Do discurso do Papa Francisco aos representantes dos meios de comunicação social haveria muito o que enfatizar. Cito dois exemplos:
1. Só se entende a Igreja sob a ótica da Fé. O Papa Francisco disse que «os acontecimentos eclesiais (…) seguem uma lógica que não obedece primariamente a categorias por assim dizer mundanas» e, além disso, a Igreja «não é de natureza política, mas essencialmente espiritual». O Papa, assim, deu um verdadeiro “tapa sem mão” numa certa mídia que tudo reduz ao materialismo mais grosseiro e que, nas coberturas sobre assuntos eclesiásticos que realiza, trata a Igreja como se fosse simplesmente mais um aglomerado humano em nada distinguível de um clube, um governo laico ou uma organização mundana qualquer. Já na quinta-feira passada o Papa disse que a Igreja não era uma ONG e, agora, neste encontro com a imprensa, faz questão de insistir no assunto e dizer que a história da Igreja não pode ser lida senão a partir da perspectiva da Fé.
2. A imprensa precisa ter compromisso com aquilo que é verdadeiro, bom e belo. O jornalismo, segundo o Papa, «implica um cuidado especial pela verdade, a bondade e a beleza». Isto é, não existe propriamente um direito à mentira, à desinformação, à militância ideológica descompromissada com a verdade dos fatos. Ao contrário, os meios de comunicação existem para divulgar «aquilo que é verdadeiro, bom e belo»! Mais uma vez, discrepância maior entre aquilo que o Papa diz ser missão da imprensa e aquilo que a maior parte dos agentes da imprensa faz de fato seria difícil de imaginar. Mais uma vez, o Papa Francisco usa luvas de pelica para esbofetear os «meios de comunicação social» modernos. E ainda aproveita o assunto para arrematar:
[I]sto [este «cuidado especial pela verdade, a bondade e a beleza»] torna-nos particularmente vizinhos, já que a Igreja existe para comunicar precisamente isto: a Verdade, a Bondade e a Beleza «em pessoa».
Ou seja: identifica Cristo com os transcendentais para aproximar a Missão Evangelizadora da Igreja da missão de informar dos meios de comunicação em massa e, acto contínuo, subordina esta Àquela: afinal, se os meios de comunicação existem para divulgar o que é bom, verdadeiro e belo e Cristo é a Verdade, a Bondade e a Beleza em pessoa, então os meios de comunicação social existem para divulgar o Cristo. Ensinamento contundente e importante para os dias de hoje – que bom seria se os homens o praticassem!
No entanto e infelizmente, há quem prefira enfatizar uma outra frase do Santo Padre (dita aliás totalmente en passant) e noticiar este discurso como sendo aquele onde o Papa Francisco falou «que deseja ‘uma Igreja pobre e uma Igreja para os pobres’». E o jornal nem precisou aludir às chaves interpretativas implícitas nesta declaração, porque a nossa elite bem pensante já as tem muito claras diante de si e sabe, perfeitamente, que isso se trata de uma dura crítica do Papa ao luxo do Vaticano e ao fausto no qual vivem os ministro da Igreja. Para a nossa classe intelectual, isto obviamente significa que o Papa vai vender o seu trono de ouro e utilizar o dinheiro para comprar comida para os pobres. Não é?
Não, não é, como qualquer pessoa que dedique cinco minutos a pensar sobre o assunto pode perceber. Uma “Igreja pobre” não poderia construir escolas e hospitais para os pobres, não os poderia alimentar nem vestir, não poderia realizar programas sociais de nenhuma natureza, em suma, não poderia fazer nada por eles. É bastante evidente (ao menos para qualquer um que não tenha sacrificado o seu senso crítico ao besteirol ideológico da moda) que as únicas pessoas que podem fazer alguma coisa pelos pobres são as que têm recursos, e não as que não têm nada. Uma “Igreja pobre”, assim, certamente não significa (e nem pode significar) uma Igreja que deixe de receber doações, que destrua o seu patrimônio artístico ou que abra mão de todos os seus bens para se transformar numa gigantesca ordem mendicante, porque tal Igreja não poderia fazer nada pelos pobres a não ser dizer-lhes que é pobre também – e semelhante “apoio moral” ajudaria bem pouco a quem não tem o que comer ou o que vestir. A despeito da tagarelice marxista tão impregnada no nosso senso comum, é óbvio que a pobreza evangélica não significa ódio aos bens materiais, e sim a justa ordenação deles à maior glória de Deus e à salvação das almas.
E que ninguém interprete o Santo Padre sob a ótica da própria miopia intelectual: insinuar que o Papa Francisco não sabe dessa obviedade é ofensivo. É apenas a elite bem-pensante destes tempos bárbaros em que vivemos que pode ser estúpida: o Vigário de Cristo não pode se dar este luxo. À luz deste exemplo, aliás, vê-se o quão oportuno foi o discurso do Papa Francisco aos representantes dos meios de comunicação social. Infelizmente, ainda há muitos órgãos de imprensa que fazem de tudo para encaixar a Igreja em modelos sócio-econômicos já há muito tempo falidos. Ainda existe muita mídia preocupada em transmitir não o que é verdadeiro, bom e belo, mas os próprios sofismas ideológicos e a criminosa adulteração intelectual do pensamento alheio.