sob uma nova roupagem. Afinal, aquele que é capaz de “se transfigura[r] em anjo de luz” (IICor 11, 14) também é capaz de dar ao seu brado rebelde uma aparência de virtude.
Obediência exige renúncia, e a renúncia mais dolorosa é, por vezes, aquela na qual nós temos que abrir mão de uma coisa que julgamos boa, e que pode até ser boa em si, mas que não convém a uma determinada situação. Sem dúvidas que isto pode ser uma grande desgraça e motivo de profunda tristeza, mas Deus, que não permitiria o mal se, dele, não fosse capaz de tirar um bem ainda maior, sempre pode transformar a boa obra interrompida em ato de obediência meritório. O IBP interrompeu a sua boa obra no Brasil por questões de obediência e, se é verdade que podemos e devemos nos vestir de luto pelo triste acontecimento, é igualmente verdade que o encerramento das atividades do instituto nesta Terra de Santa Cruz é um brado cristão eloqüente contra o grito subversivo de Satanás.
Ao non serviam diabólico, Aquela que venceu sozinha todas as heresias do mundo inteiro contrapôs o seu fiat. Seguindo os humildes passos de Maria Santíssima, deixa o IBP o seu trabalho na cidade fundada pelo beato José de Anchieta. Também Jesus interrompeu o seu trabalho de formação dos Apóstolos para, por obediência ao Pai, oferecer-Se na Cruz do Calvário. Que a alegria sobrepuje a tristeza e, à interrupção do bom combate, sobreponha-se a obediência humilde. Parabéns ao Instituto do Bom Pastor, tanto pelo que fez por nós, quanto pelo exemplo dado na partida. Que a Virgem Santíssima continue sendo em nosso favor e que as nossas orações e boas obras possam servir, um pouco que seja, para apressar o triunfo do Seu Imaculado Coração.