«O que foi cortado, não pode ser tratado nem curado».

A Igreja Católica é o «Sacramento da Salvação» (cf. Lumen Gentium 48), e isso significa dizer que Ela é o canal somente através do qual (*) as graças divinas chegam aos seres humanos. A expressão utilizada pelo Concílio Vaticano II equivale, desta maneira, a uma outra expressão mais clássica dentro da doutrina católica que diz que a Igreja é aquela «fora da qual não há salvação e nem santidade». Não se trata de triunfalismo arrogante, mas de humilde reconhecimento daquilo que é uma das verdades mais basilares da nossa Fé: Cristo veio ao mundo para fundar uma determinada comunidade de homens e, se Ele, Deus libérrimo, quis assim dispôr as coisas, nós, meros mortais, não temos autoridade para estabelecer outros “caminhos” diferentes para o Céu. Cristo, o Homem-Deus, fundou a Igreja! Ao invés de torcermos o nariz à insolência papista, melhor faríamos em nos esforçar, zelosamente, para seguirmos com escrupulosa observância a vontade manifesta de Nosso Senhor.

[(*) A comparação da Igreja com um «Sacramento», claro, é metafórica. Os sacramentos são sinais sensíveis e eficazes da graça de Deus e, stricto sensu, como declarou o Concílio Tridentino, são não mais e nem menos do que sete: Batismo e Crisma, Confissão e Unção dos Enfermos, Eucaristia, Ordem e Matrimônio. Se há portanto evidente diferença entre os Sete Sacramentos e o «Sacramento da Salvação», é necessário que tal seja levado em consideração quando formos derivar as conseqüências de se dizer a Igreja «Sacramento da Salvação» em ordem aos canais da Graça e sua exclusividade – a fim de não cairmos em erro.

Porque, embora os Sacramentos – os Sete – sejam sinais eficazes da Graça de Deus (i.e., todo Sacramento, se validamente celebrado, produz a Graça que significa), nem toda a Graça nos vem mediante os Sete Sacramentos: recebemos graças atuais o tempo inteiro, como nos ensinam os manuais de Teologia e a experiência espiritual mais comezinha. Solução distinta, contudo, é a que se dá ao problema da salvação “fora” da Igreja: os que se salvam sem fazerem materialmente parte dos quadros visíveis da Igreja Católica são, no entanto, formalmente católicos ainda que disso não tenham consciência explícita – salvam-se, assim, pela Igreja e na Igreja. Portanto, em se tratando da Salvação, não existe graça extra-eclesial análoga às graças extra-sacramentais. Entender o caráter analógico da formulação do Concílio Vaticano II é fundamental para que as conseqüências soteriológicas da sacramentalidade da Igreja sejam tiradas mutatis mutandis.]

No tradicional discurso à cúria romana que o Santo Padre faz todos os anos por ocasião do Natal, o Papa Francisco proferiu, na semana passada, uma prédica incomumente dura. Dedicou a maior parte da sua fala a enumerar e descrever o que chamou de «doenças curiais», males do espírito que são um obstáculo ao serviço a Deus que todos os católicos – e de modo particularíssimo os membros da cúria – são chamados a desempenhar. O Jornal Nacional não perdeu a oportunidade de dizer que o Papa fez «duras críticas a (sic) cúpula da Igreja»; e, de fato, não há como negar que as suas palavras tenham sido duríssimas! Não me parece possível, no entanto, dizer que a saraivada pontifícia tenha sido disparada «sem piedade».

Primeiro porque “piedade” é aquele dom do Espírito Santo que nos torna leve e agradável o nosso relacionamento com Deus; ou, nos dizeres do Aquinate, aquele «pelo qual, reverenciando a Deus, fazemos o bem para com todos» (Summa I-IIae, q.68, a.4, ad.2). Ora, um exame de consciência – como o que propôs o Papa – é um evidente exercício que se propõe a melhorar a nossa relação com Deus e, portanto, é piedoso no sentido mais católico da palavra.

Segundo porque o Papa em momento algum se exclui dos destinatários de suas duras palavras. É regra de boa pregação aquela história de que o pregador, antes de qualquer outra coisa, deve pregar a si mesmo: e, com Sua Santidade o dizendo explicitamente (v.g. «queria que este nosso encontro e as reflexões que partilharei convosco se tornassem, para todos nós, apoio e estímulo para um verdadeiro exame de consciência»), não me parece possível deduzir que ele se coloque n’alguma posição de alegada superioridade moral para, de lá, apontar um dedo acusador para os outros sem se dar conta de que talvez também a ele caibam [ao menos alguns d]os vícios que ele se esmera em perfilar.

Terceiro, por fim, porque faltam palavras duras na Igreja! Nós o cansamos de dizer e repetir, e quando o Vigário de Cristo abandona as suas características bonacheirices para falar a sério e acerbo vamos, também e ainda, continuar a reclamar? Bem que poderíamos seguir os conselhos do Papa e fazer, para o nosso próprio bem!, um minucioso exame de consciência diante do sacrário. Talvez seja isso o que mais nos falte.

Mas o que me chamou mais profundamente a atenção nas “Felicitações de Natal” foi uma frase de Sto. Agostinho que o Papa Francisco cita lá para o final do discurso: «Enquanto uma parte adere ao corpo, a sua cura não é impossível; pelo contrário, o que foi cortado, não pode ser tratado nem curado».

Isso tem tudo a ver com o que se falava acima, com a Igreja Católica enquanto única Igreja de Cristo, fora da qual não há nem salvação e nem santidade – fora da qual só há os sarmentos secos que não servem senão para ser atirados ao fogo.

Isso tem tudo a ver com aquela concepção da Igreja de Roma como Aquela que sempre esteve disposta a tolerar até onde fosse possível os hereges, a fim de salvaguardar a unidade – em oposição à Igreja do Oriente, que sempre se caracterizou por esfacelar a unidade em defesa da[quilo que cada grupo considera a] Ortodoxia.

Isso tem tudo a ver com aquela visão negativa do então Card. Ratzinger a respeito da excomunhão de Lutero, como se os danos à Cristandade pudessem ter sido muito menores se tivesse sido possível à Igreja manter o monge rebelde sob as Suas asas maternais: e, neste ponto, vejo uma admirável confluência de pensamento entre os dois Papas.

Isso tem tudo a ver, enfim, parece-me, com a maneira com que o Papa Francisco costuma tratar os [que ele julga] equivocados: critica-os, exorta-os, chama-os, transfere-os, até mesmo – vá lá! – humilha-os; mas faz questão de os manter na Igreja, debaixo dos seus olhos: porque sabe que é o Papa e sob o seu cajado é que se forma a Igreja de Cristo, fora da qual as almas não podem ser tratadas e nem curadas. Mais “romanista” impossível.

Os profetas das desgraças podem vir às ruas com as suas chiacchiere: nada poderão dizer contra a concepção bergogliana da necessidade da Igreja, que o Papa Francisco faz tanta questão de alardear ao mundo sempre que tem oportunidade. Podem até acusá-lo de querer fazer a Igreja abarcar promíscua e indiscriminadamente o mundo inteiro: ainda assim, contudo, é a sob o pálio do Sucessor de Pedro que ele quer reconduzir o mundo! E isso já é segurança e tranquilidade suficientes para nós: porque isso – vejam só! – é mais catolicismo do que a maior parte dos inimigos da Igreja está disposta a aceitar.

Curtas

– Mais cartas a favor da sra. Rousseff. Esta aqui, desgraçadamente, é made in Recife. Foi distribuída na UNICAP daqui. Não vou me preocupar com a má qualidade do arquivo porque ela não merece mesmo uma resolução melhor do que essa; dá para ler, e é suficiente.

Cinco padres, uma irmã e um frei subscrevem este lixo, que compara Nosso Senhor a Che Guevara. E, nada surpreendentemente, pedem votos para sra. Rousseff.

* * *

– Jornal Nacional desmente SBT, Lula e Dilma em horário nobre. Vejam o vídeo. E entendam a história aqui.

Como disse uma amiga no Twitter, é vergonhoso ter um presidente que mais parece uma velha fofoqueira e mentirosa. Mas este é o nosso presidente, este o PT que se apossou das instituições públicas brasileiras. Como eu próprio já disse outras vezes, é um dever cívico de todo brasileiro de bem trabalhar para que esta postema seja expurgada definitivamente do cenário político nacional. PT, nunca mais.

* * *

– Para quem ainda não viu: o socialismo petista. Detalhe que o vídeo é do próprio PT.

* * *

– Os guerrilheiros virtuais petralhas começam a divulgar “kits” para agir em redes sociais – Twitter, Orkut, Facebook. Recebi-os por email. São documentos com os textos já prontos para serem copiados-e-colados. Citando só os do Twitter, que são menores:

Pega na mentira: CNBB não assina panfletos nem cartas contra Dilma
http://bit.ly/bl66RV #espalheaverdade

Mas afinal, o que é o PNDH-3? http://bit.ly/arKzkJ #espalheaverdade

Preparem-se para o flood. Sugestão: usem e abusem do “report spam”. Ajudem a banir o petralhismo da internet.

* * *

– GestaPTo petista faz mais uma vítima: desta vez, um senhor de 74 anos! Leiam:

E a violação ao Artigo 5º da Constituição continua a ser praticada na ruas, para escárnio do estado de direito. Um leitor me manda esta nota da Folha da Região, de Araçatuba, interior de São Paulo. Leiam. Volto tempos:

O aposentado E.F.V., 74 anos, foi flagrado ontem na rodoviária de Araçatuba com um panfleto que prega o voto contra a candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT). A Polícia Civil investiga a origem do material.
O aposentado disse que encontrou o panfleto jogado na praça Rui Barbosa. Segundo o boletim de ocorrência, a funcionária pública R.M.S., 39, que trabalha na Prefeitura, teria visto o aposentado com o panfleto na mão.
Ela e colegas de serviço abordaram E.F.V. e ligaram para a Polícia Militar. O aposentado passou mal, foi encaminhado à Santa Casa e depois, liberado. Ele negou envolvimento em crime eleitoral e disse que estava a caminho de sua casa no bairro Nova Iorque.

[…]

[Comentário do Reinaldo]

Notem que o pobre homem estava apenas segurando um folheto, que deve ter achado na rua. Mas foi o bastante para ser denunciado. Como se fazia na Alemanha nazista. Como se faz na Cuba dos irmãos Castro. E, NO ENTANTO, PORTAR OU LER O DOCUMENTO NÃO É CRIME. Onde é que está escrito isso? Não seria o TSE a revogar a Constituição.

E a imprensa se cala diante do absurdo — em Araçatuba, em São Paulo, no Brasil. A minha esperança é que a gente ainda sinta vergonhas desses dias.

E quais os alienados que terão ainda a coragem de dizer que estamos exagerando?

* * *

Ainda o Reinaldo, vejam isto aqui. Um caso de censura na TV pública. Vivemos tempos terríveis. Deus tenha misericórdia de nós.

A cruz e o cocar

Há uns quatro meses, eu escrevi aqui sobre a ordenação episcopal do bispo de São Gabriel da Cachoeira. Estarrecido diante da cerimônia na qual Dom Edson Damian foi ordenado, eu comentei: “Para afastar os maus espíritos, Sua Excelência parece preferir o Yaigê às orações católicas; para ser coroado no dia de sua sagração, Sua Excelência parece preferir um cocar indígena a uma mitra católica. Parece preferir o paganismo ao Evangelho”.

Temo ter estado certo. Em recente reportagem do Jornal Nacional, Dom Damian foi capaz de fazer a seguinte afirmação: “São os índios que estão vivendo como viviam os primeiros cristãos que tinham tudo em comum, nós é que temos que nos converter a eles”. O vídeo está gravado (tem no link), e foi transmitido em cadeia nacional. Vergonha, escândalo: então um bispo católico tem a capacidade de afirmar publicamente que nós devemos nos converter ao paganismo!

E, então, estas tosquíssimas e estapafúrdias declarações de um Sucessor dos Apóstolos são utilizadas para embasar o resto das baboseiras veiculadas na reportagem. “Deus é a natureza, são as árvores, a própria caça, a própria pescaria”, fala um índio ex-padre. “A ideia de que há almas pagãs vagando na floresta e de que elas precisam ser salvas a qualquer custo já não é mais aceita pela direção da Igreja. […] [O novo bispo] veio disposto a rever o conceito de conversão”.

O conceito de “conversão” não pode ser revisto. Simplesmente não pode significar outra coisa que não o abandono dos erros e a aceitação da Fé Católica, a Fé Verdadeira, sem a qual é impossível agradar a Deus e se salvar. Sim, provavelmente ainda há almas pagãs vagando na floresta e, sim, elas precisam ser salvas, porque foi por elas que Nosso Senhor derramou o Seu Divino Sangue na Cruz do Calvário. Que o mundo não saiba dessas coisas, é compreensível. Agora, que não as saiba um bispo católico, sucessor dos Apóstolos, colocado pela Igreja para tomar conta da porção do povo de Deus a ele confiada, é estarrecedor. O que ele dirá, quando o Justo Juiz for lhe pedir contas das almas que foram deixadas sob os seus cuidados?

“Durante quase um século os ritos romanos da igreja tomaram o lugar dos mitos ancestrais” – é o que diz a reportagem. E é o mais frustrante: então a Cruz de Cristo imperou sobre o paganismo durante quase um século e, hoje, todo o trabalho realizado às custas das vidas de tantos bons e zelosos missionários foi lançado por terra. Acho que já falei aqui sobre o obelisco que tem no centro da Praça de São Pedro, e sobre o motivo que me faz gostar sobremaneira dele. É um símbolo pagão, sem dúvidas, mas faz as vezes de despojos de guerra: foi exorcizado, foi colocado diante da Basílica de São Pedro, no alto dele foi colocada uma cruz com relíquias da Cruz de Nosso Senhor e, na base, foi escrito: vicit Leo de tribu Iuda. Venceu o Leão da Tribo de Judá. Venceu a Cruz de Nosso Senhor. Venceu a Igreja Católica. E o paganismo foi derrotado, e está aos pés da Cruz: é o que diz o obelisco da Praça de São Pedro.

Isso, em Roma. Porque aqui, no Brasil, no interior do Amazonas, o paganismo escarnece da Cruz de Cristo. Sob as bênçãos de um sucessor dos Apóstolos de mitra e cajado, ou de cocar e lança, não o sei. Sei que é tremendamente frustrante. Se, em Roma, a Cruz de Nosso Senhor levanta-se acima do obelisco pagão, aqui, em terras tupiniquins, o cocar pagão ergue-se garboso sobre a cabeça de um bispo da Igreja Católica. Que o Deus Altíssimo tenha misericórdia de todos nós.

A Irlanda e a difamação (ou “A endemia abusiva irlandesa”)

Um amigo falou-me de manhã sobre a Irlanda. Disse que tinha visto a reportagem do Jornal Nacional de ontem à noite, sobre os casos de abusos infantis lá ocorridos. Questionou a forma como a notícia fora apresentada no horário nobre da Globo, e trouxe a notícia reproduzida pela Folha de São Paulo (que encontrei online no Diário do Noroeste) sobre o mesmo assunto. Permito-me reproduzir aqui em linhas gerais os seus principais questionamentos, salientando que não assisti ao Jornal Nacional e pedindo a quem o fez que possa confirmar ou negar as seguintes informações:

1. O período ao longo do qual ocorreram os abusos foi superior a 60 anos (da década de 30 até os anos 90), coisa que não teria ficado claro nas reportagens televisivas.

2. Tampouco havia ficado claro na televisão que não se tratavam de escolas “normais”, e sim de espécies de “reformatórios”.

3. Os abusos não eram de natureza exclusivamente sexual, coisa que – mais uma vez – não fora deixada clara na Globo.

Passo, agora, aos meus comentários.

Prato cheio para os inimigos da Igreja de todas as matizes! Uma endemia de maus tratos infantis e de abusos sexuais de crianças perpetrados por padres e freiras, ao longo de seis décadas! Sim, é doloroso, e ninguém o nega. É revoltante, sem sombra de dúvidas. No entanto, são também revoltantes as atitudes de uma certa mídia sensacionalista e descomprometida com a exatidão dos fatos, manipulando as tragédias alheias para semear o ódio e a revolta contra a Igreja de Nosso Senhor.

Repito que os inimigos da Igreja não conseguirão jamais ter uma idéia da dimensão da gravidade dos erros dos sacerdotes do Deus Altíssimo. Lembro-me de que um padre meu amigo mostrava-me, outro dia, um antigo livrinho de meditações para sacerdotes, e a parte que ele lia falava exatamente sobre isso. Citando de memória, era alguma coisa como “repara naquelas atitudes que nos outros são apenas pequenas falhas mas, em ti, são pecados gravíssimos”. Ora, se as pequenas coisas – que podem ser feitas pelas pessoas “normais” sem que isso lhes acarrete grande culpas – mancham gravemente os sacerdotes, quanto mais não os mancharão aquelas coisas que até mesmo entre pessoas sem fé são gravíssimas?

A pedofilia entre os sacerdotes é uma coisa gravíssima, e os não-católicos não têm dimensão do quanto o é. Mas não encontro justificativa para que se manipulem os fatos a ponto de que eles pareçam piores do que já são. Tomo a manchete da notícia para ilustrar o que eu digo: Irlanda teve “abuso endêmico” cometido por padres e freiras, diz comissão. Note-se que a reportagem não traz números (a não ser 200 instituições que teriam recebido 30.000 pessoas durante as seis décadas e meia). Note-se também que há um “detalhe” citado bem en passant na reportagem, que diz que “[q]uando autoridades [do Estado] eram alertadas sobre os problemas, ‘mantinham-se em silêncio'”. Por que motivo a manchete não é alguma coisa como “Governo Irlandês acoberta durante sessenta anos casos de pedofilia”? Note-se também que a reportagem critica os superiores eclesiásticos que transferiam os acusados para outros locais, mas não diz qual seria a outra alternativa já que o Estado, segundo a mesmíssima reportagem, “mantinha-se em silêncio” quando era acionado. Note-se ainda que a reportagem não cita as situações dos outros reformatórios que não eram administrados pelas ordens religiosas, para que seja possível uma comparação.

Enfim, há tanta coisa a ser notada, mas não vou continuar. Para os católicos não importa tanto, porque nada disso tira a gravidade dos fatos e o mal provocado a toda a Igreja por estes membros do clero; nada disso justifica os maus procedimentos de sacerdotes do Deus Altíssimo ou de religiosos consagrados à via da perfeição. Nada justifica. Choremos aos pés da Virgem pelas iniqüidades dos sacerdotes do Seu Filho. Ofereçamos a Deus orações e mortificações em reparação pelos pecados do clero. Que Ele tenha misericórdia de nós todos, e digne-Se conceder-nos santos sacerdotes.

Insistindo sobre o aborto e a excomunhão

Eu corro o risco de ser maçante e repetitivo; mas, enquanto não cessar a onda de ataques à Igreja Católica na figura do Arcebispo de Olinda e Recife, eu não posso me dar ao luxo de parar de falar sobre o assunto. Há coisas novas a serem divulgadas e coisas velhas a serem repetidas. Paciência. Vamos lá.

Para quem ainda não recebeu por email, a carta do pe. Lodi de apoio a Dom José Cardoso Sobrinho é primorosa e merece uma leitura. Está publicada na íntegra no Palavras Apenas (entre outros lugares), razão pela qual me escuso de reproduzí-la também aqui, limitando-me a fornecer o link. Também o Pedro Ravazzano publicou um excelente texto de sua lavra no seu blog, cuja leitura também recomendo, e do qual me permito citar um parágrafo, pois ele rebate uma das maiores mentiras sobre o assunto que estão sendo repetidas ad nauseam (a de que a menina ia morrer – assim, mesmo, dito como se fosse uma certeza dogmática – caso a gravidez fosse levada adiante):

O mundo já presenciou casos de gravidez onde a medicina foi de crucial importância para o nascimento dos filhos. No Peru houve Lina Medina, mãe com apenas cinco anos. Nos Estados Unidos todo mundo acompanhou a orgulhosa matriarca que teve oito filhos. Outra peruana, com nove anos de idade, deu à luz a uma criança prematura que após o parto foi imediatamente tratada pelos médicos. Aqui mesmo no Brasil uma garotinha da mesma idade pariu em no meio da Amazônia. Ou seja, a medicina tem plena capacidade e tecnologia para acompanhar uma criança grávida de gêmeos e fazer com que tenha seus filhos com saúde e sem risco imediato de vida.

Sobre o mesmo assunto (da morte certa e inevitável da garota caso o aborto não fosse prontamente realizado), vale a pena (re)ler o parecer da dra. Elizabeth Kipman, bem como esta carta a uns professores da UFPE, escrita por um amigo, da qual eu já citei um trecho aqui e, agora, destaco:

Até que alguém me prove o contrário, a gravidez da menina era cientificamente viável. Todos nós sabemos que a medicina é imprevisível, e é assim como devemos encará-la. E na minha opinião, a conduta correta deveria ser esperar a evolução do caso, acompanhar de forma contínua a gravidez, e induzir o parto se necessário, sempre procurando SALVAR VIDAS, que é a verdadeira atribuição da medicina.

Agora, o blá-blá-blá anti-clerical. O Diário de Pernambuco trouxe uma reportagem sobre as feministas contrárias à posição da Igreja; os motivos alegados não têm nada a ver com nada. Dizem estas senhoras que “o tipo de aborto feito na menina foi legal e está previsto em lei”, quando isso (além de ser falso) não está, absolutamente, em discussão. Os “médicos” que realizam abortos (p. ex.) nos Estados Unidos, ainda que o procedimento seja 100% legal, incorrem em excomunhão latae sententiae do mesmo jeito, porque o assassinato não deixa de ser assassinato só porque tem amparo legal (como, por exemplo, as Leis de Nuremberg não faziam com que o anti-semitismo fosse justo). Dizer o contrário disso é cair em um positivismo relativista, que só pode conduzir à barbárie.

Registro, outrossim, que as feministas estão se aproveitando do caso para fazer propaganda a favor do aborto livre no Brasil em qualquer caso: “o fato poderia ter tido um final diferente se o Estado brasileiro reconhecesse e legalizasse o aborto”.

O que a legalização do aborto tem a ver com a excomunhão da Igreja? Absolutamente nada. Portanto, se o aborto fosse legalizado – nunca é demais repetir -, os médicos que o realizaram estariam excomungados do mesmíssimo jeito (aliás, não dizem as feministas que este tipo de aborto já é legal?). O protesto das feministas só faz sentido se se estiver desejando a implantação do aborto livre no país – o que é exatamente o que elas desejam.

O site do Jornal Nacional tem uma enquete nonsense sobre o assunto, na página principal, perguntando: “O que você achou da decisão do arcebispo de Olinda e Recife, que excomungou os envolvidos no aborto sofrido por uma menina de 9 anos, que engravidou de gêmeos após ser violentada pelo padrasto?”. Os resultados atuais estão aqui. A pergunta é duplamente errônea, primeiro porque não houve “decisão” do Arcebispo de “excomungar” ninguém (dado que a pena de excomunhão para quem pratica aborto, como já cansamos de repetir, é automática) e, segundo, porque o que as pessoas “acham” ou deixam de achar sobre o assunto não tem nenhuma relevância, posto que se trata de um assunto interno da Igreja – a opção que diz “[e]rrada, pois a lei permite aborto em casos de estupro” é um completo disparate.

Por fim, o ministro do Supremo Marco Mello – tinha que ser ele – disse que o STF não tinha medo da excomunhão da Igreja. Aviso ao senhor ministro que a excomunhão automática se dá para quem pratica aborto, ocorrendo “seguindo-se o efeito”; por conseguinte, a questão não é análoga à ocorrida em Recife. Caberia, na minha opinião e salvo melhor juízo, aos ministros votantes a favor do aborto, uma excomunhão ferendae sententiae, isto é, imposta pela autoridade competente (que seria, de novo s.m.j., o(s) bispo(s) da(s) diocese(s) à(s) qual(is) pertence(m) cada um dos ministros), e não automática como a dos médicos de Recife.

Abre a boca ainda o senhor ministro para dizer que “[a] lei maior é a lei posta pelos homens e é a que norteia o julgamento dos processos”; ora, a proscrição da Lei Natural e a adoção do positivismo bruto está longe de ser uma princípio evidente. Isso não faz parte do Estado Laico: isso é uma ideologia professada por militantes anti-religiosos, e que é criminosa por ser profundamente injusta, já que instaura uma “lei do mais forte” onde o certo e o errado depende de quem está no poder. Bem disse o Yves Gandra Martins que, no Brasil, quem crê em Deus é um cidadão de segunda categoria