A laicidade do Estado versus o fanatismo dos ateus

A quinta-feira seguinte chegou e, com ela, a resposta da Gazeta do Povo à mobilização de milhares de internautas que, desde a última semana, haviam se polarizado entre o ataque estúpido e a defesa solidária ao professor Carlos Ramalhete por conta da sua última coluna publicada naquele jornal. Com relação ao desfecho deste affair (aguardado com expectativa pelos dois lados da polêmica!), os nossos mais sinceros agradecimentos à Gazeta do Povo porque, nela, o bom senso venceu o obscurantismo intolerante dos fanáticos que babando exigiam o fim da coluna do Ramalhete. O articulista segue escrevendo nas quintas-feiras. Parabéns ao jornal de Curitiba por não ceder à pressão dos neofascistas! Não nos esqueçamos de nos manifestar junto ao jornal apoiando esta sua louvável atitude.

Em uma excelente resposta à talvez mais tosca das acusações que ele sofreu ao longo desta semana – a de que as suas opiniões a respeito da adoção de crianças por duplas de homossexuais eram um atentado à laicidade do Estado -, o Ramalhete publicou hoje um texto chamado “Uma religião para todos?”, onde aborda o problema com a clareza de raciocínio que lhe é peculiar. Leiam-na. Cito apenas um trecho, do comecinho, para dar água na boca.

Religião, afinal, é isso: é a ligação, ou busca de ligação, do homem com a ordem de todas as coisas. Nossa sociedade, vendo-se como autora da ordem do mundo, criou esta forma religiosa: uma religião ateia, em que o homem é seu próprio deus.

Isso que o Carlos aborda vem ao encontro de várias coisas que eu já escrevi aqui no Deus lo Vult! sobre o assunto (p.ex., aqui e aqui, entre tantas outras). Ora, se o ateísmo é ou se propõe a ser uma resposta ao problema de Deus, então é lógico que ele é um fenômeno localizado no mesmo patamar das diversas expressões religiosas existentes mundo agora. Quando a pergunta “quem é Deus?” se coloca diante do homem, dizer “não há Deus” é uma resposta no máximo tão válida quanto qualquer outra que afirme “Deus é este” ou “Deus é aquele”. E o que vale para estas últimas deve também, por força de coerência, valer para aquela. A alegada laicidade do Estado, portanto, antes de oferecer suporte às pretensões totalitárias dos anti-católicos, na verdade serve para lhes dar um “cala-a-boca” e os reconduzir ao seu lugar. Evocar o Estado Laico na promoção de uma cultura atéia é simplesmente uma contradição boba, é uma usurpação indevida e perigosa do conceito de laicidade, é uma ameaça concreta à liberdade religiosa. No Brasil de hoje, os maiores inimigos do Estado Laico não são os cristãos e nem nenhuma outra religião tradicional: são os sacerdotes do ateísmo, porque estes contam com o apoio intelectual dos formadores de opiniões e com a amizade dos que detêm o poder.

Ainda esta semana, nas discussões sobre o artigo do Carlos Ramalhete, eu comentei no Facebook com uma garota que os ateus têm todas as características que gostam de execrar nos religiosos. Eles acreditam em coisas que não podem ser demonstradas (= que Deus não existe, que o ateísmo é a melhor resposta ao problema de Deus, etc.), agem com proselitismo na expansão de suas crenças (o que se expressa nos seus constantes ataques à religião), julgam-se detentores da verdade absoluta (no máximo tratando com uma pseudo-caridosa condescendência os religiosos tradicionais, que julgam possuir uma inteligência inferior), estão convencidos de que as suas concepções religiosas são as mais corretas e as melhores para o mundo e quando não conseguem vencer os seus oponentes nos argumentos apelam para o braço secular exigindo que o Estado venha em seu socorro e cale o dissidente. Ora, qual é sinceramente a diferença entre isto e a mais grotesca caricatura que os próprios ateus pintam de um fanático religioso queimando bruxas nas profundezas da Idade das Trevas? É espantoso que esta nova modalidade religiosa seja assim tão exaltada nos dias de hoje! Espantoso e aliás perigoso. Poucos fanatismos religiosos são mais daninhos à sociedade do que este fanatismo ateu típico dos nossos tempos.

Patrulhamento dos meios de comunicação: o caso “Pernambuco não te quer”

O Fórum Permanente Pernambucano Pró Vida se envolveu numa polêmica esta semana após publicar na Folha de Pernambuco uma peça publicitária de uma campanha chamada “Pernambuco não te quer”. A campanha faz aberta e evidente alusão ao slogan da Prefeitura “Recife te quer”, que visa promover o turismo na cidade.

A celeuma se instalou porque a peça publicitária fazia alusão indistinta à exploração sexual de menores, à pedofilia, à prostituição, ao turismo sexual e ao homossexualismo. As redes sociais se mobilizaram rapidamente em repúdio à campanha e, na esteira, diversos órgãos de imprensa repercutiram negativamente o fato. P.ex., foram publicadas reportagens no Jornal do Commercio, na Exame e em G1. O assunto também foi tema de um programa da CBN que foi ao ar hoje pela manhã (sobre este, aliás, quem explicar o que raios foi aquilo que o Cony falou sobre a Muralha da China, o Muro de Berlim e o Golfo de Pernambuco ganha um doce).

O Coordenador do Fórum Pernambucano Permanente Pró Vida, Márcio Borba, publicou uma nota sobre o assunto. Entre outras coisas, ela dizia:

No caso do Turismo Sexual [a campanha] convida a sociedade a dizer NÃO ao Turismo Sexual. No caso especifico da campanha “Pernambuco Não Te Quer”, representa o sentimento do Fórum Pró Vida em relação às campanhas que tem sido promovidas apresentando o estado como destino com caráter sexista.

Sobre o assunto, alguns ligeiros comentários:

– Não tenho qualquer ligação com o FPP-PV (que é somente um dos membros do Movimento Pró-Vida em Pernambuco, absolutamente não se confundindo com este) e sinceramente achei a campanha, da forma como foi realizada e nas atuais conjunturas, contraproducente. Entendo honestamente a revolta provocada pelo assunto, e de minha parte eu não endossaria uma peça publicitária deste jeito. Não obstante, é preciso dizer quanto segue.

– Turismo Sexual não tem a ver somente com prostituição. A tentativa de vender a imagem de uma cidade erotizada e lasciva, onde a população é tolerante a comportamentos libertinos, onde a agenda de entretenimentos é pródiga em eventos supostamente regados a sexo casual, etc., também é alvo desta campanha. Aliás, eu me arriscaria a dizer que este é o alvo principal desta campanha. A exploração sexual é decorrência de uma sociedade depravada, como é lógico. O sexo casual consentido não é menos digno de censura só porque existem coisas piores acontecendo no mundo.

– Também ninguém precisa ser José do Egito para interpretar que a campanha se dirige contra a exaltação de comportamentos sexuais contrários à moral cristã, e que não tem conotação jurídico-penal. Dizer (como disse a matéria da Exame) que o FPP-PV é um movimento “formado por cristãos, [que] defende a expulsão de gays do Estado” (!) é uma extrapolação caricata tão absurda que eu fico imaginando se não é mais necessário possuir noções mínimas de interpretação de texto para se fazer jornalismo no Brasil.

– Menos grosseiro, mas também errôneo, é dizer que a peça publicitária afirma que o homossexualismo é crime ou reivindica que ele seja tratado como tal. Se os críticos tivessem um pouquinho menos de visão de túnel, perceberiam que “Prostituição” também está no rol das coisas que “Pernambuco não (…) quer” e tampouco é crime. Aliás, se fossem coerentes, deveriam fazer um estardalhaço correlato defendendo não os gays, mas as prostitutas e os prostitutos. Não o fazem, suponho, porque a prostituição é ainda socialmente menos glamourosa – mesmo nos estreitos círculos “intelectuais” onde essa gente vive – do que o homossexualismo.

– A matéria de G1 termina citando um link para que seja feita uma denúncia ao Ministério Público de Pernambuco. A naturalidade com a qual tratam o denuncismo e o patrulhamento ideológico é assustadora; chega a lembrar este recém-criado órgão de imprensa argentino (Observatorio de Medios para la Igualdad) que sinaliza para um controle da imprensa de fazer inveja aos mais escabrosos romances Orwellianos. O Brasil parece caminhar a largos passos nesta direção, e me parece ser da maior importância lutar para inverter esta tendência antes que seja tarde demais.

Ainda a Marcha das Vadias e a histeria dos revolucionários: a repercussão

Com relação ao que falei aqui a respeito do lúcido artigo do Carlos Ramalhete contra a “Marcha das Vadias” publicado ontem na Gazeta do Povo de Curitiba – e da intolerante reação revolucionária que se lhe seguiu –, são dignas de menção outras iniciativas parecidas com a minha que surgiram na blogosfera conservadora de ontem para hoje.

1. Marcha das Vadias: militando pela imodéstia e pela morte, por Everth Queiroz. «Este tumulto generalizado em reação ao brilhante artigo do prof. Carlos Ramalhete não tem razão de ser. Porque, como qualquer outro evento, este também é passível de crítica; afinal, vivemos em uma sociedade em que convivemos diariamente com o plural, com opiniões diferentes, com modos diversos de enxergar a realidade. Acontece que o pessoal desses novos movimentos sociais – e aqui a nossa crítica se estende aos grupos LGBT – não tolera ser contrariado, não suporta ver seus interesses ou anseios contestados».

2. Ah, que é isso? Elas estão descontroladas! Feministas surtam e declaram guerra à Gazeta do Povo por artigo crítico à “Marcha das Vadias”, por Renan Cunha. «O que eu, realmente, não consigo entender é como uma pessoa que se autointitula vadia – sinônimo de puta – tem a pretensão de se dizer ofendida por alguém dizer que ela veste carcaça de gambá. É o cúmulo da falta de senso do ridículo e da vergonha na cara. Até porque, acaso uma pessoa que se despe em público, expondo seu corpo à céu aberto, não está se igualando a uma carne no balcão do açougue?».

3. Mancha das Vadias, por Wagner Moura. «É incrível a lógica del@s. Fingindo desejo de visibilidade, el@s se “invisibilizam” para melhor poder agir. Elas querem o de sempre: aborto, fim da família e todas essas causas financiadas pelas mesmas fundações internacionais de sempre. Mas embalando tudo para presente com um monte de mulher nua gritando palavras de ordem e chamando atenção para como o fato de se dizerem vadias não as torna vadias… É mais, digamos, divertido. E o brasileiro gosta e com o tempo vai se acostumar. No futuro – sombrio – vamos ler aquelas máterias de famílias as mais sem cérebro levando suas crianças para um evento desses e dizendo que é bom, é maravilhoso, é cidadão e que suas crianças precisam crescer nesse mundo».

Permanece válido o convite que fiz ontem a todos os que não concordam com a coisificação feminina personificada com tanta crua eloqüência em manifestações de feministas como a “Marcha das Vadias” para que escrevam – e peçam que outros também escrevam – à Gazeta do Povo manifestando apoio ao artigo do Carlos Ramalhete e à linha editorial do jornal de Curitiba:

a) enviando email para leitor@gazetadopovo.com.br; e
b) por meio da página de “Fale Conosco” (http://www.gazetadopovo.com.br/faleconosco/) do jornal.

Conheça, pense, divulgue. O Brasil agradece.

Em defesa das mulheres, da sociedade, da civilização: cartas à Gazeta do Povo!

Uma das maiores evidências de que grande parte do mundo moderno perdeu completamente o senso crítico é o (paradoxal) glamour no qual parece estar envolvida a assim chamada Marcha das Vadias. Imaginar que é uma boa idéia balançar as tetas em público para exigir respeito sexual é um dos maiores atestados de insanidade que alguém pode passar; como se fizesse algum sentido expôr-se em público como um objeto de desejo sexual para exigir não ser tratada como um objeto de desejo sexual, ou como se o problema da depravação masculina pudesse ser resolvido com depravação feminina e não com modéstia e recato. Sobre o assunto eu já escrevi algumas linhas aqui em maio último, às quais remeto quem se interessar.

Se é verdade que no passado mulheres foram mal-tratadas, havia ao menos a decência de lhes reconhecer a desgraça como um mal injusto digno de lágrimas e comiseração. A existência, p.ex., de um cafajeste sobre o qual pesasse a infâmia de haver desonrado moças de família ao menos evidenciava socialmente a enorme diferença existente entre a honra e a desonra, entre o cafajeste e o homem de bem.

Este feminismo moderno estúpido que quer transformar as mulheres em uma versão mil vezes piorada dos homens termina por fazer muito mais mal às mulheres do que uma legião de cafajestes, porque o seu objetivo é muito mais radical e degradante: enquanto um cafajeste busca o próprio prazer em detrimento da dignidade de uma mulher concreta, o feminismo quer arrastar todas as mulheres ao lamaçal imundo de sua aviltante concepção depravada do sexo feminino. O estrago feito por um crápula tratando uma mulher como objeto é incomparavelmente menor do que o estrago feito por um movimento que intenta transformar todas as mulheres do mundo em vadias que se orgulham daquilo que em outros tempos até mesmo os cafajestes tomariam por infâmia e vergonha. Um cafajeste provavelmente respeitaria ao menos a sua mãe e irmã: uma feminista não poupa nem essas.

Infelizmente, a loucura generalizada parece não ter fim e, no próximo final de semana, está programada para acontecer em Curitiba uma edição “fora de época” deste atentado ao pudor disfarçado de reivindicação justa em prol das mulheres que é a “Marcha das Vadias”. A coluna semanal do Carlos Ramalhete desta quinta-feira versou (brilhantemente, como de costume – leiam lá) sobre este assunto, e não me resta senão fazer coro às muito bem colocadas palavras do articulista: «[a] imbecilidade machista deve ser combatida pela afirmação da dignidade e da capacidade feminina, não pela imitação do pior do sexo masculino». Claro e cristalino para quem não tenha colocado a ideologia acima do bom senso e seja capaz de manter ainda um mínimo de respeito cavalheiresco diante da dignidade do sexo feminino.

É claro que as inimigas das mulheres não gostaram, e estão se organizando para enviar ao jornal protestos contra o texto. Todos nós conhecemos a mil-vezes admirável coragem da Gazeta do Povo em manter uma linha editorial abertamente destoante da cantilena revolucionária da imprensa tupiniquim, e creio ser bastante evidente a importância que é defender este baluarte de bom senso num meio que se encontra tão vastamente dominado pelos bárbaros modernos. Assim sendo, é importante que nós escrevamos ao jornal em apoio ao texto do Carlos Ramalhete em particular e, em geral, à tomada de posição em prol do pensamento conservador – pensamento que é, este sim, representativo dos valores dos brasileiros – que o jornal de Curitiba faz tão abertamente e cuja importância é tão grande para a defesa dos valores da sociedade brasileira. Por isso, peço

1. que o artigo contra a Marcha das Vadias seja lido, comentado e divulgado; e

2. que sejam escritas mensagens de apoio, principalmente por mulheres, às idéias contidas no texto, a fim de que o ataque orquestrado das incendiárias de soutiens não ganhe a aparência de ser representativo dos leitores do jornal (e nem muito menos da sociedade como um todo). Isto é muito importante. É possível escrever

a) enviando email para leitor@gazetadopovo.com.br; e
b) por meio da página de “Fale Conosco” (http://www.gazetadopovo.com.br/faleconosco/) do jornal.

Os que puderem escrever mensagens de apoio e pedir para que outras pessoas também escrevam estarão prestando um enorme favor à sociedade brasileira, tão covardemente atacada pelos bárbaros inimigos da civilização que não parecem ser capazes de tolerar a existência de nenhum pensamento – por menor que seja! – destoante da hegemonia ideológica que infelizmente paira sobre o Brasil.

Quem dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer

À primeira vista, eu achei que era brincadeira aquela história do promotor que mandou um policial que reagiu a um assalto melhorar a sua mira. Foi no Facebook que eu vi a história de Marcos Antônio, que trocou tiros com dois assaltantes e terminou abatendo um deles. No entanto, poucos dias depois, eu vi a notícia em R7 – e parece que é de fato verdade.

A história contada por R7 é exatamente a mesma que correu o Facebook: «De acordo com o pedido do Ministério Público, o policial civil Marcos Antônio Teixeira Marins foi abordado por dois bandidos enquanto dirigia pela rua Antônio Mariane, no bairro do Caxingui, em São Paulo, no dia 16 de setembro do ano passado. Embora estivesse à paisana, ele teria se identificado como policial após ser abordado pelos dois supostos criminosos: Antônio Rogério Silva Sena e Thiago Pereira de Oliveira. Houve, então, uma troca de tiros e um dos suspeitos, Sena, morreu». Legítima defesa, portanto, exatamente como entendeu o promotor de Justiça Rogério Leão Zagallo. Qual a razão da polêmica?

A questão, penso, está nos termos empregados pelo promotor. A maneira irreverente de relatar uma tragédia choca um pouco a sensibilidade politicamente correta dos nossos dias; no entanto, e paradoxalmente, esta linguagem parece ser muito bem aceita pela população que está cansada de conviver com a violência generalizada do nosso país, sustentada por um lado pelo discurso contrário ao direito individual à legítima defesa e, pelo outro, pela turma dos “direitos humanos” que parece estar mais preocupada em salvaguardar a integridade dos marginais do que em proteger os cidadãos de bem.

Creio ser escusado repetir a posição católica sobre o assunto; como todos sabemos,

[q]uem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido a desferir sobre o agressor um golpe mortal:

«Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito […]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal acto de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia».

Catecismo da Igreja Católica, §2264

Ao que parece, a maior parte da população está de acordo tanto com a teologia moral católica quanto com o senso comum da humanidade ao defender que – nas palavras meio duras do promotor de São Paulo – bandido que dá tiro pra matar tem que tomar tiro pra morrer. Mas eu entendo um pouco o que passa pela cabeça dos pacifistas que infestam os nossos dias e os nossos meios de comunicação social. Por exemplo, eu entendo perfeitamente que um bandido é uma pessoa “como eu”. Hoje de manhã eu ouvia na CBN uma história de um sujeito que manteve a filha (pequena) e a mãe – não entendi se a mãe dele próprio ou a mãe da criança, mas não vem ao caso – sob ameaça de uma faca enquanto a polícia negociava com ele a rendição. Ora, em outros lugares tal sujeito provavelmente levaria uma bala ao primeiro vacilo que cometesse; aqui, no entanto, a irmã dele veio dizer (ao final da reportagem) que ele tinha feito isso porque tinha problemas mentais, e gostava muito da sua filha, e a companheira tinha ameaçado levá-la embora, etc., etc. Parece-me que a polícia conseguiu subjugar o sujeito – graças a Deus. Mas, às vezes, eu fico com a terrível sensação de que há uma evidente desproporção de cuidados: quer-se, parece, preservar mais o criminoso do que as suas vítimas. Eu, repito, entendo perfeitamente que o criminoso é um cidadão, tem uma vida, uma história, etc.; mas (pelo menos!) o mesmo vale para as pessoas que ele está ameaçando. E, se há riscos, é mais justo que os assuma quem é o responsável direto pela situação perigosa. Por mais que o bandido seja um ser humano – e ninguém nega que ele o seja -, simplesmente não faz sentido trabalhar como se a situação fosse uma “eventualidade” impessoal da qual tanto os bandidos quanto as vítimas têm ou devem ter igual chance de se safar. Uma situação de violência – um assalto, um seqüestro ou o que seja – só existe por culpa pessoal de alguém, e o que é razoável é que as conseqüências dos (maus) atos recaiam sobre quem os pratica – não sobre quem é vítima inocente deles.

Ainda: eu entendo que uma espada medieval é (bastante) diferente de uma pistola semi-automática, uma vez que o poder letal desta é incomparavelmente maior; e isto de tal modo que a desagradável morte do agressor injusto que poderia ser considerada uma fatalidade relativamente rara numa tradicional resistência com espadas transforma-se, ao contrário, quase que numa trágica conseqüência inevitável do ato de se defender com armas de fogo. Eu entendo perfeitamente isso e, aliás, até concordo um pouco com Don Quijote; em certa passagem da obra de Cervantes, o ilustre cavaleiro de La Mancha queixa-se do maldito inventor da pólvora porque, graças a ele, qualquer covarde poderia facilmente dar cabo – à distância… – de um valoroso cavaleiro, com o qual ele jamais teria a coragem de se indispôr se não estivesse protegido pelos incríveis poderes do pó negro. É claro que eu concedo que, hoje em dia, nós temos armas muito letais. Posso até ser simpático à idéia de que, talvez, vivêssemos em um mundo melhor se não nos fosse tão fácil matarmo-nos uns aos outros. No entanto, não dá para fechar os olhos e fingir que armas de fogo não existem ou que malfeitores não têm acesso a elas. É óbvio que a legítima defesa precisa ser exercida com meios proporcionados à ameaça, sob pena de não ser defesa verdadeira. Provavelmente isto significa que, hoje em dia, mais malfeitores vão morrer com isso do que costumava acontecer quando duelávamos à base de lâminas, mas sinceramente não me parece que exista alguma alternativa razoável. E, a despeito das renitentes tentativas da mídia de inculcar um pacifismo medíocre na nossa população, parece-me que as pessoas são via de regra bem simpáticas à idéia de que cada qual tem o direito de se defender como puder.

“Nazistas denunciados pelo Papa Pio [XI] como anticristãos”

Reproduzo a notícia que o Taiguara de Sousa – editor da Revista Vila Nova – publicou ontem no seu Facebook. É uma notícia aliás até bem velha: da década de 30 do século passado. Mas é importante reproduzi-la agora por ser um serviço de utilidade pública, para tentar pôr freios à propaganda desinformativa que se transformou em lugar-comum quando se fala na história da Igreja Católica.

Sobre isto, explicou o próprio Taiguara:

Pessoal metido a historiador que vive rasgando as vestes porque a Igreja supostamente não teria feito nada contra o nazismo, deem um Google nos jornais da época, antes de saírem espalhando o que leram em qualquer blog por aí.

A notícia acima é do jornal The Milwaukee Sentinel de 21 de março de 1937 e a manchete é impactante: “Nazistas denunciados pelo Papa Pio como anticristãos”.

O texto que dei o print diz: “Concordata com Vaticano violada pela Alemanha, diz o Pontífice; Desfecho do confronto com a Igreja se precipita.

Por William Shirer.

O Papa Pio XI hoje em uma Encíclica de palavras afiadas aos católicos alemães abruptamente acusou o governo nazista de ter violado a concordata com o Vaticano e de favorecer movimentos anticristãos.”

Mas a notícia continua por colunas e pode ser conferida inteira neste link:

http://news.google.com/newspapers?id=fhlQAAAAIBAJ&sjid=Ng0EAAAAIBAJ&pg=6430%2C4227971&dq=pope+pius+nazi&hl=en

Há um momento na notícia em que se diz: “Pelos eventos atuais, um espetacular desfecho no longo conflito entre a Igreja Católica Romana e o Estado Nazista parece inevitável”.

Isto é, em 1937, antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, a imprensa já noticiava um “longo conflito” entre a Igreja e o nazismo.

Logo em seguida, se fala que o Papa condena a política racial do nazismo e suas doutrinas neo-pagãs: “Isto pode ser ainda mais antecipado porque Sua Santidade, na Encíclica, denuncia energicamente a política nazista de supremacia da raça ariana e aponta o contraste entre os princípios católicos e as idéias ‘neo-pagãs’ nazistas”.

Segue a notícia relatando como a mensagem chegou aos católicos, sendo aventuradamente despachada em motocicletas para cada paróquia.

Historiadores de plantão que escavam “Papas de Hitler”, façam uma pesquisa nos jornais da época. O Google ajuda.

Além disso, entre diversos comentários interessantíssimos que foram publicados nesta foto, um deles em particular me chamou a atenção, do revmo. pe. Celso Nogueira, LC, e que merece ser reproduzido:

Essa carta [Mit Brennender Sorge] foi a única encíclica publicada em alemão. Para redigi-la, Pio XI contou com a ajuda do seu secretário de estado, que tinha sido núncio na Alemanha por muitos anos. O nome do secretário era Eugenio Pacelli, o futuro Pio XII. Além de condenar o nazismo, o comunismo e o fascismo, Pio XI denunciou o que ele chamou de “conspiração do silêncio” dos países democráticos antes da guerra, diante dos avanços do totalitarismo. Esses mesmos países que agora acusam a Igreja de ter silenciado…

Após a boa repercussão da matéria no Facebook, o próprio Taiguara aprofundou a pesquisa e nos brindou com este texto publicado no site da Revista Vila Nova, mais completo e com mais referências. Não deixem de acessar. E, enquanto alguns continuam reproduzindo as besteiras do Cornwell, façamos a nossa parte em divulgar o (abundante!) material verdadeiramente histórico que existe. Ao menos os que conservarem um pouco de honestidade intelectual não poderão mais continuar com a imagem da Igreja filo-nazista.

Redução de danos para aborto ilegal: mais uma investida pró-aborto do governo

As atuais políticas de redução de danos não fazem sentido. Acho que nunca conheci alguém que fosse defensor entusiasta delas e, ao mesmo tempo, não nutrisse uma simpatia mal-disfarçada pela prática cujos “danos”, supostamente, se está querendo minimizar. Na teoria, tais políticas deveriam servir para minimizar os impactos de uma prática nociva enquanto se trabalha diligentemente por sua erradicação; na prática, elas servem para anestesiar as consciências e acostumar as pessoas (e o orçamento público) a determinadas atitudes pouco aceitas pela sociedade enquanto se planeja (e se executa) a sua inserção social.

E a coisa se reveste de uma particular perversidade quando alguém propõe políticas de redução de dano para o aborto. A notícia já provocou reações bastantes fortes internet afora. À guisa de exemplo, trago duas.

Primeiro, o Reinaldo Azevedo, dizendo que o Ministério da Saúde estuda forma oblíqua de legalizar e patrocinar o aborto. Destaco: «Dilma era favorável à legalização do aborto. Disse isso mais de uma vez. Declarou ter mudado de opinião quando se fez candidata. […] Eleita, Dilma nomeou para o Ministério das Mulheres uma abortista fanática e aborteira confessa e mantém o tema como agenda permanente do governo, embora escolha sempre um caminho oblíquo».

Depois, este excelente editorial da Gazeta do Povo sobre o assunto. Excerto: «A população brasileira não quer o aborto livre – fato demonstrado por inúmeras pesquisas. Todas as tentativas de legalizar a prática foram, até o momento, barradas pelo Congresso Nacional. É lamentável que, na contramão do desejo dos cidadãos e da garantia do direito fundamental à vida, o governo federal siga insistindo em maneiras de contornar a legislação e permitir a eliminação indiscriminada de inocentes».

Não se trata, por óbvio, de socorrer as mulheres que tenham complicações por conta de abortos clandestinos já consumados. É óbvio que não é este o objetivo destas novas políticas, uma vez que jamais passou pela cabeça de ninguém defender que se negue assistência médica às mulheres que chegam aos hospitais após saírem das clínicas dos aborteiros. O objetivo orquestrado aqui (e na questão do aborto dos anencéfalos, dos embriões humanos destruídos em pesquisas, em “normas técnicas” de atenção humanizada ao abortamento, na alquimia jurídica transmutando um crime em um dever do Estado, na nomeação de abortistas escancarados para postos-chave da administração pública, no anteprojeto de reforma do Código Penal, etc., etc.) é claramente a implantação do aborto no Brasil à revelia da população.

Sim, porque a população brasileira é majoritariamente contrária ao aborto, como lembrou recentemente a Dra. Lenise Garcia. E esta ubiqüidade subreptícia da agenda abortista no Brasil só revela o quanto o nosso atual governo está pouco se lixando para os anseios da população brasileira, ao menos tempo em que trabalha com afinco para honrar os compromissos abortistas assumidos com entidades e organismos internacionais.

Estadão inventa “sentença” do Santo Ofício contra o pe. António Vieira

Há algum tempo eu encontrei numa livraria uma bonita edição dos “Autos do processo de Vieira na Inquisição”. Passei um tempo considerável folheando o livro, que me pareceu interessantíssimo; não o trouxe para casa, contudo, porque a curiosidade histórica não me cabia então no orçamento mensal.

O livro não veio comigo, mas o conteúdo dele sim. O processo contra o pe. António Vieira, eu me lembrava perfeitamente, fora instaurado por conta de uma carta enviada a não-sei-que autoridade oriental, na qual o sacerdote dissertava sobre umas (supostas) profecias de um gajo segundo as quais o rei D. João IV haveria de ressuscitar. Estas referências foram-me suficientes para que eu recuperasse, hoje, a história inteira. Encontrei-a na Revista Semear 2, da Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses. O silogismo brandido pelo pe. António Vieira foi o seguinte:

O Bandarra é verdadeiro profeta; o Bandarra profetizou que El-Rei D. João o quarto há de obrar muitas cousas que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitando: logo, El-Rei D. João o quarto há-de ressuscitar.

Era exatamente isto. Lembrava-me de como me pareceu, à época, que o pe. Vieira estava a troçar dos portugueses, sustentando diante das fuças dos inquisidores um silogismo cuja premissa maior era gigantescamente questionável sem parecer se preocupar muito com esta singular lacuna argumentativa. Cheguei a pensar, a sério, que o interesse do reverendíssimo sacerdote era somente quanto aos aspectos formais da construção silogística, mais ou menos como Chesterton diz que os unicórnios eram importantes para os escolásticos medievais: “se um licorne tem um chifre, então dois deles têm tantos quanto uma vaca”. De qualquer maneira, lembro-me de que este processo do Santo Ofício evoluiu para coisas que faziam muito mais sentido, como a natureza das profecias ou a Revelação: assuntos propriamente teológicos, de leitura deliciosa cuja mera lembrança agora me dá ganas de ter o livro à mão e me faz refletir sobre o porquê de comprarmos livros. Se me é permitida a metáfora, trata-se de um testemunho – dir-se-ia profético! – do valor das estantes repletas…

Mas qual não foi a minha surpresa quando encontrei hoje, na primeira frase desta matéria do Estadão, esta incrível pérola: o pe. António Vieira foi «[c]ondenado pela Inquisição de Coimbra por fazer duras críticas à exploração dos escravos» (!). Como assim?! Não foi este o motivo do seu processo mais conhecido. Semelhante episódio da vida do sacerdote não consta na sua biografia da Wikipedia e nem em nenhuma outra. O próprio conteúdo da acusação é totalmente nonsense e descabido: como se a Igreja condenasse não os que exploravam escravos, mas os que eram contra a escravidão (!). De onde esta informação absurda foi retirada?

Confesso, desconcertado, não fazer idéia. Ou talvez até faça: trata-se aparentemente de mais um exemplar do velho e esclerosado preconceito anti-clerical, desta deficiência intelectual grave que parece ter uma doentia compulsão por dar crédito – ligeiro e leviano – a qualquer bobagem desabonadora que alguém atribua à Igreja Católica. O fenômeno não é novo. Mas encontrá-lo de novo e de novo, em pleno século XXI, é profundamente desanimador. Melhor me seria ler os autos do Santo Ofício! E melhor fariam certos repórteres em ler, senão processos antigos sobre os quais se metem a falar, ao menos os resultados mais relevantes do Google. Assim passariam menos vergonha.

Sinais da decadência

Recebi uma notícia “bombástica” este final de semana, cuja manchete dizia: “Sandy defende casamento homossexual, aborto e se diz contrária ao celibato”. O estopim de tudo isso foi uma entrevista que a garota deu recentemente ao jornal “O GLOBO”, onde ela revela as suas posições “polêmicas”.

Numa lista de internet da qual participo, alguém – comentando o fato – citou um livro do Mario Ferreira dos Santos. De acordo com o filósofo, estamos diante de um sinal da decadência de um povo quando este passa a dar ouvidos a artistas e atletas. E talvez o mais constrangedor aqui seja o fato de que nem precisaríamos ser filósofos de reconhecida envergadura intelectual para constatarmos esta verdade elementar.

Afinal de contas, quem é a Sandy? Lembro-me dela cantando “Maria Chiquinha” quando eu era criança; depois lembro-me da repercussão que houve quando ela declarou ser ainda virgem. Depois (um dia desses, aliás) foi a vez dela fazer um comentário embaraçoso sobre sodomia e prazer (!) e, agora, a sua língua rotatória se volta contra valores caros à Igreja Católica.

Tudo aqui é vergonhoso: desde a imprensa que se prostitui para produzir uma pauta com semelhante [ausência de] conteúdo, até a garota que se acha gabaritada para papagaiar em público suas opiniões levianas sobre estes temas morais e chegando até às pessoas que lerão esta notícia e levarão a sério as declarações clichês da Sandy, tomando-a talvez – de alguma maneira – por formadora de opinião.

Eu não vou nem comentar o absurdo que é a Sandy abrir a boca para se dizer “contra o celibato”, como se o celibato tivesse ainda que remotamente alguma coisa a ver com ela ou como se as pessoas tivessem o direito de ser “contra” as escolhas de vida dos outros e que não lhes dizem respeito. Mas vou deixar registrada a estupidez proferida com relação ao aborto, que se encontra na entrevista já citada:

ABORTO: “Aborto, sob o ponto de vista jurídico, é crime. Eu defendo a descriminalização, principalmente quando a gravidez representar risco para a mulher ou para o bebê.”

Entenderam? Matar um bebê é crime, mas ela defende que isso possa ser feito quando a gravidez representar risco para o bebê! Ou seja, se o bebê estiver em risco, a brilhante “solução” proposta pela ex-intérprete de Maria Chiquinha é matá-lo, certamente porque o risco cessa quando se realiza e uma vez que o bebê já esteja morto não estará mais em risco (!) e todos estarão felizes e satisfeitos! Este raciocínio faz sentido para alguém? No entanto, é exatamente este relincho que ganha destaque na grande mídia. É para repetir esta espécie de chavões que a Sandy aparvoa-se toda, sem perceber o papelão que está fazendo.

Dar ouvidos a este tipo de “opiniões” é um sinal de decadência; mas claro que é! E talvez seja um sinal de decadência ainda maior que um filósofo precise sentenciar o óbvio ululante e, mesmo assim, seja para todos os efeitos tratado como uma voz esgoelando-se no deserto. Mesmo assim, todos continuam agindo como se ninguém tivesse dito nada.

Manipulando discursos pontifícios: Bento XVI e o “casamento gay”

Agora a coisa ficou mais feia para os militantes gayzistas que, na esteira do deputado Jean Wyllys, passaram a última semana lançando diatribes contra o Papa Bento XVI por conta da sua posição sobre o “casamento gay”. O The Guardian afirmou (original aqui) uma coisa que já era evidente para quem quer que houvesse tido a preocupação (evidentemente negligenciada por deputados histéricos do PSOL) de ler na íntegra o discurso de Sua Santidade: na verdade, «a agência Reuters atribuiu ao Papa Bento XVI uma frase sobre o “matrimônio homossexual” que ele nunca pronunciou e o converteu em alvo de furiosos ataques sem motivo em todo mundo».

Entendamos bem. Não é que a frase divulgada seja contrária à Doutrina Católica ou ao pensamento do Papa Bento XVI; como qualquer pessoa que não seja nem um alienado e nem um farsante empenhado em distorcer o ensino da Igreja sabe, a moral católica considera os atos homossexuais intrinsecamente desordenados – de tal sorte que não podem em nenhuma hipótese ser aprovados (e nem muito menos receber a proteção civil que desejam os que advogam a favor do reconhecimento legal do “casamento gay”). O problema é o dado factual: como eu já tinha dito aqui, a frase divulgada – verbis, “Casamento gay ameaça a humanidade, diz o papa”– simplesmente não fora pronunciada por Bento XVI no discurso citado.

Podem objetar que a frase alardeada está nas entrelinhas. Sim, está, como é óbvio; afinal, afirmar que «as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade» é o mesmo que afirmar que o “casamento gay” ameaça o futuro da humanidade, principalmente quando se disse duas linhas atrás que a “família” da qual se está falando é «fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher». No entanto, há alguns evidentes problemas na forma como a notícia foi divulgada:

Primeiro, a crua falsidade da declaração. A sentença “Casamento gay ameaça a humanidade, diz o Papa” é simplesmente mentirosa. E, se o Papa não falou especificamente sobre o “casamento gay”, é uma mentira escandalosa dizer – como fez Reuters e foi universalmente reproduzido – que estas «[f]oram as declarações mais fortes já proferidas pelo pontífice contra o casamento homossexual». Ora, se a frase divulgada não foi sequer pronunciada, como estas podem ter sido “as declarações mais fortes já proferidas pelo pontífice” contra o “casamento homossexual”?

Segundo, o reducionismo criminoso. O “casamento gay” não é a única política que atenta contra a família. Também atentam contra a família, p.ex., o aborto e o divórcio; e, portanto, manchetes como “divórcio ameaça a humanidade, diz o Papa” ou “aborto ameaça a humanidade, diz o Papa” seriam perfeitamente equivalentes à que foi divulgada. Este reducionismo, na prática, falsifica o discurso do Papa porque faz com que a mensagem chegue aos leitores de uma maneira totalmente diferente daquela como foi proferida. Cansei de ler comentários dizendo que o Papa devia ter falado era contra o divórcio, que – este sim – ameaçava a família. Pois é, acontece que o Papa – neste mesmíssimo discurso – falou sim contra o divórcio tanto quanto falou contra o “casamento gay”. Apenas os meios de comunicação impediram a mensagem do Papa de chegar íntegra aos leitores do Brasil.

Terceiro, a injustificável (e nonsense) seletividade da ênfase empregada na veiculação da notícia. O discurso do Papa falou sobre a crise econômica e financeira mundial, sobre as tensões no Oriente Médio, sobre a educação dos jovens (e, neste contexto, a afirmação sobre as famílias), sobre o aborto, sobre as instituições educativas, sobre a liberdade religiosa, sobre a crise ecológica; ora, dar a entender que este discurso tão amplo e rico foi um pronunciamento contra o “casamento gay” é uma empulhação jornalística, é o contrário mesmo de passar a informação correta sobre o que aconteceu. Eu aprendi a resumir textos no primário. Tenho certeza absoluta de que receberia um rotundo zero o aluno que ousasse apresentar um resumo do discurso do Papa desta forma que Reuters apresentou; por qual motivo deveríamos desculpar em uma agência internacional de notícias aquilo que, sem dúvidas, os professores primários não tolerariam em seus alunos da terceira série?

No fim, a forma como o discurso do Papa foi veiculado influenciou, sim, e muito, as reações violentas que apareceram mundo afora. Se por irresponsabilidade, incompetência ou má fé dos responsáveis pela agência de notícias Reuters, eu não sei dizer; mas o fato é que este tipo de jornalismo é sem dúvidas uma ameaça ao presente da humanidade. Que cada profissional se empenhe em fazer bem o seu trabalho. Os tempos que nós atravessamos já possuem confusão demais.