Sobre o tal terço supostamente enviado pelo Papa Francisco ao ex-presidente Lula, somente três pequenos apontamentos se fazem necessários.
Primeiro, que não há evidência absolutamente nenhuma de que o envio do presente tenha sido um desejo específico do Papa Francisco. O perfil do Vatican News nas redes sociais, a propósito, publicou hoje — inclusive com uma celeridade inusitada — uma nota de esclarecimento dizendo que em nenhum momento o advogado argentino sequer afirmou que o terço havia sido enviado pelo Papa: de acordo com o órgão de comunicação, na entrevista apenas foi dito que se tratava de um objeto abençoado pelo Santo Padre.
Ou seja, o que aconteceu foi simplesmente o seguinte: um advogado foi fazer uma visita particular ao sr. Luís Inácio, levando-lhe de Roma um terço abençoado pelo Papa. Não pôde entrar porque não era dia de visita. Ato contínuo, em um instante, os órgãos de imprensa tupiniquins transformam-no em um legado papal, agindo em missão eclesiástica, encarregado pessoalmente pelo Vigário de Cristo de entregar ao ex-presidente um símbolo do apoio pontifício e impedido de cumprir a sua missão santa pela arbitrariedade policialesca de Curitiba!
A coisa é por demais fantasiosa para merecer muita atenção.
Segundo, que o dr. Juan Gabrois afirma que o Papa sabia da entrega do terço. Ora, ainda que seja verdade, tal é completamente irrelevante: nem torna menos jurídicas as sucessivas condenações sofridas pelo sr. Luís Inácio, nem confere solidariedade internacional ao criminoso caeteense. Na verdade, Sua Santidade bem que poderia ter enviado mesmo o terço, com um carta assinada de próprio punho, e nisso não haveria nada de inusitado. Afinal de contas, ao longo da história os criminosos condenados sempre puderam contar com assistência religiosa — sem que isso significasse jamais a condescendência para com o crime que os anti-clericais do século XX gostam de ver nas manifestações de misericórdia do Pontificado atual.
Um criminoso recebeu um terço. E daí? Por séculos, mesmo os condenados à morte receberam absolvição sacramental quando já se encontravam no cadafalso, sem que se pretendesse jamais que isso pudesse tornar injustas as condenações criminais que pesavam sobre eles. Antes, é ao contrário: era justamente por serem criminosas condenadas que aquelas pessoas precisavam de um sacerdote ao seu lado. Ao ex-presidente Lula faria muito bem rezar alguns terços — como aos condenados que subiam ao patíbulo fazia muito bem ouvirem as exortações da Irmandade da Misericórdia. O Papa bem que poderia ter lhe enviado o presente com este santo propósito.
Terceiro, por fim, que se o Papa Francisco tivesse enviado uma rosa de ouro para o sr. Luís Inácio, alardeando altissonante a sua solidariedade para com a vítima inocente de um sistema judicial corrupto, isso seria um escândalo político e só. É evidente que Pontífice nenhum fala em nome da Igreja quando toma partido em favor de tal ou qual governante, quando firma alianças com determinada nação em detrimento de outras, quando sagra imperadores ou depõe reis. Ninguém está obrigado a seguir as preferências políticas daquele que se assenta no Sólio de Pedro, e se por um lado todo Soberano Pontífice faria muito bem em se manter relativamente afastado da política secular, por outro lado a Igreja tem também o direito (e por vezes o dever) de exortar os poderosos do mundo. Ora, nestas questões de natureza prudencial descabe até mesmo falar em munus docendi da Igreja; no entanto, são assuntos que por vezes se impõem.
Na hipótese de alguém de boa fé acreditar na inocência do ex-presidente, o que é que se pode fazer? Mostrar à pessoa que ela está errada, contradizê-la em público, sim, mas não transformá-la em cúmplice dos desmandos lulopetistas e nem muito menos atribuir-lhe os mesmos propósitos que a esquerda brasileira se esforça por fazer valer neste já tão maltratado país. Uma coisa é ter dúvidas acerca da lisura do processo que culminou na condenação do sr. Luís Inácio, outra totalmente diferente é endossar em bloco o programa político do Partido dos Trabalhadores. De um ponto a outro o salto é muito largo: não pode ser simplesmente inferido e nem é possível demonstrá-lo à base de razões tácitas ou motivos implícitos.
Em resumo, o terço que o presidiário não pôde receber ontem é um objeto religioso vergonhosamente transformado em arma política. Nós, católicos, ao invés de ficarmos dizendo o que o Papa quis ou não quis dizer com o seu gesto, deveríamos era rechaçar de pronto e com veemência esta instrumentalização odiosa da Fé.