“Sua palavra revela uma sólida coerência” – Marcos Aguinis (judeu)

[O texto abaixo é do lanacion.com, e um amigo fez a gentileza de o traduzir. É da autoria de um judeu e foi publicado no dia seguinte ao da eleição do Papa Francisco. Mostra a forma como os não-católicos vêem o Papa, e pode nos ajudar a entender os desafios que o Santo Padre precisará enfrentar para além das fronteiras da Igreja Católica; as palavras do judeu revelam as expectativas que os não-católicos têm para com o Vigário de Cristo. É um texto singelo e agradável que merece ser lido, mormente neste turbilhão de acusações contra o Papa – vindas de todos os lados! – que estamos atravessando. No mínimo, é uma insuspeita homenagem ao Card. Bergoglio; os que reclamavam de falta de virtudes humanas no Papa Francisco talvez mudem de idéia ao lerem estas elogiosas palavras dirigidas a ele por alguém que o conheceu sem comungar da sua Fé.]

Sua palavra revela uma sólida coerência

Por Marcos Aguinis (La Nacion)
http://groups.yahoo.com/group/aguinis/message/234
Tradução: Garcia Rothbard

Nós, que tivemos o privilégio de manter conversações profundas com monsenhor Jorge Bergoglio, podemos confiar que sua eleição foi uma ótima escolha. O mundo, a América Latina e a Igreja caminham por um corredor cheio de perigos. Fazem falta líderes que reúnam virtudes diferentes das que seduzem demagogicamente as massas. Em vez de gritos, o diálogo. Em vez da força, a carícia. Em vez do confronto, a aproximação. Em vez do fanatismo, a racionalidade.

Jorge Bergoglio tem exibido essas qualidades por sua longa e produtiva carreira. Mostrou ser valente sem agredir, ser perseverante sem obcecar-se. Sua formação jesuítica e sua mentalidade aberta fizeram dele um dos homens mais cultos e confiáveis da hierarquia católica argentina.

Ele não hesitou em se manifestar com clareza sobre temas perigosos. Sem cair em ofensas estéreis, ele tem atacado os que abusam de seus concidadãos. Sua palavra oral, gestual e escrita revela uma sólida coerência. É o melhor para estes tempos carregados de confusão e mentiras.

Este momento me recorda a eleição de João XXIII, a quem tive a honra de conhecer pessoalmente. Não parecia ter a elegância, a majestade nem a firmeza de seu predecessor, Pio XII. Mas alguns valorizavam os antecedentes que poucos conheciam, como por exemplo seu arriscado confronto com os nazistas enquanto foi núncio na Turquia.

Sua bonomia não antecipava a revolução que iria empreender, chamada Concílio Vaticano II. Durante seu breve reinado deu um impulso formidável à Igreja.

Jorge Bergoglio asume com o nome de Francisco. Suponho que seu coração vibra com a associação com Francisco de Assis, um homem de aparência e atitudes mansas, mas de caráter imbatível. Um homem que conhecia a pobreza e rejeitava as honrarias. Que se atrevia a enfrentar obstáculos.

Hoje em dia, a um papa o aguardam vários problemas, todos difíceis. Não dispõe de tempo para se dedicar a um por vez. Precisará de esforço e serenidade. De convicções firmes. Na Igreja se multiplicaram os atos de corrupção. Mas a vida inatacável que exibe este resplandecente papa nos faz intuir que será metódico em derrubar os obstáculos.

Têm uma virulência corrosiva os problemas econômicos, políticos e morais. Serão enfocados com atenção especial por alguém que não cessa de denunciá-los. Que conhece muito bem de que se trata, como já o deixou entrever em seus serenos e, ao mesmo tempo, vigorosos pronunciamentos. É possível que produza golpes inesperados. Na maior parte do mundo segue prevalecendo a pobreza, que é usada por líderes inescrupulosos para ganhar poder.

A pobreza pode ser diminuída, como mostram vários países. Mas pode aumentar ou se manter estável, como mostram outros países. Basta dar uma olhada a nosso continente para perceber que alguns de nossos vizinhos estão conseguindo diminuí-la, enquanto outros só a usam, anestesiando aos pobres com esmolas que se convertem em votos. Bergoglio denunciou isso em várias oportunidades. Sabe muito bem, por sua experiência argentina e latino-americana, que a pobreza aumenta com os autoritarismos. Não é por acaso que muitos políticos corruptos tenham se esquivado sistematicamente de seus sábios sermões.

Francisco é também, de agora em diante, um chefe de Estado. Em consequência, seu trabalho se estende ao campo da política internacional. Um papel extraordinário teve João Paulo II ao contribuir na queda do totalitarismo soviético. Também foi maravilhosa sua obra destinada a consolidar os ideais do pluralismo. Não resulta difícil observar que as qualidades de João XXIII e João Paulo II estão presentes no temperamento e na biografia de Jorge Bergoglio.