Foi somente hoje que tomei conhecimento de que uma jornalista italiana, fingindo-se de penitente católica, frequentou confessionários, contou histórias inventadas, gravou tudo e depois publicou as conversas que teve com os sacerdotes católicos que a atenderam. A história se reveste de uma malícia assustadora por algumas razões.
É de uma falta de respeito desmedida para com um ritual que os católicos têm por sagrado, antes do mais. Ninguém precisa da Fé Católica e Apostólica para entender o seguinte: para se aproximar de um sacramento, ao qual os católicos atribuem o poder de perdoar os pecados, contando premeditada e deliberadamente uma mentira – i.e., uma coisa que a Doutrina Católica classifica como «pecado» – com o intuito de redigir uma matéria sensacionalista, é preciso um profundo desprezo pela sensibilidade religiosa alheia.
Isso não é uma coisa, insista-se, que para se evitar seria necessário possuir convicções religiosas profundas. É questão de capacidade básica de convivência social, onde um mínimo respeito às convicções dos outros é exigido para evitar a multiplicação de conflitos desnecessários. Que ninguém invente, aqui, de dizer que os católicos são uns intolerantes que estão a exigir de todo mundo que se comporte em conformidade com as suas – dos católicos – crenças! Porque o que se percebe com clareza é que o anticlericalismo moderno – do qual o caso aqui em análise é paradigmático – atingiu assustadores limites de falta de noção.
Porque – é outra coisa que salta aos olhos quando tomamos contato com a matéria – parece que a sra. Alari não vê o menor problema nem com o sacrilégio bárbaro que cometeu, nem com as ulteriores reações que se lhe seguiram. Ela age como se não tivesse feito nada demais e como se as críticas enérgicas de personagens tão díspares quanto o Arcebispo de Bologna e a Ordem Profissional Italiana de Jornalistas não fossem dirigidas a ela, não lhe dissessem respeito. Um sociopata não demonstraria mais desdenhosa indiferença pelo seu entorno.
Se a maneira de obter a matéria já enoja, o seu conteúdo é de estarrecer. O único texto primário sobre o tema que encontrei foi esta postagem (da semana passada) do blog di Laura Alari. Aqui não há a história completa; trata-se, simplesmente, de um texto que trata – é o título – sobre a ida ao confessionário no papel de uma divorciada recasada que pede para receber a Comunhão Eucarística. O post é somente a transcrição do diálogo, particularmente macabro, entre Don Marco e a personagem que a Laura interpreta.
“Eu comungo sempre que vou à Missa. O senhor julga que cometo um pecado assim tão terrível?”. O padre, de início, não o nega taxativamente; mas a sua tergiversação quase equivale a uma negativa tácita, como que preparando o terreno para o que virá à frente: “Você faz uma coisa que a Igreja diz para não fazer”.
O começo da conversa parece animador. “Se vocês vivem como irmãos e irmãs não há problema”, diz o padre. Corretíssimo. “Verifique se não há razões para que o seu primeiro matrimônio tenha sido nulo”. Perfeitamente. Poderia ter terminado por aqui – quantas graças o bom Deus não deve ter concedido ao padre para que ele calasse a boca neste instante trágico! Mas Don Marco, infelizmente, não conseguiu se conter. As graças atuais passaram. E o padre continuou por conta própria: “Estou lhe dizendo o que a Igreja pede, mas no final é você que deve escolher”.
Silêncio. O padre acrescenta: “Se duas pessoas divorciadas decidem passar juntas o resto de suas vidas, eu não vejo nada de mal; antes é uma coisa positiva. Ainda mais porque, no caso de vocês, estamos falando de pessoas maduras envolvidas em um relacionamento sério, fundado sobre sentimentos verdadeiros; quem já sofreu uma vez não torna a fazer as coisas com superficialidades”. Isso é serviço que preste um Sacerdote do Deus Altíssimo no Tribunal Sagrado da Penitência Sacramental?
“Se falamos de sacramentos, é claro que, na minha posição, eu não direi nunca que tu podes receber a comunhão, uma vez que a Igreja reconhece apenas um Matrimônio. Mas tampouco te direi, jamais, que não podes recebê-la”. “Por quê?”, pergunta a incrédula. “Porque quando a vida acaba nós não nos pomos diante da Igreja, mas sim de Deus, e é a Ele que prestaremos contas de nossas ações”.
O padre ainda pergunta o que aconteceria se, no próximo Sínodo da Família, as coisas mudassem. “Não acontecerá!”, ele garante em seguida. “Mas, ainda que acontecesse, todos nós continuaríamos sendo as mesmas pessoas, com a nossa história particular a colocar diante do Bom Deus”.
“Mas padre,” – insiste por fim a mulher – “isto é andar contra as regras da Igreja”. E a cereja do bolo: “Isso tudo que estou dizendo não significa infringir as regras nem diminuir o problema. Em vez disso, significa olhá-lo de frente e lidar com ele de outros pontos de vista, que é o que estou tentando fazer: oferecer a você outras perspectivas”. Fim de post. Cai o pano. La commedia è finita; la tragedia tuttavia sigue.
Vistas as coisas em seu conjunto, a insistência de Don Marco em dizer à falsa penitente que não comungue não passa de uma piada de mau gosto, de uma hipocrisia farisaica grosseira. Afinal, dizer que a Igreja lhe manda não comungar ao mesmo tempo em que tenta por todos os meios persuadir-lhe de que isso não tem tanta importância – não deve ser levado tão a sério assim… – uma vez que i) a situação dela é linda e maravilhosa, ii) cada um deve agir de acordo com a própria consciência, iii) no final não prestaremos contas a Igreja mas sim ao Bom Deus e iv) oferecer outras perspectivas para enfrentar o problema não significa ir contra as regras (?), outra coisa não significa que desdizer indiretamente o que, contudo, algum formalismo meramente protocolar ainda manda dizer com todas as letras. O que vale, o que fica, não é o que confessor diz, e sim o que ele insinua. Qualquer pecador reticente o perceberia sem nem mesmo precisar de que o padre falasse tanto.
Ao sacrilégio da jornalista segue-se, de maneira terrível, esta horrenda prevaricação de um sacerdote da Igreja…! Que o Altíssimo tenha misericórdia de nós. Sim, a sra. Alari não faz a menor idéia do que significa o Sacramento da Confissão para os católicos, como se dizia acima. É verdade. Contudo, a julgar pelo que acabou de se ver, nem o reverendíssimo pe. Marco o sabe – e este caso é muito, muito mais grave do que o primeiro.