O massacre de Charlie Hebdo: combatemos por algo maior do que nós

Muito já se falou a respeito do horrível atentado que a redação da Charlie Hebdo sofreu ontem em Paris. No meio de uma infinidade de comentários (para dizer o mínimo) superficiais que inundaram os nossos meios de comunicação, gostaria de fazer um apanhado daquilo que considero mais relevante sobre o assunto.

A primeira coisa que acho importante desmistificar é essa necessidade doentia – socialmente exigida e, em alguns casos, até mesmo auto-imposta – de se “tomar partido”, de preferência o mais rápida e veementemente possível. Ora, não nos é necessário, absolutamente, escolher um lado entre os dois que se chocaram, ontem, na capital francesa! Sem dúvidas a comoção é enorme e, por conta disso, é razoável que o raciocínio se nos embote um pouco; contudo, é preciso resistir, e caminhar com bastante cuidado.

Porque, no afã de condenar a chacina estúpida, corre-se o risco de chancelar o deboche religioso que era a marca registrada da revista francesa. Não, nós não defendemos uma liberdade de expressão absoluta e intocável – que inclua o direito de agredir, ofender, escarnecer. Por outro lado, ao repudiar o escárnio da Charlie Hebdo, arriscamo-nos a justificar o assassinato cometido pelos terroristas. Não, nós não defendemos um direito de exterminar os que nos desagradam – segundo o qual os ofendidos possam sentenciar à morte e executar por conta própria os seus ofensores.

Aquilo que a revista se notabilizou por fazer não é humor nem liberdade de expressão, e sim agressão gratuita. Aquilo que os criminosos fizeram ontem em Paris não foi justiça nem defesa legítima, e sim violência absurda. Não é preciso achar lindo o que faziam os cartunistas assassinados para condenar com ardor o seu assassinato. Não é preciso considerar heróis os terroristas para rechaçar com vigor as charges cretinas que a revista satírica veiculava. Não aceitamos a blasfêmia. Mas tampouco aceitemos que a blasfêmia seja punida por particulares – muito menos com a morte.

Evidentemente, também não aceitamos as retaliações ligeiras, com mesquitas anonimamente atacadas à noite por exemplo. A tragédia não pode servir de trampolim para discursos superficiais que, procurando ad hoc responsáveis sobre os quais lançar a culpa do massacre, terminem por cristalizar lugares-comuns como “religião é violenta mesmo”. É evidente que os responsáveis por este crime brutal precisam ser responsabilizados. Infelizmente, parece não ser tão evidente assim que a culpa não pode ser coletivizada para “os muçulmanos” como um todo e nem muito menos para “os religiosos” em geral. Tal expediente irreligioso cretino, de instrumentalização de uma tragédia para alavancar a própria concepção ideológica, precisa – também ele – ser repudiado com a máxima diligência.

Uma outra coisa que precisa ser pontuada é esta: a França não foi palco de um episódio de intolerância religiosa, e sim de um choque de culturas. E, neste sentido, o melhor texto que li sobre o assunto foi escrito no final da década passada. Chama-se «O Islã e o Ocidente», é da lavra de Roger Scruton, é longo e vale cada parágrafo.

Em tempos de multiculturalismo, é preciso ter suficientes pés no chão para reconhecer a existência, em diferentes culturas, de determinados valores completamente incompatíveis entre si. Uma cultura como a ocidental que julgue poder escarnecer das crenças religiosas dos outros não pode conviver com uma outra cultura – como a islâmica – que considere um mandato divino, imposto a todo e qualquer fiel, punir com a morte os que blasfemem contra o Islã. É bastante evidente que ambas tendem à aniquilação mútua; e que, se nenhuma das duas abrir mão de [ao menos parte dos] seus valores, episódios como o de ontem vão se tornar recorrentes.

E a proposta do Scruton é a de que defendamos, abertamente, o patrimônio cultural ocidental frente aos que o ameaçam. Sim, eu sei que isso é mal visto nos dias de hoje, sei que recebe o rótulo depreciativo de “etnocentrismo”, sei que fomos ensinados, de maneira repetida e consistente, desde crianças, a odiarmos aquilo que somos e a desprezarmos as nossas raízes. No entanto, essa atitude é suicida. Nas sociedades, como na natureza, não existe o vácuo. Se os homens não estiverem dispostos a moldar a sociedade de acordo com os seus valores próprios, então ela será moldada pelos valores dos que primeiro tiverem a ideia de os apresentar em praça pública. Se os súditos não forem ensinados a honrar os deuses dos seus antepassados, então eles serão levados a honrar os deuses dos estrangeiros. É assim que o mundo funciona. Já não é mais possível continuar se recusando obstinadamente a o reconhecer.

Tudo isso quer dizer, em suma, que nós estamos em guerra. Não é possível fingir que tudo está na mais perfeita paz e concórdia, porque não está. No entanto, há três coisas sobre esta «guerra» que é preciso deixar claro.

Primeiro, e antes de qualquer outra coisa, que se trata de uma guerra cultural a ser travada no campo das ideias. Isso é bastante evidente, e é preciso rejeitar com veemência todas as tentativas que surjam de estabelecer analogias, ainda que remotas, entre os atos de violência dos terroristas islâmicos e o dito «fundamentalismo» cristão – que geralmente outra coisa não é que «ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja», a propósito. Sim, queremos fazer prevalecer as nossas ideias. Isso não permite concluir, de nenhuma maneira, que queiramos exterminar fisicamente os que pensam diferente de nós.

Segundo, e no mesmo sentido, que discordância não é necessariamente sinônimo de agressão. E, em contrapartida, viver em sociedade não exige necessariamente que as pessoas guardem as suas convicções para si próprias. É lógico que a sociedade precisa caminhar em relativa ordem, mesmo com a presença de múltiplos sistemas de valores em seu interior: isso é óbvio. No entanto, é também evidente, e empiricamente verificável, que a maior parte das pessoas não joga bombas naqueles de quem discorda mesmo visceralmente. Inibir o debate público dos valores não é o mesmo que resguardar a convivência tolerante entre os diferentes, mas justamente o contrário: é deixar o espaço livre para os valores que não respeitem essa regra de auto-contenção. O islamismo é aqui somente o exemplo mais radical: traços dessa “publicização axiológica”, contudo, podem ser encontrados em menor grau também nos laicismos ocidentais.

Terceiro, e por fim, que a vitória nesta guerra é já humanamente impossível. Os valores ocidentais já estão moribundos por conta da longa guerra travada contra a Igreja ao longo dos últimos séculos, e a cultura judaico-cristã parece não encontrar mais uma massa crítica disposta a defendê-la. Os ocidentais envelhecem e morrem impondo-se um controle de natalidade anti-natural que os está conduzindo à extinção, enquanto os muçulmanos povoam o mundo a partir do ventre de suas mulheres. O futuro é sombrio. No entanto, nós mesmo assim precisamos lutar, porque não combatemos pela vitória e sim pela justiça da batalha. Não devemos nos preocupar com as adversidades que existem e nem devemos nos perturbar com os ventos que sopram contra nós: defendemos os nossos ideais por acreditarmos que eles estão corretos, e não porque eles tenham uma chance razoável de se tornarem hegemônicos dentro do horizonte de nossas vidas. Eles muito provavelmente não têm, mas mesmo assim cumpre defendê-los com valentia. Combatemos por algo maior do que nós, e esse é o diferencial que temos em nosso favor. Não é por nós, e sim ad majorem Dei gloriam.

Deus nos vê; combatemos por Ele e por Sua santa Religião, combatemos pela Igreja por Ele fundada, combatemos pelas glórias da Santíssima Virgem. Deus vê, e Ele é Senhor da história, e isso nos deve bastar. As guerras culturais não se vencem pelo poder das armas, e sim pela força das idéias. Talvez, se rezarmos bastante e trabalharmos com afinco, Deus torne o nosso apostolado fecundo. Talvez, se nos esforçarmos e n’Ele confiarmos, Ele conceda graças para que os homens O vejam e, abandonando as fábulas do mundo moderno, n’Ele creiam. Talvez Ele intervenha, e mude a nossa sorte.

Mas talvez não. Talvez só vejamos a Igreja em Seu esplendor na outra vida – quem sabe? Talvez tenhamos mesmo que atravessar tempos tenebrosos à nossa frente: não importa. A cada um cabe fazer a sua parte, e a nossa é defender, com todas as nossas forças, a Fé dos que nos precederam, a Fé que recebemos dos Apóstolos. Ainda que talvez não vejamos o resultado dos nossos esforços, nada que se faz por amor de Deus é em vão. Isso nos deve ser suficiente. No calor do campo de batalha, isso nos deve bastar.

A demagogia barata do Dr. Rosinha

Depois do papelão feito pelo deputado Rosinha na semana passada quando, em seminário pró-aborto realizado na Câmara dos Deputados e diante dos justos protestos de cidadãos brasileiros pagadores de impostos que discordam de ter o seu dinheiro empregado para a promoção do aborto no Brasil, deu um chilique e afirmou que os pró-vida precisavam “aprender a pensar”, eu pensava que o petista havia adquirido algum mínimo senso de ridículo e iria deixar o assunto morrer.

Engano meu. Na mais abjeta vitimização que eu me lembro de ter visto na política recente, o deputado pró-aborto resolveu soltar uma nota no seu site chamando os seus opositores de «mentirosos» e queixando-se da «intolerância» dos cristãos.

Na semana passada fui vítima dos intolerantes e dos mentirosos.

[…]

Por tudo que li do que me enviaram, por tudo que ouvi, sinceramente ainda estou estupefato com o comportamento destes cristãos. Em que Igreja aprendem ou aprenderam? Qual Evangelho leem ou leram? Com certeza não é o mesmo que leio e tampouco é o mesmo que lê o Papa Francisco.

Apenas se “esqueceu” o Dr. Rosinha de entrar no mérito das acusações que lhe foram feitas e responder a duas simples perguntas:

1. O «Primeiro Seminário de parlamentares da América Latina e Caribe para debater a saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil» defendeu ou não defendeu a descriminalização do aborto no Brasil?

2. O deputado Rosinha é ou não é a favor da descriminalização do aborto no Brasil?

É isso e não outra coisa o que interessa aqui. É com a resposta afirmativa ou negativa a cada uma dessas perguntas que se pode saber se o Dr. Rosinha está mesmo sendo vítima de “mentiras” e “intolerâncias” ou se, ao contrário, só está sendo desmascarado, e aí toda essa retórica de botequim de um Cristianismo tolerante está sendo empregada tão-somente para evitar o incômodo assunto principal e o permitir continuar trabalhando nas trevas pela promoção do aborto no Brasil.

Quando à demagógica e cretina referência ao Papa Francisco, vejamos qual é o Evangelho lido por Sua Santidade:

Entre estes seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predilecção, estão também os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legislações para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para ridiculizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e conservadora; e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu desenvolvimento. É fim em si mesmo, e nunca um meio para resolver outras dificuldades. Se cai esta convicção, não restam fundamentos sólidos e permanentes para a defesa dos direitos humanos, que ficariam sempre sujeitos às conveniências contingentes dos poderosos de turno. Por si só a razão é suficiente para se reconhecer o valor inviolável de qualquer vida humana, mas, se a olhamos também a partir da fé, «toda a violação da dignidade pessoal do ser humano clama por vingança junto de Deus e torna-se ofensa ao Criador do homem».

Evangelii Gaudium, 213

Este é o Evangelho lido pelo Papa Francisco, este é o único Evangelho que existe! Pretender que exista uma virtude da tolerância evangélica que exija a passividade diante do crime ou que obrigue os cristãos a nada fazerem enquanto políticos inescrupulosos trabalham pela descriminalização do aborto não passa de um palavrório ridículo e vazio. Que ninguém se deixe intimidar por essas patéticas bravatas, que não são senão a última e desesperada cartada de quem foi pego de calças curtas e não possui hombridade o suficiente para assumir em público as conseqüências de suas opções na questão do aborto.

Turba de bárbaros exige a cabeça de colunista da Gazeta do Povo – defendamo-lo!

O artigo do Carlos Ramalhete ao qual eu fiz referência ontem aqui desencadeou uma enxurrada de protestos (em sua esmagadora maioria, de baixíssimo nível) nas redes sociais e nas mensagens enviadas à Gazeta do Povo. Em sua página do Facebook o colunista publicou a nota de esclarecimento que eu reproduzo abaixo. Quanto ao mérito do texto (solenemente ignorado pela turba ignara que se lançou furiosamente em marcha a pedir a cabeça do articulista em uma bandeja de prata em meio a gritos histéricos de acusações totalmente descabidas que refletem, por um lado, a mais completa incapacidade de interpretação textual e, por outro, um desejo nada velado de silenciar toda a voz dissidente), quase nada foi dito. Aproveito o ensejo para fazer – mais uma vez – eco à posição do Carlos Ramalhete: à sua posição verdadeira, e não às distorções grotescas contra as quais se levantaram centenas de manifestações de ódio irracionais.

Diante da mobilização dos bárbaros, é absolutamente imprescindível que os que concordamos com os argumentos do Carlos publicados ontem na Gazeta do Povo – ou pelo menos com o direito do Carlos de expôr a sua opinião em uma coluna de jornal – nos manifestemos (em ordem de importância):

  1. em emails de apoio à redação do jornal: leitor@gazetadopovo.com.br ou pelo “Fale Conosco” do site da Gazeta; [FUNDAMENTAL]
  2. nesta Petição Pública à Gazeta do Povo, em favor da liberdade de expressão e pedindo a manutenção da coluna;
  3. na página criada ontem para oferecer apoio ao Carlos Ramalhete; e
  4. na página oficial do colunista no Facebook.

Sem isso, corremos o sério risco de amargarmos uma dolorosa derrota nesta batalha midiática e até de perdermos este precioso espaço semanal que a Gazeta do Povo concede ao pensamento conservador. Não basta, portanto, apenas gostar dos textos, curti-los e divulgá-los; é preciso deixar claro àqueles que bancam esta proposta – especificamente, os editores da Gazeta do Povo – que ela atende, sim, a uma necessidade de parcela considerável da população brasileira e que, portanto, é imprescindível mantê-la a despeito dos uivos dos bárbaros que já se organizam para censurá-la.

Manifestações de apoio já se esboçam na blogosfera:

A seguir, a nota de esclarecimento publicada pelo Ramalhete no Facebook.

* * *

NOTA

Com referência ao artigo “Perversão da adoção”, publicado no dia 30 de agosto, quinta-feira, em minha coluna, no jornal Gazeta do Povo, esclareço o seguinte:

1) Escrevi em defesa da adoção e contra a sua perversão e lamento que isso tenha sido mal interpretado por grupos de interesse.

2) A adoção é um ato de amor, que merece o apoio de toda a sociedade.

3) Repudio, contudo, como sua perversão, a entrega definitiva de uma criança a quaisquer comunidades de vida que não uma família.

4) Mais ainda, repudio forçar uma criança à linha de frente da tentativa em curso de desconstrução da família, inscrevendo em seu documento de identidade uma impossibilidade biológica.

Agradeço o apoio e solidariedade das centenas de leitores que se manifestaram junto a mim e junto ao prestigiado jornal Gazeta do Povo.

Minha página, no Facebook, continua aberta para toda manifestação respeitosa.

Carlos Ramalhete

Red Baloon

O vídeo é caricato, mas é bem legal. As discussões começam sobre a cor do balão, e chegam ao sujeito que diz não haver balão algum. Só senti falta de alguém dizendo algo como “não, não é um balão, é um hipopótamo”…

Já se disse anteriormente que é óbvio que a verdade existe, uma vez que, se a verdade não existisse, seria verdade que a verdade não existiria. Dizer, portanto, “a verdade existe” é fazer uma dessas afirmações que são auto-evidentes. É incrível que haja, nos dias de hoje, quem tenha a ousadia de levantar opiniões tão patentemente absurdas e – pior! – de exigir que lhes concedamos a mesma seriedade com a qual tratamos as coisas que fazem sentido nesta vida.

E, por favor, não percam meu tempo com daltonismos, teorias das cores, questiúnculas terminológicas ou coisa que o valha. Quem adentrar nesta seara é porque não entendeu um vídeo tão simples como esse – de modo que eu só posso recomendar que o assista de novo, e ainda mais uma vez se for assim necessário. A verdade – como a cor do balão – é objetiva, e depende dela somente, e não de quem a percebe ou deixa de perceber. E independe completamente de quem acredita nela ou de quem, nela, deixa de acreditar.

“O misterioso criador do mundo visitou a terra” – Chesterton

Faço coro à recomendação do blog Summae Theologiae: delicioso texto de Chesterton! Vale (e muito) a leitura. Destaco:

Exatamente no meio de tudo isso surge uma enorme exceção. Ela é totalmente diferente de qualquer outra coisa. É algo final como a trombeta do juízo, embora também seja uma boa-nova, ou então uma notícia que parece boa demais para ser verdadeira. É nada menos que a altissonante afirmação de que o misterioso criador do mundo visitou a terra pessoalmente. Declara-se que realmente e até bem pouco tempo atrás, ou bem no meio dos tempos históricos, de fato entrou no mundo esse ser invisível das origens, sobre o qual os pensadores criam teorias e os mitólogos transmitem seus mitos: o Homem que Criou o Mundo. A existência dessa personalidade superior por trás de todas as coisas fora de fato insinuada por todos os melhores pensadores, bem como por todas as mais belas lendas. Mas nada desse tipo fora insinuado por algum pensador ou alguma lenda. É simplesmente falso dizer que os outros sábios e heróis haviam alegado ser esse misterioso senhor e criador, com o qual o mundo havia sonhado e sobre o qual havia debatido. Nenhum deles havia jamais alegado ser algo desse tipo. Nenhuma de suas seitas ou escolas nem sequer reivindicou ter alegado algo desse tipo. O máximo que algum profeta religioso havia dito fora que ele era o verdadeiro servo desse ser. O máximo que algum visionário jamais havia dito fora que os homens talvez pudessem ter um vislumbre da glória daquele ser espiritual; ou, mais frequentemente, um vislumbre de seres espirituais inferiores. O máximo que qualquer mito primitivo jamais havia sugerido era que o Criador estava presente na Criação. Mas que o Criador estivesse presente em cenas que aconteceram logo depois dos festins de Horácio, que conversasse com coletores de impostos e oficiais do governo em detalhados momentos do dia a dia do Império Romano, que esses fatos continuassem a ser firmemente declarados por toda aquela grande civilização por mais de mil anos – eis aí algo absolutamente diferente de qualquer outra coisa da natureza. É a maior e mais chocante declaração feita pelo homem desde que ele articulou sua primeira palavra em vez de latir feito um cachorro. Seu caráter único pode ser usado como um argumento a seu favor ou contra ele. Seria fácil concentrar-se nisso e ver um caso de insanidade singular; mas essa opção reduz a religião comparada a nada mais que pó e absurdo.

O anúncio caiu sobre o mundo com uma ventania e um impetuoso avanço de mensageiros proclamando aquele portento apocalíptico; e não é nenhuma fantasia indevida dizer que eles ainda estão correndo. O que intriga o mundo, e seus sábios filósofos e imaginativos poetas, acerca dos sacerdotes e dos fiéis da Igreja Católica é que eles ainda se comportam como se fossem mensageiros. Um mensageiro não sonha com qual poderia ser sua mensagem, nem discute acerca do que ela provavelmente seria. Ele a entrega como é. Não é uma teoria nem uma fantasia, é um fato. Não é relevante para este esboço intencionalmente superficial provar em detalhes que a mensagem é um fato; só é relevante ressaltar que esses mensageiros a tratam como um fato. Tudo o que se condena na tradição católica, a autoridade, o dogmatismo e a recusa de retratar-se e modificar são apenas atributos humanos naturais de um homem com uma mensagem relacionada a um fato. Quero evitar neste último resumo todas as complexidades controversas que mais uma vez podem ofuscar as linhas simples dessa estranha história, que já chamei, em palavras que são demasiado fracas, de a mais estranha história do mundo. Simplesmente desejo sublinhar aquelas linhas principais e especialmente sublinhar onde se deve realmente traçar a grande linha. A religião do mundo, em suas proporções certas, não se divide em delicados matizes de misticismo ou de formas de mitologia mais ou menos racionais. Ela é dividida pela linha que separa os homens que levam aquela mensagem dos homens que ainda não a ouviram, ou que ainda não conseguem crer nela.

Robinho – o intolerante?

A polêmica da vez no Twitter é sobre o Robinho. Ao que parece, o jogador recusou-se a participar de uma visita a um lar espírita para crianças deficientes, porque ele é protestante e “falaram que lá dentro [no “Lar Espírita”] estaria havendo um ritual religioso (espírita)”.

Eu sou católico e não tenho nenhum interesse em defender a religião do atacante do Santos. Mas tenho muito interesse em defender o direito de ir e vir dos cidadãos brasileiros, e tenho interesse em defender a liberdade religiosa – dentro de seus limites – do jogador de futebol protestante.

Instaurou-se uma verdadeira cortina de fumaça na internet. Robinho foi pintado como “intolerante”, como se a sua religião o proibisse de “alegrar crianças espíritas”, e o episódio foi pintado como sendo uma afronta “ao ser humano independente de religião”, et cetera, et cetera.

Comecemos com aquilo com o qual eu concordo. Concordo, sem dificuldades, que a repercussão do episódio foi lamentável – mas o problema, a meu ver, não foi a “intolerância religiosa” do jogador, mas sim – ao contrário – a sua excessiva tolerância. O problema de Robinho não está no fato dele ter sido “intolerante” e não ter querido descer do ônibus do Santos quando este chegou ao lar espírita, mas ao contrário: o problema foi que ele não foi intolerante quando deveria ter sido, e não teve peito de dizer, desde o começo, que não iria fazer esta visita.

Ninguém está obrigado a freqüentar centros espíritas, nem igrejas evangélicas, nem terreiros de macumba nem absolutamente nada. Ao saber que o elenco do Santos iria a um orfanato espírita, o jogador do Santos deveria ter tido a coragem de dizer que não iria. Até onde me conste, ele não era obrigado a acompanhar o resto dos jogadores nesta visita.

[O fato muda se – como a notícia deixa a possibilidade de entender – os jogadores haviam se programado somente para entrar no lar espírita, dizer “oi”, entregar brinquedos (ou o que seja) e sair; e, no entanto, quando lá chegaram, perceberam que estava havendo alguma espécie de culto espírita no ambiente, e por causa disso não quiseram entrar. Neste caso, a culpa do constrangimento é muito mais dos responsáveis pelo lar espírita do que dos jogadores protestantes do Santos.]

O que aconteceu, no entanto, foi que todos os paladinos internéticos da tolerância moderna armaram-se de mil pedras contra o jogador santista, como se ele fosse obrigado a entrar no lar espírita ainda que contra a sua consciência religiosa, ou como se não fazê-lo fosse uma espécie de intolerável preconceito e discriminação. Ora bolas, deixem o pobre do jogador do Santos em paz. Ele tem todo o direito de não querer, por motivos religiosos, tomar parte em um culto espírita. Ainda que não estivesse acontecendo um “culto espírita” no lugar, ele tem todo o direito de não querer associar a sua imagem a uma instituição espírita. Qual o problema com isso?

Por acaso os neo-paladinos da tolerância humanitária estariam obrigados a assistir a uma Vigília Pascal ao fim da qual fossem homenageadas crianças carentes? Ou, caso se negassem a encenar a Paixão de Cristo para alegrar crianças cristãs doentes, seriam uns cretinos sem sentimentos para com as pobres crianças que nada têm a ver com a (falta de) Fé deles? Se os “tolerantes” não pensariam duas vezes antes de afirmar o próprio direito de não tomarem parte em cerimônias nas quais não acreditam ou de não se fazerem presentes em lugares onde se professa uma crença da qual não comungam, qual o motivo do linchamento moral público do jogador do Santos? Hipocrisia, somente?

Repito: concedo, com muita facilidade, que houve em todo o episódio um grande constrangimento que poderia ter sido evitado. Mas o problema não está na “intolerância” nem no “preconceito” de Robinho. O problema não foi ele ter se negado a participar da “festa” no lar espírita, mas [no máximo] a maneira como isso foi feito – e a conseqüente repercussão negativa que isso teve. Critique-se, vá lá, o “jogo de cintura” do jogador ou a sua [falta de] habilidade política, mas não se critique a sua religião. Afinal, ainda não existe no país, nesta matéria, obrigação de agir contrariamente à própria consciência.

Cadê a declaração, Pe. Elias Wolff?

O amadoríssimo site protestante cristaos.com está reclamando que a CNBB ainda não emitiu a nota sobre os “sites católicos amadores” que havia prometido. Eu próprio comentei sobre o assunto aqui no mês passado, e tive o meu texto inclusive honrado com algumas considerações do referido site.

Vou até deixar os meus comentários para uma outra ocasião. Agora, faço coro à queixa do site cristaos.com. Quero ver a CNBB cumprir o que prometeu e publicar uma nota sobre os sites católicos. Mas faço questão de que o revmo. pe. Elias Wolff avalie também as seguintes declarações, que tomo como minhas, e também condene ou apóie expressamente o Deus lo Vult! na prometida (e não cumprida) nota da CNBB.

A única Igreja de Cristo é a Igreja Católica, de tal modo que não se podem salvar “aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar” (Lumen Gentium, 14). Verdadeiro cristão é “aquele que é batizado, crê e professa a doutrina cristã e obedece aos legítimos pastores da Igreja” (Catecismo de S. Pio X, q. 3), sendo estes “o Pontífice Romano, isto é, o Papa, que é o 1º Pastor universal, e os bispos” (id. ibid., q. 151); de tal modo que “é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice” (Unam Sanctam). Outrossim, os erros de Martinho Lutero, assumidos pelos protestantes, são “heréticos, escandalosos, falsos, ofensivos aos ouvidos piedosos ou sedutores das mentes simples, e contra a verdade católica”, devendo ser todos “condenados, reprovados e rejeitados” (Leão X, Exsurge Domine).

Esta também é uma “matéria intolerante”? Em caso positivo, solicito ao site cristaos.com que inclua o Deus lo Vult! na sua queixa à CNBB. E volto a pedir ao revmo. pe. Wolff que responda à solicitação feita pelo referido site protestante. Afinal, é necessário cumprir as promessas feitas.

Não importunem os ateus!

Acho que eu já disse aqui outras vezes que é melhor ler besteiras do que ser analfabeto – parafraseando o antigo ditado, segundo o qual é melhor ouvir besteiras do que ser surdo. Por isso, nem reclamo mais (tanto) quando me cai aos olhos uma bobagem do calibre deste texto do sr. Claudio Weber Abramo sobre o direito de não ser importunado.

Trata-se de uma infantil reclamação sobre manifestações religiosas em estádios de futebol, que descamba para a já conhecida intolerância do ateísmo militante. O senhor Abramo não quer ser importunado. Por qual motivo, então, ele importuna os outros despejando lixo na internet? “Um ateu que viva num ambiente repleto de evocações a seres incorpóreos, influências etéreas e exortações à ‘espiritualidade’ não pode deixar de indignar-se com a coisa toda”, diz o articulista. Por que ele não vai à China? Lá deve ser o paraíso dos ateus. Ou o que ele quer é transformar o Brasil em uma ditadura atéia onde ele possa viver sem ser importunado? Mas, aí, os cristãos ficariam incomodados… por qual fantástico motivo estes últimos poderiam ser importunados e ele não?

Por qual motivo as manifestações religiosas dos não-ateus incomodam tanto os – assim intitulados – “livres-pensadores”? Em um artigo do João Pereira Coutinho citado aqui ontem, o português dizia: “Conheço pessoas que não fumam. E conheço pessoas que não fumam e não querem que os outros fumem. As primeiras são infelizes. As segundas são miseráveis”. Cai como uma luva para os ateus: existem pessoas que não acreditam em Deus, e existem aquelas que não acreditam e não querem que os outros acreditem. As primeiras, infelizes e, as segundas, miseráveis. O autor do texto ora citado parece pertencer à segunda categoria.

A justificativa dele para a sua posição? “O que está em jogo no caso da propaganda religiosa é o interesse coletivo. Interessa ao coletivo a disseminação de crenças em seres incorpóreos, influências etéreas e assim por diante?”. Ah, então tá. Como muito argutamente notou alguém numa lista de emails, se amanhã o sr. Abramo decidir que eu não existo, os meus amigos ficam ipso facto proibidos de falar em público de mim, porque não interessa ao coletivo. Não sei qual a razão do articulista achar que ele próprio é de interesse público.

Mas o manancial de bobagens parece inesgotável! Chega a ser frustrante ler que “[i]nteiras bibliotecas foram escritas para demonstrar que religião não é uma boa coisa (…) em particular[,] a ofensa que religiões representam à racionalidade, portanto à compreensão do mundo, portanto à capacidade de alterar o mundo”. As duas primeiras ofensas – à racionalidade e à compreensão do mundo – só podem ser uma piada de péssimo gosto. Tal sentença é, ela própria, uma ofensa à racionalidade. A terceira – ofensa à capacidade de alterar o mundo – pode ser verdadeira e talvez revele, afinal, o motivo profundo do ódio do articulista. Talvez ele esteja insatisfeito com o mundo que existe e deseje “alterá-lo”. Como na antiga União Soviética, quiçá. Só que está historicamente comprovado que o mundo inventado pelos sem-Deus não é bonito. Será que deveríamos repetir os mesmos erros de outora, somente para que o senhor Abramo não seja importunado?

Leitura fortemente correlata: A intolerância dos tolerantes! Ou: derrubem o Cristo Redentor e ponham Descartes no lugar.

A Idade Média e as fogueiras

[Baseado em comentários feitos em outro assunto aqui no Deus lo Vult!.]

O preconceito histórico contra o Cristianismo encontrado amiúde nos nossos dias é uma das coisas que mais impede que se tenha uma visão equilibrada sobre a Igreja Católica e o Seu papel na construção da civilização ocidental. A repetição de clichês e de mentiras, de visões simplistas e de reconhecidos preconceitos iluministas, de lendas negras e de anacronismos, tudo isso parece ter se transformado em uma espécie de teste de aferimento intelectual. Parece que ninguém é bom o bastante se não nutrir um grande preconceito contra a Igreja Católica; e, quanto maior for este preconceito, mais inteligente é o preconceituoso em questão.

A Idade Média é evocada como uma época de trevas iluminada tão somente pelas terríveis fogueiras da Inquisição. O cristão-médio é um intolerante truculento que está disposto a trucidar qualquer um que apareça no seu caminho, pregando qualquer coisa que não esteja de acordo com a Doutrina Cristã. O obscurantismo e a superstição tomam o lugar da Ciência, e os cientistas levam uma espécie de vida nas catacumbas, diuturnamente escondidos dos terríveis inquisidores, os quais são, por sua vez, ambiciosos ávidos de riqueza e de poder. Os cristãos são retratados como se fossem o compêndio de todos os vícios.

É tão imponente o edifício preconceituoso que não se sabe muito bem sob qual ponto deve-se começar a demoli-lo. Não tenho a pretensão de esgotar o assunto, até porque é uma tarefa humanamente impossível de ser realizada em um simples texto curto de blog. Já disse outras vezes aqui que é muito mais fácil jogar a calúnia barata do que desmentir a calúnia barata; é muito mais fácil lançar mão da mentira que da verdade. Acontece que a mentira tem pernas curtas, e já está mais do que na hora de ajudá-la, ao menos, a tropeçar.

À Idade Média – e, em particular, à Igreja Católica – coube o incrível milagre de transformar o caos em que se havia transformado a Europa com a queda do Império Romano e as invasões bárbaras na civilização onde nascemos e vivemos. Seria realmente espantoso se esta cruel religião cristã tivesse conseguido um tão extraordinário prodígio, seria verdadeiramente admirável se estes cristãos repletos de defeitos e totalmente carentes de qualidades tivessem operado tão portentosa transformação: portanto, há uma verdadeira ruptura entra a Idade Média e a Idade Moderna, e é esta a tese defendida pelos anti-clericais de todos os naipes. Agem como se todos os bens – inegáveis – da civilização ocidental tivessem brotado ex nihil, aparecido por geração espontânea dos escombros nos quais a Igreja lançou a Europa durante a Idade Média.

Porque a Idade das Trevas não pode ter produzido – não, jamais! – nada de bom, nada de civilizado, nada de minimamente aproveitável pelas gerações futuras. Estas tiveram que, sozinhas, reconstruir tudo o que a Igreja destruiu em mil anos. O Renascimento e o Iluminismo, assim, apresentam-se não como simples fenômenos históricos, mas como verdadeiras revelações sobrenaturais: após mil anos de trevas, uma luz resplandeceu, e uma luz tão fulgurante que, em duzentos ou trezentos anos, conseguiu reerguer tudo o que a Igreja tinha Se esforçado para lançar por terra ao longo do último milênio. Eis como pessoas “inteligentes” explicam a história!

É muito difícil argumentar contra pessoas que sustentam uma visão preconceituosa da realidade. Não adianta dizer que a tese deles é absurdamente ridícula, e que é completamente inverossímil que, um belo dia, alguns iluminados tenham resolvido sacudir dos ombros o jugo da tirania eclesiástica e construir o mundo. Eles começarão a ter um ataque histérico e a falar em fogueiras, em trevas, em cruzadas, em obscurantismo, e em meia dúzia de outros chavões que, na cabeça confusa deles, confundem-se com argumentos ou – pior ainda – com fatos históricos. Quando, na verdade, a História é bem mais complexa do que a caricatura ideológica dos anti-clericais os permite enxergar.

As fogueiras! “Milhões de bruxas queimadas” – é a primeira frase dita por um anti-clerical. A segunda, é acrescentar que essas bruxas eram na verdade cientistas (já que bruxas não existem). E então emendam com o “obscurantismo institucionalizado”, com a “hierarquia ávida por poder que tinha medo de perder o domínio exercido sobre o povo”, com a “perseguição de cientistas e proscrição da Ciência”… e, diante do ataque histérico raivoso, você não consegue mais argumentar. Ad baculum, é o modus operandi dos anti-clericais quando estão pontificando história.

Não adianta lembrar que a Inquisição foi instituída com o propósito muito claro e específico de combater os cátaros, que eram vere et proprie uma ameaça à civilização medieval. Não adianta mostrar que não há registro de que as fogueiras tenham extrapolado a casa dos milhares [muito menos dos milhões!] como pretendem os raivosos historiadores anti-clericais. Não adianta nem mesmo lembrar que não foi a Igreja a inventar as fogueiras, sendo esta modalidade de pena capital já amplamente utilizada antes mesmo de que o primeiro inquisidor entregasse ao braço secular o primeiro herege cátaro. Não adianta, porque os anti-clericais não estão preocupados com fatos, e sim com a ideologia deles. Já puseram na cabeça que a Idade Média foi a Idade das Trevas, e qualquer coisa que abale, um mínimo que seja, esta íntima convicção dogmática é sumariamente descartada.

A Idade Média viu levantarem-se na Europa as cúpulas das catedrais, mas os anti-clericais só vêem as fogueiras. A Idade Média viu as Universidades serem fundadas pela Igreja, mas os anti-clericais só vêem as fogueiras. A Idade Média viu os filósofos escolásticos lançarem as bases da ciência experimental, mas os anti-clericais só vêem as fogueiras. A Idade Média viu a Inquisição proporcionar indiscutíveis avanços ao Direito Penal, mas os anti-clericais só vêem as fogueiras. Quando uma pessoa só quer ver uma coisa, não adianta mostrar mais nada. “Intolerância medieval!”, é só o que eles sabem gritar.

Na verdade – e, aqui, rasguem as vestes os inimigos da Igreja de todos os naipes -, a Idade Média foi um excelente exemplo de uma sadia intolerância, da intolerância contra o vício e contra o pecado, da intolerância que é a única capaz de construir e manter alguma coisa duradoura. Na verdade, os pecados são avessos à civilização, e a forma mais eficaz – aliás, a única forma da qual temos conhecimento – de criar e manter alguma sociedade minimamente civilizada é apontando claramente o que deve ser feito e o que deve ser evitado. Não poderia subsistir uma sociedade onde as pessoas roubasssem umas às outras, nem uma onde as pessoas matassem umas às outras. E, sim, qualquer civilização que se proponha a ser duradoura, que tenha um mínimo de “instinto de sobrevivência”, precisa ser intolerante para com aquilo que a pode destruir. Isto é óbvio; tão óbvio que os medievais o entenderam perfeitamente (o que fica mais do que demonstrado pelos excessos – pontuais – cometidos pelos homens daquele tempo), ao passo em que os tolerantes modernos nunca conseguiram fazer com que as suas teses fossem abraçadas pela grande massa da população. Mas, claro, isto deve ser culpa da influência católica!

A “intolerância” da Idade Média, combatida pelos auto-intitulados “livres-pensadores” (que, no entanto, de livres não têm nada, porque só repetem chavões e perconceitos anti-clericais), foi o que construiu o mundo moderno onde estes mesmos livres-pensadores podem vomitar o seu ódio à Igreja Católica. Quer eles gostem, quer não. A despeito da ideologia preconceituosa dos anti-clericais, entre as fogueiras da Idade Média levantaram-se campanários e cúpulas de catedrais aos céus, ergueram-se universidades e lançaram-se as bases do mundo moderno, de modo que resumir os mil anos nos quais “a filosofia do Evangelho guiava as nações” às fogueiras da Inquisição é de um simplicismo criminoso. Mas contra preconceitos – insisto – não há argumentos possíveis. E o preconceito do século XXI parece ser o pior de todos os preconceitos que já se abateram sobre a humanidade.