Charlie Gard glorioso

Morreu na última sexta-feira, 28 de agosto, o pequeno Charlie Gard, o bebê britânico que recentemente comoveu o mundo enquanto sofria de uma doença mitocondrial rara para a qual seus pais buscavam desesperadamente um tratamento. Chris Gard e Connie Yates lutaram furiosamente por sua prole, desafiaram os poderosos do mundo e, com isso, angariaram a simpatia e a admiração de milhões. Pode parecer que foram baldados os seus esforços, uma vez que a criança foi morrendo lentamente, pouco a pouco, enquanto burocratas em repartições públicas discutiam pormenorizadamente em quê consistiria o “melhor interesse” de Charlie. A situação do pequeno foi ficando cada vez pior enquanto sucessivas audiências judiciais eram realizadas, até que ele não pôde mais resistir. Ao final rejubilaram-se os próceres da cultura da morte: Charlie Gard morreu, os assassinos venceram! Mas nós cristãos sabemos que nem sempre a morte é o fim da história. Pois houve um dia em que as coisas mudaram. Há dois mil anos que a morte não é uma derrota. Não mais.

Charlie Gard morreu, e agora? Apesar de tudo, penso que há fundadas razões para alegria e esperança. Em primeiro lugar, ele fez mais durante a sua curta vida do que é dado à maior parte dos infantes fazer. Ele permitiu que os seus pais fizessem ecoar pelo mundo inteiro um brado pela vida: um grito pelo direito de não medir esforços pela saúde dos que padecem enfermidades. O fato é que Charlie comoveu multidões. Muitos se interessaram pela história da criança, rezaram por ela, conversaram sobre ela, procuraram os jornais britânicos e pesquisaram sobre o sistema jurídico inglês. Charlie mereceu chamadas televisivas, capas de jornais, artigos de opinião inflamados, análises jurídicas. Conheceram a sua história, neste mundo onde é quase possível nascer, viver e morrer praticamente no anonimato.

Além disso, podem dizer que a batalha judicial foi perdida: eu, ao contrário, digo que ela foi brilhantemente vitoriosa. Não existe nenhuma possibilidade concreta de o indivíduo atual, o cidadão dos dias que correm, fazer frente ao poder burocrático quase ilimitado do Estado Moderno, do Leviathan contemporâneo. A desproporção é gigantesca e provavelmente não foi jamais tão grande: a vontade estatal tem, hoje, meios de se impôr sobre os cidadãos com os quais os maiores déspotas da Antiguidade não puderem sequer sonhar. Para se ter uma idéia do tamanho da iniquidade, os pais de Charlie não puderam falar pelo seu filho nos tribunais, e a advogada que o Estado nomeou para representar judicialmente os interesses da criança é diretora de uma associação pró-eutanásia. Jogo com maior número de cartas marcadas não poderia haver.

Aquele jovem casal britânico, no entanto, fez o impossível. Recusou-se a baixar a cabeça mesmo diante da vastidão dos exércitos de César: reclamou em público, altissonantemente, o seu direito — inalienável e sagrado! — de lutar pela vida do filho, independente do que pudessem dizer todos os juízes togados do mundo. Esta história foi uma Antígona moderna. Ao final foram eles próprios que desistiram da batalha legal, e foi somente então que o assunto ficou, com o perdão do termo, pacificado: antes a Suprema Corte já havia dado a última palavra, e a Corte Europeia de Direitos Humanos também, e ainda assim aquele casal tornou a mover mundos e fundos para conseguir — e conseguiu — levar o assunto mais uma vez aos tribunais britânicos! Ora, o Estado detém o monopólio da jurisdição, de dizer o direito, de encerrar os litígios. Em GOSH v. Gard, no entanto, parece que a disputa — mesmo a jurídica — não cessou enquanto os pais não disseram “basta”.

E mais ainda. Muito se escreveu sobre o bebê Gard; muitos inclusive ousaram defender abertamente que a vontade dos médicos devesse prevalecer sobre a vontade dos pais. Por exemplo, a BBC:

Daniel Sokol, um médico especialista em ética e advogado, disse que o caso lançou uma luz sobre esta questão [a discordância entre profissionais e familiares a respeito de um tratamento médico]. “Isto nos lembra que os direitos dos pais sobre os seus filhos não são absolutos. Eles são limitados por aquilo que é o melhor interesse da criança”.

[Aliás, pelo que andei vendo, a BBC tomou desabridamente o partido do hospital contra os pais da criança, para sua perpétua vergonha. Ao que parece, foi o mais tendencioso e insistente dos veículos de comunicação sobre o assunto.]

Mas o que se viu realmente brilhar — quase por toda a parte, mesmo na mídia secular — foram críticas à atuação das cortes e apoio à luta dos pais de Charlie. Veja-se:

The Telegraph, reproduzindo o pronunciamento de Connie Yates, mãe da Charlie: “Charlie teve uma chance real de melhorar. Agora é infelizmente tarde demais para ele, mas não é tarde demais para outros que possuam a mesma doença ou outras doenças horríveis. Nós vamos continuar a ajudar famílias de crianças doentes e tentar fazer Charlie viver nas vidas dos outros. Nós devemos isso a ele para que a sua vida não tenha sido em vão”.

The Guardian: “Vivemos em um mundo de uns e zeros (…) [e] agora até mesmo a compaixão precisa se encaixar na racionalidade empírica. É por isso que aqueles que jamais sentiram o perfume do pescoço de Charlie, aqueles que jamais o abraçaram, que jamais choraram rezando pelo seu bem-estar, são considerados os mais adequados para decidir como ele deve viver e morrer”.

The New York Times, em um artigo que defende a eutanásia: “O que torna este caso particularmente difícil é que há argumentos válidos de ambos os lados. Algumas questões morais não têm uma resposta certa. Mas, ora, se há razão em ambos os lados, há também motivos para se questionar o julgamento dos tribunais”.

E finalmente, há o próprio Charlie Gard, hoje liberto da corrupção da carne, da fraqueza, da doença. Charlie agora se encontra diante de Deus — é certo. Tendo sido validamente batizado não detinha mais a mácula do Pecado Original; morrendo antes da idade da razão, não teve pecados atuais que lhe embaraçassem a visão de Deus. Morreu portanto filho de Deus, em estado de graça, em heroico sofrimento e após comover o mundo: sua alma encontra-se na presença do Onipotente, unida à multidão de anjos e santos que, de pé, diante do Trono de Deus, intercedem em uníssono por nós que ainda mais um pouco aqui ficamos. E as almas são todas “adultas”, i.e., detêm inteligência e vontade na inteireza da natureza humana. Charlie não é mais o bebê cego e surdo que foi nos seus últimos dias: é agora uma alma humana perfeita, na plenitude de suas potências naturais, vivo e glorioso na presença do Deus Altíssimo, intercedendo por nós.

Chris Gard e Connie Yates perderam um filho; a Igreja ganhou um santo. Charlie Gard, mártir da burocracia e do utilitarismo, da sanha estatal e da cultura da morte! Que ele olhe por nós, agora que pode mais diante de Deus. Que a história dele não seja esquecida. Que a luta por ele iniciada nesta terra possa continuar e dar frutos. Que os dias vindouros sejam melhores.

O “escândalo” sobre a vida íntima do Papa João Paulo II

Um leitor desafia-me aqui no blog: «quero ver agora qual será a desculpa para defender Karol Wojtyła». Ora, mas defender do quê?

A despeito da péssima qualidade da mídia laica e anticlerical — somente na qual, ao que parece, os detratores da Igreja vão buscar as suas informações… –, nem mesmo nela é possível encontrar o «escândalo sobre a vida intima (sic) de Karol Wojtyła» que o meu contendedor alardeia. O Jornal Nacional fala em «amizade intensa» do Papa polonês com uma filósofa americana; El País, em «íntima amizade». A BBC fala em «relação ‘intensa’», e o máximo que encontrei foi «amizade “corajosa”» na Gazeta do Povo. Onde está o escândalo?

Responda-se: o “escândalo” está na ilação maliciosa — que nem os órgãos de mídia ousarem fazer diretamente! — de que haveria, para usar o termo corrente, “segundas intenções” por detrás da correspondência que o Papa João Paulo II trocou durante longos anos com Anna-Teresa Tymieniecka. Veja-se bem o que estamos tratando aqui: nem mesmo a mídia anticlerical ousou acusar diretamente São João Paulo II de ter mantido um caso com a americana, e o comentarista autoproclamado católico sequer pensa duas vezes em tomar a insinuação maliciosa como um fato incontestável! E, pior, quer — exige até! — que todo mundo acredite no mesmo que ele!

Não satisfeitos em deixar o fundo do poço ao jornalismo medíocre que alardeia fatos públicos como se fossem descobertas bombásticas a respeito da vida privada dos santos da Igreja, os comentaristas do Deus lo Vult! que parecem dedicar as suas vidas à difamação da Igreja foram mais ousados: chafurdando ainda um pouco mais na lama para não perder em abjeção à imprensa anticatólica, complementam-lhe o serviço e vêm alardear, com ares de autoridade, aquilo que a mesma imprensa teve ao menos o decoro de deixar encoberto. É impressionante.

O que interessa dizer sobre o mérito da acusação? Primeiro, que trocar cartas não é crime nem é pecado. O clero católico faz voto de celibato (e não “de castidade” (sic), como saiu na mídia), não de silêncio ou de isolamento social. A correspondência pessoal do Romano Pontífice não é em si mesma uma violação de nenhum dos seus deveres de estado.

Segundo, que a incapacidade de enxergar amizade desinteressada nas conversas alheias — como se um homem só conversasse com uma mulher se tivesse interesses sexuais nela — é um defeito de quem julga deste modo, e não se pode admitir que semelhante reducionismo seja transposto da imaturidade dos que o alimentam para a personalidade das grandes almas do planeta. Em uma palavra: não é porque alguns retardados acham que só escreve “aquele tipo de carta” quem está sexualmente interessado em alguém que todo mundo — o Papa inclusive — fica obrigado a só escrever para quem quiser “pegar”. Isto é ridículo até mesmo no mundo secular; na Igreja, é patético a ponto de não merecer dois segundos de atenção.

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Terceiro, que se fosse verdade «que Anna-Teresa Tymieniecka poderia estar apaixonada pelo então cardeal Karol Wojtyla», como está na Gazeta do Povo, isso em nada desabonaria a figura de S. João Paulo II. As pessoas devem ser avaliadas moralmente por suas ações, e não pelas que terceiros têm para com elas; um possível (e olhe o que digo, possível, porque tudo não passa de especulação) amor platônico entre a americana casada e o cardeal europeu pode no máximo ser censurável a ela, não a ele — ao menos não sem acrescentar uma série de outras variáveis desabonadoras (e.g. que o Papa alimentasse deliberadamente a paixão da filósofa pelo simples prazer de se sentir desejado) que de nenhuma maneira se pode inferir dos documentos existentes.

Quarto, por fim, que o assunto não é sequer novidade; como disse um amigo jornalista no Facebook, o fato já fora publicado na biografia do Papa escrita há vinte anos por Carl Bernstein e Marco Politi. Além disso, não se trata de um caso isolado: a correspondência trocada entre Sua Santidade e a médica polonesa Wanda Półtawska ao longo de mais de 50 anos, por exemplo, é um livro que tem inclusive uma edição brasileira desde 2011.

Qual o sentido da “polêmica” agora levantada? Ela não diz nada a respeito da figura do Papa que não fosse já de conhecimento público; mas diz, sim, um bocado!, sobre as pessoas que, lendo a reportagem, ensaiaram um sorriso lascivo ou fizeram algum comentário malicioso sobre o assunto (preenchendo as lacunas que os jornais intencionalmente deixaram abertas, ‘pegando’ as insinuações deliberadamente deixadas no ar e achando que, com isso, faziam algum exercício particularmente notável de perspicácia). Ela revela, na verdade, a própria pequenez desses leitores, incapazes de manter um relacionamento interpessoal desinteressado e reduzindo a diferença entre os sexos ao seu mero aspecto venéreo. O que projetam no Papa é somente o seu próprio reflexo. E essa história, portanto, pode até não dizer nada sobre São João Paulo II; mas diz muito, sim, sobre o homem contemporâneo — e o que diz é deprimente.

Papa Francisco ataca a teoria de gênero!

A mídia secular não é a melhor fonte de notícias a respeito do Papa Francisco, mas vale a pena citar esta matéria do Jornal do CommercioPapa ataca a teoria de gênero e defende colaboração entre homem e mulher. E vale a pena citá-la por pelo menos duas razões.

Primeiro, porque é um bálsamo encontrar, na mídia laica, uma notícia que soe desabonadora às expectativas anticatólicas que os incréus têm a respeito do atual pontificado. Não é interessante divulgar a doutrina católica e, por isso, quando o Papa Francisco costuma aparecer na mídia, as mais das vezes é para que ela – a mídia – faça propaganda d’alguma ideia anticatólica. O expediente já foi empregado tantas e tantas vezes que perdeu a graça: na verdade, a gente já nem esperava mais encontrar, nas manchetes dos jornais, o Papa associado àqueles aspectos do Catolicismo que desagradam o pensamento mundano hoje hegemônico…

(E há algo de profundamente triste nisso, sem dúvidas. Atingiu-se um novo patamar de perda de referências: agora não é mais simplesmente que as pessoas não dêem ouvidos ao que diz a Igreja Católica. Atingiu-se o paroxismo: as pessoas não associam mais o Romano Pontífice à Igreja Católica!)

A segunda razão pela qual vale a pena citar a matéria do Jornal do Commercio é esta: a Catequese de hoje, na verdade, não tem nada de excepcional. O Papa trata o tema de modo bastante rudimentar, repleto de lugares-comuns e de banalidades – atenção, que com isso não se está fazendo pouco caso da catequese pontifícia! Está-se, tão-somente, afirmando o caráter introdutório, basilar, fundamental do discurso pontifício. E o ponto a que quero chegar é: nem mesmo um texto superficial, que aborde trivialidades da doutrina católica, pode mais ser proferido pelo Papa Francisco sem que a mídia rasgue as vestes e acuse o golpe.

Tive a curiosidade de procurar por “Papa”, “Teoria” e “Gênero” no news.google.com. As manchetes são impressionantes. Papa Francisco arremete contra la teoría de géneroCritica papa Francisco la teoría de género que reconoce a homosexualesPapa contra “Teoría del género” de grupos LGBTPapa Francisco califica a la teoría de género de ‘error de la mente humana’. Ao que parece, apenas a mídia tupiniquim lembrou acrescentar, ao final da manchete, que o Papa também defendeu a colaboração entre homem e mulher…

Quem lê pensa que saiu uma encíclica sobre o tema, uma bula papal condenando solenemente a tese, uma exortação detalhada e específica sobre o assunto! Quando, na verdade, a única frase, no meio da audiência geral, é quando Sua Santidade se pergunta «se a chamada teoria do gênero não seja expressão de uma frustração e de uma resignação, que visa a cancelar a diferença sexual porque não sabe mais como lidar com ela». E isso me leva a pensar em algumas coisas.

Pergunto-me no que acontecerá quando vier, de Roma, alguma coisa mais substancial a respeito do tema do que a menção en passant de hoje. Que retórica usarão os (de)formadores de opinião para indispôr as pessoas contra o Papa, agora que já gastaram todo o seu repertório para fulminar uma menção incidental à teoria de gênero?

Pergunto-me ainda se o problema de certa mídia não é, ao contrário do que parece à primeira vista, mais de falta de senso de proporções do que de astúcia inteligentemente voltada para o mal. Porque parece haver certa má fé em pinçar banalidades do quotidiano do Papa Francisco para as pintar como flagrantes oposições ao ensino da Igreja, como vaticínios infalíveis de que a Esposa de Cristo está se curvando aos “avanços” do século XXI. Ora, mas neste caso de hoje a banalidade pinçada é desfavorável à agenda moderna…! O que me leva a pensar que, talvez, eles simplesmente não sejam capazes de ponderar os fatos sobre os quais julgam precisar falar. Talvez, no final das contas, o deplorável nível intelectual do homem médio contemporâneo deva ser creditado não apenas à manipulação da imprensa, mas a uma sua nada negligenciável falta de bom senso e de competência na realização do seu trabalho.

Pergunto-me, por fim, se não existe algo de irônico nesse serviço à Igreja prestado por linhas tortas, uma vez que a maior parte das pessoas não vai ler a catequese hebdomadária do Papa Francisco mas tão-somente a matéria do jornal (que digo? A maior parte das pessoas vai ler somente a chamada da matéria!). E talvez isso ajude a formar, no imaginário coletivo, uma imagem do Papa Francisco um pouco mais próxima daquela de um Sumo Pontífice. Quem sabe as pessoas encontrem mais o Papa nestas manchetes (mal-feitas!) de ódio mal-disfarçado do que em todas as outras onde se incensa um ídolo moderno que, para ser mais palatável, costuma ser apresentado sob uma batina branca e por detrás do rosto sorridente de um antigo cardeal argentino.

A mídia nunca esteve interessada em transmitir fielmente o pensamento papal

Alguém já disse que a única coisa pior do que uma imprensa hostil ao Papa é uma imprensa que o festeje. Os católicos têm-no percebido ao longo do último pontificado: o Papa Francisco pode dar mostras inequívocas de catolicismo zeloso setenta vezes por dia, que – mesmo assim! – só serão alçadas às manchetes seculares aquelas coisas que forem capazes de incutir, no leitor, uma imagem distorcida da Igreja Católica.

Qualquer mínimo contato com a realidade demonstra isso que estou falando. Hoje mesmo um amigo, não-católico, dizia-me achar que o Papa Francisco estava preparando uma “religião mundial”. Ora, isso não faz nenhum sentido. Não apenas por uma questão de direito (a Igreja Católica, nós o sabemos, é a instituição fundada pelo próprio Cristo para perpetuar a mensagem da Salvação através do tempo, e conta com o auxílio infalível do próprio Deus para desempenhar essa divina missão etc.), mas também por uma questão de fato: o Papa Francisco repete, o tempo todo, que somente Jesus Cristo salva, que somente na Igreja Católica se encontra Jesus Cristo, que é necessário fazer parte da Igreja etc. Provavelmente se pode dizer que ele é o Papa que mais insistentemente tem falado isso nas últimas décadas! À guisa de exemplo, algumas das coisas que anotei aqui no Deus lo Vult! (todas são palavras do próprio Papa Francisco – as referências estão lá):

  1. Março de 2013: «Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens. Este anúncio permanece válido hoje como foi no início do Cristianismo».
  2. Abril de 2013: «[S]implesmente é isto que Jesus disse: ‘Eu sou a Porta’, ‘Eu sou o Caminho’ para nos dar a vida. Simplesmente. É uma porta bela, uma porta de amor, é uma porta que não nos engana, não é falsa. Sempre disse a Verdade. Há talvez caminhos mais fáceis, mas são enganosos, não são verdadeiros: são falsos. Somente Jesus é o Caminho».
  3. Setembro de 2013: «[N]ão existe caminho de vida, não existe perdão nem reconciliação fora da mãe Igreja».
  4. Janeiro de 2015: «Nenhuma manifestação de Cristo, nem sequer a mais mística, pode jamais ser separada da carne e do sangue da Igreja, da realidade histórica concreta do Corpo de Cristo».

É de uma eloquência invejável, de uma clareza cristalina: de Bento XVI ou de S. João Paulo II eu não teria uma antologia dessas para apresentar! No entanto, a dar ouvidos à voz do povo, o Papa que vai inventar uma supra-religião amorfa que congrace promiscuamente os mais diferentes credos é… o Papa Francisco! Como é possível tamanha discrepância entre o que o Papa passa os dias dizendo e a percepção que tem dele o não-católico (ou mesmo o católico médio)?

O problema, como eu disse acima, é a mídia. Pior do que falar mal é enaltecer seletivamente. Quando o Papa Francisco repete extra ecclesiam nulla salus de duzentas maneiras distintas, ninguém dá um pio. Quando o Papa fala alguma coisa da qual se possa construir uma interpretação contrária ao Catolicismo, então é esta interpretação que se alardeia aos quatro ventos como se fosse a última declaração infalível de um Pontífice falando ex cathedra. A pior forma de conhecer um Pontificado é o perceber através da mídia anti-católica! É a pior ignorância, porque ela se manifesta travestida de informação fidedigna.

De ontem para hoje, contudo, este relacionamento amoroso fingido (impossível não lembrar os versos de Augusto dos Anjos: cuidado, que «a mão que afaga é a mesma que apedreja»…) entre a imprensa anti-católica e o Papa Francisco parece ter sofrido um duro golpe. Foi no avião que o levava às Filipinas. Referindo-se à liberdade de expressão, o Sumo Pontífice disse que o seu amigo poderia esperar (no vídeo se ouve bem o verbo aspettare) uma bofetada caso falasse mal de sua mãe. No original: «se il dott. Gasbarri, grande amico, mi dice una parolaccia contro la mia mamma, gli arriva un pugno!». Foi o suficiente.

Papa fala bobagem!, disseram daqui; Papa tropeça e diz besteira!, berraram acolá. O Reinaldo, aliás, gravou até um vídeo sobre o assunto. A mesmíssima hipertrofia seletiva que nos acostumamos a ver a mídia fazer nos últimos meses; o mesmo cherry-picking tantas vezes empregado para apresentar ideias estranhas ao Catolicismo como se viessem do Pastor Supremo da Igreja. Dessa vez, contudo, em desfavor da figura do Papa Francisco. Que sirva de lição. Oxalá o imbroglio possa provocar, doravante, uma certa sadia desconfiança da mídia laica, cuja competência para transmitir o pensamento religioso alheio é (para dizer o mínimo) bastante questionável.

O assunto nem merece muito latim. Para mostrar que o Papa – é óbvio! – não estava “justificando” o atentado islâmico, bastaria citá-lo no parágrafo imediatamente anterior à “declaração polêmica”: «non si può uccidere in nome di Dio. Questa è una aberrazione. Uccidere in nome di Dio è un’aberrazione». “Não se pode matar em nome de Deus. Isto é uma aberração. Matar em nome de Deus é uma aberração” – do jeito enfático que lhe é peculiar. Sinceramente, pode haver alguma dúvida?

No entanto – e à semelhança do que é feito com as pregações pontifícias ostensivamente católicas que eu listei mais acima -, quem liga? A mídia nunca esteve interessada em transmitir fielmente o pensamento papal. O seu modus operandi é o de pinçar algumas frases soltas e lhes dar o primeiro sentido estapafúrdio que lhe vier à cabeça: há anos é assim. Se agora isso é feito de maneira a “azedar” as relações midiáticas com o Papa Francisco, louvado seja Deus!, tanto melhor. Tem feito muito mal à Igreja a imprensa que enaltece o Papa. Parece que estávamos precisando, de novo, de uma mídia que o denegrisse.

Jornal “A Tarde” publica matéria sobre Missa Tridentina em Salvador

[A Missa Tradicional celebrada em Salvador – cujo aniversário de dois anos foi anunciado aqui – foi assunto de uma simpática matéria no “A Tarde”, conhecido jornal da Bahia. Reproduzo abaixo o .pdf que recebi por email, agradecendo ao meu caro amigo soteropolitano pela gentileza do envio.

Maravilhosa a explicação do pe. Gilson: “O sacerdote não está de costas para o povo, mas, com o povo, olha o oriente”. E isso, que não ouvimos nas nossas paróquias, exposto assim com clareza e sem preconceitos num jornal secular! São as pedras falando, porque se calaram os que tinham o dever de instruir o povo de Deus.

Cliquem nas fotos (ou aqui) para obterem o arquivo .pdf em maior resolução.]

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Papa Francisco pede que não acreditem em quem diz que ele dá «receitas novas»

Do «Discurso do Papa ao clero» de hoje, em Assis:

Mas se pode ir às periferias somente se se leva a Palavra de Deus no coração e se caminha com a Igreja, como São Francisco. Caso contrário, levamos a nós mesmos, e não a Palavra de Deus e isto não é bom, não serve para ninguém! Não somos nós que salvamos o mundo: é o Senhor que o salva!

Então, queridos amigos, eu não dei a vocês receitas novas. Não o fiz e não acreditem em quem diz que eu o fiz. Não existem. Mas encontrei no caminho da vossa Igreja aspectos belos e importantes que vão fazê-los crescer e quero confirmar vocês nestes. Escutar a Palavra, caminhar junto em fraternidade, anunciar o Evangelho nas periferias! O Senhor vos abençõe, Nossa Senhora vos proteja e São Francisco vos ajude todos a viver a alegria de ser discípulos do Senhor!

Destaco:

“Eu não dei a vocês receitas novas.”

“Não o fiz e não acreditem em quem diz que eu o fiz.”

“Não existem.”

Ouçamos mais o Papa e menos os que se pretendem intérpretes de Sua Santidade. Ouçamos a Igreja e não a mídia. E rezemos, cada vez com mais afinco, pelo Doce Cristo-na-Terra.

«Tem boi na linha; se não é boi, pelo menos é chifrudo» – Carlos Ramalhete

[Fonte: Facebook]

Tem boi na linha; se não é boi, pelo menos é chifrudo

Quando meus filhos eram pequenos, eu sempre fazia com eles uma brincadeira de palavras, um joguinho meio besta, mas muito útil, para ensiná-los a se expressar claramente. A maior vantagem da brincadeira é que ela também ensinava que é simplesmente impossível ser entendido claramente quando o receptor do discurso preocupa-se ativamente em **não** entender.

A brincadeirinha é muito simples: basta fingir que se tomou todas as palavras importantes do discurso por homófonos ou quase-homófonos. A criança – que, como toda criança, leva tudo a sério – fica exasperada e começa a tentar dizer a mesma coisa de outra maneira. Aí é só fazer a mesma coisa, com outro homófono e outra palavra.

Por exemplo: vem-nos o petiz, dizendo que “mamãe pediu pra me dar uma lista de compras”. A resposta mais evidente é, claro, “maleta de compras? Pra que é que ela quer que eu te dê uma maleta de compras?! Já não basta a sua mochila?!”. Daí a criança tenta dizer “não, pai, é a lista das coisas que tem que comprar no mercado”, apenas para se ver diante da barreira intransponível da resposta “mas se a lista é das coisas que têm, para quê comprar no mercado? Você quer comprar de novo o que você já tem?!”. E por aí vai.

A brincadeira não tem fim, e garante que a criança desenvolva sua capacidade vocabular ao ponto de, na adolescência, ter um controle ótimo da própria expressão. Meu filhos, graças a Deus, não intercalam “tipo” a cada duas palavras, por exemplo.

Outro dado interessante da minha experiência sensível, que, com o exposto acima, me ajuda a perceber o que está atualmente acontecendo, é o que eu me habituei a explicar dizendo que “o universo conspira em favor do Paulo Coelho”. Todo mundo sabe que o ilustríssimo imortal abeelístico supracitado, depois de – dizem as más línguas – vender a alma ao Capiroto, passou a afirmar que o universo conspiraria em favor dele. Seria uma espécie de domínio da sincronicidade, se se quiser tomar pelo lado junguiano da coisa, ou das probabilidades, quando a matemática é nossa praia. Se se quiser correr o risco da blasfêmia, seria possível até mesmo atribuir à Divina Providência esta suposta conspiração do universo.

O fato é que, decididamente, ainda que o universo conspire em favor do Paulo Coelho, em meu favor ele não conspira. Bom sinal, diriam todos os santos e doutores da Igreja. Na verdade, para mim esta realidade acaba sendo até mesmo um modo informal de ver como está indo o meu apostolado: se está indo bem, posso ter certeza de que tudo o que puder dar errado em meu entorno dará. Se eu deixo meu apostolado de lado, contudo, se eu não debato, não respondo, não prego, não escrevo, e me dedico a beber bom vinho e ouvir boa música, as coisas fluem. O universo que conspira em favor do Paulo Coelho me tem como aliado, e sempre sobra uma casquinha da conspiração lá deles.

Pois bem, aparentemente o Santo Padre Papa Francisco, decididamente, não está no mesmo time do Paulo Coelho. Pessoas inteligentíssimas, que respeito profundamente, vêm apresentando dificuldades em entender o que ele diz que mais parecem a brincadeira que eu fazia propositadamente com meus filhos. Não é um nem dois: tenho visto este fenômeno se repetir em público e em particular, afetando engenheiros, filósofos, teólogos, jornalistas e o que mais vier.

Aí eu pego o texto que causou tantas dificuldades e, mutatis mutandis, é como se eu pegasse o diálogo com a criança que eu citei acima; é evidente que se entendeu tal e tal coisa em senso diverso do desejado pelo emissor do discurso, que “tem” significa, no contexto, “precisa”, não “possui”.

A coisa é ainda mais estranha quando nos damos conta de que muitos dos que ora apresentam dificuldades de compreensão vieram à Fé católica – ou pelo menos se aprofundaram nela e passaram a estuda-la – no pontificado de João Paulo II.

Ora, João Paulo II pode perfeitamente ter sido um santo – sê-lo-á com certeza quando de sua canonização –, mas certamente não era um bom explicador do que quer que seja. Seus textos eram coisas abstrusas, que precisavam ser lidas várias vezes, cheias de referências bizarras a idéias ainda mais esquisitas, que ele julgava necessário combater. Seus discursos de improviso eram piores ainda. Seus atos públicos – mais no que ele permitia que no que ele mandava fazer, mas também nisso – eram frequentemente escandalosos. Pombas, o encontro de Assis foi uma idéia de jerico tão absurda que Deus mandou um terremoto para que Sua voz Se fizesse ouvir. Para não falar da missa celebrada com uma louraça-belzebu fazendo as leituras de maminhas ao léu, enquanto o texto da Veritatis Splendor, acertadíssimo, dizia de maneira confusa e abstrusa que tudo aquilo era coisa a evitar.

Aí me vem um bom amigo, converso joão-paulino, com dificuldades enormes para entender que numa entrevista do Papa Francisco, as palavras “não é possível” não significam “não nos é permitido”, mas “é algo que não está ao alcance de ninguém”.

Ou seja: algo que “não é possível”. E tome idas e vindas por email até o sujeito entender, se é que entendeu!!! Como diria o marido da mulher feia, durma-se com um bagulho desses!

Ao mesmo tempo, o pessoal que já curte uma missa-negra, ou pelo menos que senta no banco dos reservas do time do Paulo Coelho, inventa leituras ainda mais delirantes e arrevesadas de tudo o que o papa fala, de tal modo que dificilmente se têm passado dois dias sem que aparecesse um delírio novo. Ora ele vai ordenar mulheres, ora ele liberou o aborto, era a sodomia-chique das revistas de moda teria ganho aval papal. Daqui a pouco ele vai ter dito que levaria um cartaz louvando grupos de pagode ao show do Iron Maiden.

Ora, a única explicação possível para isto, para tamanho fenômeno de incompreensão localizada, é interferência demoníaca. Não há outra razão; se a incompreensão fosse devida ao discurso propriamente dito, à falta de habilidade do emissor, ou bem a recepção dele seria sempre a mesma – ou seja, todo mundo acharia que o Papa estaria dizendo X, ao invés do Y que ele queria enunciar – ou bem o discurso seria claramente incompreensível. Mas não. O mesmo que vem me perguntar sobre um “não é possível” que ele não consegue entender como “não é possível” vem me dizer que é um absurdo que Fulano ou Beltrano (nunca ambos!) não tenha entendido outro ponto de um discurso papal.

Pelo que ensinam os sábios santos e doutores, e pela modesta experiência, só posso dizer uma coisa de todos estes aparentemente estranhíssimos fenômenos: o Inferno está apavorado com o Papa Francisco! É a versão séria dos probleminhas bestas que eu já encarei tantas vezes; se para mim mandavam um diabrete já velhusco, à beira da aposentadoria, com capacidade de trabalho não lá muito boa, para o Papa vai a elite, o Bope do Hades. Espalham-se pelo mundo, com metafóricos chumaços de algodão sulfuroso para tampas os ouvidos e distorcer as percepções. Não duvido nada que – como já vi acontecer tantas vezes em meu entorno quando meu apostolado estava andando melhorzinho – o Vaticano esteja cheio de problemas, com os aparelhos elétricos pifando, os canos entupindo, os documentos e chaves caindo atrás dos móveis, etc.

A solução, evidentemente, é rezar mais ainda e ir em frente, mesmo sabendo que o Tinhoso é tinhoso e vai continuar atentando. No caso das vítimas, na situação atual, daqueles que vêm tendo dificuldades absurdas para entender o que diz o Papa, eu recomendaria deixar de lado todo e qualquer discurso papal, dedicando-se ao invés à oração. A não ser que sejamos membros da hierarquia e que o discurso papal tenha sido dirigido diretamente a nós, como numa visita de um Bispo ao Papa, vale mais a pena dedicar-se à leitura de obras aprovadas pelo tempo, tão parafraseadas ao longo dos séculos que ficou impossível não encontrar a mesma coisa dita de várias maneiras, todas ortodoxas. Assim escapamos do grosso dos ataques do Chifrudo, ou ao menos não somos usados por ele para atacar a Igreja. Fazer da boa intenção um paralelepípedo para calçar a estrada que leva aos Quintos é, afinal, a especialidade dele.

Além disso, claro, vamos rezar pelo Papa, por este Papa que tanto apavora as hostes infernais!

Ave Maria

Carlos Ramalhete

O Papa Francisco e o aborto: a esquizofrenia da grande mídia

Ontem correram o mundo notícias “bombásticas” sobre as críticas que o Papa teria feito à forma como a Igreja transmite a sua Doutrina Moral. Citando uma entrevista do Romano Pontífice a uma revista jesuíta, as matérias que pulularam na internet foram as mais disparatadas possíveis. Exemplo:

Para Papa, Igreja não pode interferir espiritualmente na vida dos gays
– Papa abre Igreja aos gays, aos divorciados e às mulheres que abortam
– Igreja insiste demais em homossexualidade e aborto, diz papa
Papa critica obsessão da igreja por aborto, casamento gay e contracepção
Et cetera, et cetera, et cetera.

As causas mais gerais dessa loucura generalizada se encontram no diálogo de surdos entre a Igreja e a Imprensa que o prof. Carlos Ramalhete apontou com extrema perspicácia ontem mesmo. A leitura do texto dele é recomendadíssima, para que se possam evitar perturbações provocadas pela situação atual e por outras idênticas a ela que já apareceram e sem dúvidas ainda haverão de aparecer enquanto houver jornalismo medíocre no mundo.

Quanto ao caso concreto, é importante dizer quanto segue:

1. A íntegra da entrevista de Sua Santidade pode ser encontrada aqui.

2. A frase que provocou celeuma – sobre não se poder «insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos» – não se encontra solta no tempo e no espaço, como se o Papa estivesse estabelecendo diretrizes de ação para a Igreja em geral e para todas as situações possíveis. Como se trata de uma entrevista, o Papa Francisco está dando uma resposta para uma pergunta específica, e portanto é óbvio que o alcance de suas palavras deve estar circunscrito ao contexto dela. É evidente que elas não servem para guiar toda e qualquer ação dos católicos, pela simples razão de não ter sido isso o que foi perguntado a Sua Santidade.

3. A pergunta à qual o Papa Francisco responde é a seguinte:

[E]xistem cristãos que vivem em situações não regulares para a Igreja ou, de qualquer modo, em situações complexas, cristãos que, de um modo ou de outro, vivem feridas abertas. Penso nos divorciados recasados, casais homossexuais, outras situações difíceis. Como fazer uma pastoral missionária nestes casos? Em que insistir?

4. O Papa, portanto, não está falando da ação evangelizadora da Igreja simpliciter – e nem muito menos da apologética! -, e sim da «pastoral missionária» a ser feita junto a cristãos específicos – grifo, a cristãos específicos – que sofrem com problemas de ordem moral. O Papa, assim, não está falando do combate contra o Movimento Gay internacional ou contra a Indústria do Aborto, e sim do diálogo com cristãos arrependidos de seus atos. Veja-se:

Penso também na situação de uma mulher que carregou consigo um matrimónio fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar e agora está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente arrependida. Gostaria de avançar na vida cristã. O que faz o confessor?

Ora, o que isso tem minimamente a ver com o movimento feminista que pleiteia um “direito” ao assassinato de seres humanos inocentes ou com a Planned Parenthood? Absolutamente nada. Carece totalmente de sentido, portanto, fantasiar que o Papa pretenda banir o movimento pró-vida católico, sacramentar o “casamento” homossexual, abolir a Moral da Igreja ou qualquer outro disparate do tipo.

5. Ainda: não se trata de pretender converter os pecadores sem lhes apontar os seus pecados, e sim de acolher os penitentes que, já arrependidos de suas faltas, buscam sinceramente a graça de Deus; e fazê-lo sem que seja necessário ficar remexendo em feridas passadas dolorosas. A situação concreta que o Papa apresenta, como vimos, é a de uma mulher que no passado abortou e agora está sinceramente arrependida. É óbvio que numa situação dessas (e em outras análogas) o confessor não pode «insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos». É óbvio que esta mulher precisa sentir-se perdoada por Deus, e não ainda mais atormentada pelo seu pecado passado e do qual já se arrependeu, sem no entanto conseguir se perdoar.

6. Mais: não se trata de deixar de falar de temas morais, mas sim de harmonizá-los com a totalidade do ensino da Igreja. Porque, caso contrário, eles podem parecer regras arbitrárias e sem sentido. O que o Papa diz está corretíssimo: «o anúncio do amor salvífico de Deus precede a obrigação moral e religiosa». E ainda: «A mensagem evangélica não pode limitar-se, portanto, apenas a alguns dos seus aspectos, que, mesmo importantes, sozinhos não manifestam o coração do ensinamento de Jesus». É claro que é assim. Não fosse a Moral radicada na obediência a um Deus que é amor, ela se transformaria em um conjunto de imposições tirânicas e desprovidas de sentido. Não existe Moral sem Deus, e desvincular aquela Deste é um erro que obviamente não pode dar frutos de conversão.

7. Estas palavras do Papa, por fim, que falam por um lado da melhor maneira de acolher cristãos já arrependidos de seus pecados e, por outro, de não apresentar a Moral Católica desvinculada da totalidade da Mensagem Evangélica para não a desacreditar, não mudam em um átimo o dever da Igreja de continuar fazendo incansável guerra contra os promotores de pecados. Pretender que se deva agir com estes últimos da mesma forma que o Papa manda acolher os pecadores arrependidos é um completo nonsense e uma falsificação grosseiríssima das palavras de Sua Santidade.

E a maior prova de que o Papa não tem (e nem poderia ter) a menor intenção de alterar a forma de pregação da Igreja está nas palavras que ele próprio dirigiu hoje (sexta-feira, 20 de setembro, um dia depois da veiculação da entrevista supracitada) aos participantes de um encontro promovido pela Federação Internacional das Associações de Médicos Católicos. O original italiano desse discurso do Papa Francisco está aqui. Uma repercussão em português pode ser encontrada aqui. Desta última, destaco:

O Papa referiu-se esta sexta-feira em termos muito claros ao drama do aborto e ao direito à vida, deixando muito claro que a protecção da vida é “uma verdadeira prioridade do magistério, particularmente no caso da vida indefesa, isto é, os deficientes, os doentes, os nascituros, as crianças, os idosos”.

Numa audiência uma delegação de médicos católicos, Francisco foi mais longe e disse que as crianças que são “condenadas ao aborto” têm “o rosto do Senhor”, tal como os idosos cujo direito à vida não é respeitado.

E é exatamente isto o que está no original: «Per questo l’attenzione alla vita umana nella sua totalità è diventata negli ultimi tempi una vera e propria priorità del Magistero della Chiesa, particolarmente a quella maggiormente indifesa, cioè al disabile, all’ammalato, al nascituro, al bambino, all’anziano, che è la vita più indifesa». “Por isto, a atenção à vida humana na sua totalidade se tornou nos últimos tempos uma verdadeira e própria prioridade do Magistério da Igreja, particularmente àquela mais indefesa, isto é, ao inválido, ao doente, ao nascituro, à criança, ao ancião – que são as vidas mais indefesas”. E ele ainda vai mais longe:

O terceiro aspecto é um mandato: sede testemunhos e difusores desta “cultura da vida”. O vosso ser católico comporta uma responsabilidade maior: antes de tudo com relação a vós mesmos, pelo empenho de coerência com a vocação cristã; e depois diante da cultura contemporânea, para contribuir a reconhecer na vida humana sua dimensão transcendente, marca [impronta] da obra criadora de Deus, desde o primeiro instante de sua concepção. Este é um empenho da nova evangelização que muitas vezes exige andar contra a corrente, pessoalmente [pagando di persona].

E termina:

Nunca deixem de rezar ao Senhor e à Virgem Maria para terem sempre a força de cumprir bem o trabalho de vocês, testemunhando com coragem – com coragem! Hoje se exige coragem! -, testemunhando com coragem o “Evangelho da Vida”. Muito obrigado!

Não se trata de “deixar de lado” a pregação moral da Igreja, e sim de saber que esta é uma «prioridade do Magistério». Não se trata de “falar menos” nestes assuntos, e sim do «mandato» de agirmos «contra a corrente», «testemunhando com coragem o Evangelho da Vida». Ora, isso é rigorosamente o oposto do que se alardeou ontem na mídia irresponsável!

E o castigo para a leviandade da imprensa é a contradição, que chega às raias da esquizofrenia; ontem diziam que o Papa criticara a «obsessão da Igreja com o aborto», hoje anunciaram que o Papa disse ser «a defesa da vida uma verdadeira prioridade do Magistério». E continuarão dizendo ora uma coisa e ora o seu contrário, mesmo de um dia para o outro, porque a preocupação de certa mídia sensacionalista não é (e nem nunca foi) com a verdade dos fatos ou com a coerência do seu discurso, mas tão-somente com o “novo”, com o “sensacional”, com o “bombástico”. Esta é a função desta mídia. Engana-se quem pensa que o objetivo dela é informar alguém de alguma coisa.

Do nosso lado, enganar-nos-emos ainda mais terrivelmente se lhe prestarmos ouvidos. Confudir-nos-emos e nos perderemos, porque a missão dela é confundir e dispersar. Não caiamos nesta armadilha tão tosca e pueril! Os nossos olhos devem estar fitos no Eterno, e não nas inconstâncias esquizofrênicas dos meios de comunicação.

O Eterno e o Tempo da Imprensa – Carlos Ramalhete

[Fonte: Facebook]

O Eterno e o Tempo da Imprensa

A desculpa para escrever este texto – que publico sem revisão por falta de tempo – é a enésima vez que um Papa (ou Bispo, ou padre, ou leigo católico conhecido como tal) diz uma coisa e a imprensa faz uma tempestade alucinada num dedal d’água, berrando aos sete ventos que “o Vaticano/Papa/Bispo mudou e agora é a favor de camisinhas/aborto/sodomia”.

Isto sempre acontece, e é sempre seguido por leigos nem-tão-engajados-assim, modernistas de direita e outras figuras da periferia católica rasgando as vestes, como se o absurdo que a imprensa disse fosse verdade. E o Papa, Bispo, padre ou leigo engajado passa a ter mais trabalho para lidar com aqueles que com os judeus, pagãos, protestantes e orientais, que normalmente prestam mais atenção no que ele tenha a dizer quando querem saber qual é a dele.

Isto acontece por uma razão simplíssima: o universo mental e o modo de lidar com a realidade da Igreja e da imprensa simplesmente não poderiam ser mais diferentes. Infelizmente, todavia, há muita gente que raciocina de modo mais semelhante ao da imprensa que ao da Igreja se manifestando nesta ocasião e em outras semelhantes.

Vejamos quais são estes modos de ver o mundo, estes universos mentais tão díspares.

A imprensa é heraclítica. Para ela, só há mudança, devir, novidade. A novidade é a notícia, e é ela, e só ela, que interessa. O resultado é evidente quando se examina qualquer jornal, revista, noticiário, etc.: o que permanece não é notícia. Diz o ditado que quando um cachorro morde um homem, isso não é notícia; só é notícia o homem que morde o cachorro, justamente por ser diferente, **novo**. Os milhares de crianças que nascem saudáveis não são notícia, mas se nascer um bebê com quatro braços, a imprensa em peso vai noticiar. A mais séria de modo comedido, a mais popularesca fazendo comparações com divindades hinduístas. Do mesmo modo, na política é notícia o que muda, o que sai do padrão. Na vida cotidiana, o crime, o incêndio, a tragédia.

A Igreja, por outro lado, é a portadora de uma mensagem eterna. Para a Igreja, estamos há dois mil anos na Plenitude dos Tempos; a Revelação já foi toda dada e concluída, e nada mais acontecerá de realmente importante até o fim dos tempos. Em outras palavras, a eternidade penetrou no tempo, dando-nos todos a possibilidade de adentrar a eternidade. E o papel da Igreja é este: ajudar-nos a adentrar a eternidade.

Vale notar os dois lados desta equação da vida eclesial: um é a eternidade, que não muda jamais. A verdade, que é sempre a mesma. A natureza humana, que é sempre a mesma. O outro é a aplicação disto a cada um de nós. A Igreja conhece o ser humano como ninguém mais, sabe perfeitamente como cada coisa nos afeta, o que nos faz bem, o que nos faz mal, etc. Mesmo alguém que não tenha Fé pode perceber isto; afinal, dois mil anos prestando atenção no ser humano fatalmente a levariam a acumular algum conhecimento!!!

Os seguidores de religiões naturais tradicionais (como o hinduísmo, o budismo e algumas formas do islã), bem como os judeus ortodoxos, aliás, concordam em quase tudo com a Igreja no tocante ao ser humano, justamente por terem se dedicado, ao longo dos séculos, a estuda-lo.

Um clérigo católico experiente (padre, Bispo ou Papa) e ortodoxo há de ter passado algumas décadas a cuidar desta equação, a ajudar individualmente pessoa após pessoa a se tornar alguém melhor. Ele há de ter tido notícia de horrores inimagináveis, ouvidos no confessionário. Ele há de ter visto pessoas que caem após anos e anos de melhora. Não apenas a feiúra dos nossos desejos desabridos, mas a **falta de originalidade** deles está profundamente gravada na maneira dele de ver o mundo.

O primeiro sodomita, pedófilo, adúltero ou zoófilo há de espantar o padre recém-ordenado, que só havia estudado aquilo num compêndio de teologia moral. Ao longo dos anos, contudo, o que lhe salta aos olhos é a semelhança entre todos eles, o modo como toda tentação é parecida. É nesta hora que lhe é valioso o compêndio de teologia moral, que lhe lembra que por mais que um furto e um adultério sejam tão semelhantes, o efeito deles sobre a alma humana é diferente.

Trata-se, assim, de alguém que dedicou a vida a ajudar pessoas presas no tempo, pessoas que acham que aquela tentação – que é exatamente igual à do próximo! – é uma novidade absoluta, a adentrar a eternidade e deixa-la para trás. Para isto, ele tem um arsenal de técnicas mais que comprovadas pelo tempo, a serem aplicadas na direção espiritual e no aconselhamento. Sempre pessoa a pessoa, sempre tendo a eternidade como objetivo.

Mas, afinal, o que levaria alguém a querer melhorar? O que levaria alguém a buscar a santidade – que nada mais é que a sanidade! –, ao invés de buscar mais dinheiro, mais sexo, mais Aifones do último tipo, ou sei lá o que se vende hoje em dia como desejável?!

Mysterium Fidei, este é o Mistério da Fé.

A Fé é uma graça divina. Em bom português, isto significa que ela é um presente de Deus ao homem, não uma decisão humana. A decisão – que existe! – é simplesmente de aceitar, ou não, a Fé que Deus oferece. Contra esta decisão há todo tipo de apego ao temporal (dinheiro, poder, sexo, Aifones… basicamente, tudo o que se perde na morte). A favor, contudo, há a perfeição divina. Há a ação dos Santos. Há os milagres (hoje, dia de São Januário, é o dia de um milagre que se repete regularmente há coisa de dezessete séculos!). Há a Verdade.

Parece um jogo ganho de antemão, mas sabemos todos – e mais ainda o sabe quem sentou por horas a fio, dia após dia, ano após ano, em um confessionário, ouvindo a horrenda banalidade do mal que se repete de coração em coração – que é tão fácil trocar nossa herança por um prato de lentilhas. Ou por um belo par de seios, ou por um empreguinho legal, ou um carro novo.

O que nos há de atrair a Deus, contudo, é sempre Ele mesmo. Em última instância, estamos falando de corresponder ao amor divino, um amor eterno, que ama cada indivíduo e ajuda – através da Igreja – cada indivíduo a se livrar daquilo que o torna menos ele mesmo. O pecado, afinal, é a negação de si mesmo. Quando eu peco, estou sendo falso em relação a mim mesmo. Se eu traio minha mulher, estou sendo menos o marido dela (que eu sou!) e mais um adúltero genérico, exatamente igual a todo e qualquer patético frequentador de casas de suingue ou bordéis.

Para a imprensa, contudo – e aí voltamos ao tema deste texto, que já parecia esquecido –, nada disso existe ou importa. Existe apenas a titilação da novidade, inclusive e especialmente a falsa novidade da última apresentação da mesma tentação velha e desgastada.

No momento, estamos na transição entre a titilação da sodomia – que está rapidamente deixando de ser titilante pelo excesso de repetição, a não ser que se trate de lesbianismo (mocinhas núbeis se esfregando têm para o vulgo um apelo bastante maior que o de rapazes fazendo o mesmo) – para a da pedofilia (que está passando de coisa medonha a coisa excitante do momento).

Mas tanto faz. Tanto uma quanto a outra são a mesma coisa, a mesmíssima e velhíssima prática de desviar-se do fim de um ato para arrancar dele um prazer que deveria ser a recompensa, não o objetivo. No fundo, dá no mesmo fornicar, entregar-se à sodomia, pedofilia ou zoofilia ou simplesmente, como faziam os romanos, comer e vomitar para poder comer mais. Ou comer produtos “diet” em megadoses, como se faz hoje em dia. É a mesma busca do prazer sem suas consequências, da recompensa sem o prêmio.

Quando, então, a imprensa e o clero – no momento, o Papa Francisco – tentam se comunicar, o que temos é um diálogo de surdos.

O Papa vai responder às perguntas que lhe são colocadas a partir do ponto de vista da eternidade (“sub species aeternitatis”), enquanto a imprensa vai buscar basicamente **novidades**. Ora, por definição, não há novidades. A Revelação se concluiu com a morte do último dos apóstolos (aos curiosos, trata-se de S. João, no final do Século I; ele era adolescente quando da Crucifixão).

Desta forma, a imprensa vai buscar sempre os pontos em que a maluquice daquele momento, daquele segundo, daquela etapa microscópica dos interesses demagógicos e vacilantes de uma sociedade em decadência está em conflito com a eternidade, e tentar vender a falsíssima idéia de que há alguma novidade, de que a Igreja “finalmente mudou”, como se isso fosse possível. Há alguns dias, era um burocrata da Santa Sé que deu vazo a delírios da imprensa, torcendo suas palavras para usá-las como se ele negasse o celibato dos sacerdotes (e, mais ainda, como se esta suposta negação mudasse algo na doutrina da Igreja!). Agora, é uma série de delírios interpretativos absoluta e completamente bizarros acerca de algumas declarações do Santo Padre em uma entrevista, ignorando não só o contexto mas as próprias palavras dele para falar sandices acerca de aborto, sodomia e o que mais vier.

Temos, assim, de um lado, um clérigo falando da Eternidade. Do outro, um jornalista buscando a titilação do momento, o devir, a mudança.

Ora, como poderia haver algum diálogo?! Como poderia haver alguma comunicação??!!

A imprensa vai, sempre, tentar torcer as palavras dos clérigos. Não é por maldade, mas porque o “radar” deles só registra mudança, movimento. E os falsos positivos do radar são muitos; não sei você, caro leitor, mas em todos os temas que domino por força dos estudos ou da ação profissional, ao ver o que é publicado nos jornais a respeito, fico chocado com a má qualidade das informações.

Ao tratar da Igreja, então, que se lhe é tão radicalmente contrária em sua visão de mundo, é praticamente impossível que a imprensa faça uma leitura que tenha algum sentido. Tudo, sempre, vai retornar àquilo em que o fabulário geral do delírio cotidiano se afasta mais visivelmente do que é Eterno: no momento, é aborto, sodomia e camisinhas; daqui a alguns anos, pedofilia e zoofilia entrarão no jogo.

O que a Igreja prega, contudo, não é nem aborto, nem camisinhas, nem sodomia. Nem – por mais incrível que isso possa parecer a meus queridos coleguinhas jornalistas – a negação deles. A Igreja prega o Eterno. Estes temas, tão titilantes e palpitantes para o jornalista que simplesmente não consegue entender como cargas d’água alguém pode diferir da sabedoria coletiva do PSOL e das Organizações Globo, para a imensa maioria dos católicos mais sérios e comprometidos com a Fé, simplesmente não se registram no radar.

Eu mesmo, por exemplo, sou casado. Não tenho a menor intenção de cometer adultério, e creio que não fosse sequer saber como se usa uma camisinha (tomei jeito antes delas virarem coisa normal) se resolvesse cometê-lo. Tanto melhor: assim tenho ainda mais razões para não o cometer!…

A sodomia simplesmente não me atrai. Como, contudo, eu tenho cá minhas tentações, quem seria eu para brigar com alguém, ou mesmo para simplesmente tratá-lo de modo diferente, por ele ter esta tentação?! Simplesmente não é da minha alçada.

Aborto, para mim, é exatamente igual a qualquer outra forma de homicídio: espero sinceramente jamais sofrer esta tentação, e espero ter forças para perdoar quem nela caia.

Nenhum destes temas jamais foi objeto de uma homilia que eu tenha ouvido numa Missa, por ser, para qualquer católico, algo evidente. Ao contrário, as boas homilias que ouvi, as que me fizeram sentar mais reto no banco para prestar mais atenção, falaram de como lidar com o que nos tenta, de como Deus Se nos revelou e Se nos revela, dos Sacramentos, dos Mandamentos, do amor conjugal de Cristo pela Igreja, etc.

Reduzir a Igreja à sua oposição a este ou aquele tema titilante da moda é simplesmente perder a Igreja de vista. É mais que evidente que isto ou aquilo é errado. Não é por a sociedade pregar isto ou aquilo como certo, contudo, que eles são errados: é por serem armadilhas velhíssimas, enferrujadas e cheias de teias de aranha, com as quais nós tentamos fugir da Eternidade que nos chama, e que é tão maior que tudo isso.

Quem, assim, reclama do Papa ou de qualquer clérigo por não tratar a imprensa como a imprensa quer ser tratada, por não cair em uma guerrinha imbecil de “pundits” e frases de efeito, simplesmente não entendeu a que vem a Igreja. E quem usa as imbecilidades que a imprensa publica sobre a Igreja para rasgar as vestes e entregar-se a escândalo farisaico, por vezes até condenando abertamente o Santo Padre, deveria calar a boca e voltar-se à eternidade. Num confessionário, e depois numa igreja vazia e sem luzes elétricas, de joelhos diante do Santíssimo. Do Eterno. De Deus, que não passa.

Na Festa de São Januário do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2013,

Na Quinta São Tomás, no Carmo de Minas,

Carlos Ramalhete,

Um pobre pecador, que mendiga uma sua Ave-Maria

Guerra ideológica e grupos de risco

Na esteira da recente decisão do Conselho Nacional de Justiça de obrigar os cartórios de todo o Brasil a realizarem casamentos gays, há duas notícias que merecem ser melhor divulgadas.

A primeira delas é esta do IPCO, que faz uma sóbria leitura do que está acontecendo no país a respeito desta onda de concessão de falsos direitos (cada vez mais exagerados) ao vício contra a natureza. Ainda, apresenta uma iniciativa (foi a primeira vez que eu a vi) que tem potencial para se tornar interessantíssima: uma página para “contato com a imprensa”, contendo os endereços de email de diversos veículos de comunicação a nível nacional e estadual, bem como um breve texto sobre «Como aumentar o efeito de sua carta à imprensa» que merece uma leitura.

O grande problema do Brasil contemporâneo é a enorme discrepância que existe entre as posições ideológicas dos Quatro Poderes e as dos demais cidadãos, meros mortais. Quanto mais estes puderem se fazer ouvir, melhor, e neste sentido é muitíssimo bem-vinda qualquer iniciativa que se proponha a tirar o tal “povo brasileiro” dos discursos demagógicos e trazê-lo para o protagonismo da vida social verdadeira. Há uma guerra ideológica em curso, e simplesmente não faz sentido nos omitirmos de lutá-la.

A segunda notícia é esta d’O Estado de São Paulo, replicada por Zero Hora: HIV ainda desafia saúde pública. Vem da imprensa laica, portanto. Os dados apresentados nela são os seguintes:

Nos dados mais recentes do Ministério da Saúde, de 2012, homens que fazem sexo com homens aparecem como de maior vulnerabilidade: 10,5% estão infectados [com o vírus da AIDS]. Na população em geral, a incidência é de menos de 0,5%.

A desproporção salta aos olhos: na população em geral, nós só encontramos um soropositivo a cada 200 pessoas. Entre os tais «homens que fazem sexo com homens»gays, portanto, por mais que os homossexuais “puros” aparentemente não queiram ser contados entre eles e vice-versa -, é um a cada dez! Por mais que o tempo passe, os grupos de risco continuam existindo, e mudar a forma como se lhes denomina («Não é mais uma questão de se falar em grupo de risco — como ocorreu no começo da epidemia e criou estigmas até hoje dolorosos —, mas entender quem está mais vulnerável», fala Alexandre Naime Barbosa, infectologista entrevistado na matéria) é somente uma tentativa cômoda de mascarar o problema. É óbvio que não o resolve, e nem muda o fato de que há proporcionalmente muito mais soropositivos entre os que vivem como em Sodoma do que entre os que vivem como a Igreja prega! Que aos olhos de muitos Ela seja culpada pela epidemia da AIDS no mundo ao mesmo tempo em que se exalta nas alturas o homossexualismo é somente outro sintoma das loucuras e contradições do mundo moderno.

Tem mais um detalhe. Essa notícia não é muito diferente de outra que eu comentei há quase cinco anos aqui no Deus lo Vult!; na verdade é praticamente igual. Em meados de 2008 eu disse aqui: «Os “[h]omens que fazem sexo com homens são 19 vezes mais propensos a contraírem o vírus HIV do que a população em geral”, como diz o GLOBO» – os dados eram a nível mundial. A matéria de então d’O GLOBO ainda está lá.

Cinco anos, toneladas de camisinhas e milhões gastos com campanhas anti-homofobia depois, os gays em questão ainda são 20 vezes mais propensos a contraírem o HIV do que a população em geral! A realidade não tem compromissos ideológicos. E, depois de fracassos acumulados sobre fracassos, é espantoso que aparentemente ninguém nunca se pergunte se estão de fato fazendo a coisa correta para combater a AIDS. Mas a ideologia fala sempre mais alto: questionar o establishment é pecado mortal, e é incompreensível que os nossos dados epidemiológicos ainda insistam em ser tão obscurantistas.