Os inimigos da Igreja já começaram a fazer barulho contra o acordo assinado entre a Santa Sé e o Brasil na primeira metade do mês. O alarde que está sendo feito é descabido, e baseia-se principalmente em dois pontos: (1) a ausência de debate público prévio sobre o acordo e (2) a (suposta e inexistente) concessão de privilégios à Igreja Católica que feririam a laicidade do Estado.
Quanto ao primeiro ponto, sim, não houve “debate público” sobre o assunto, por uma série de motivos. Antes do mais, o conteúdo do acordo, no decorrer das negociações, era sigiloso; depois, o “debate público” não é conditio sine quae non para toda e qualquer atitude que a União deseje tomar; por fim, o acordo jurídico tem como objetivo regulamentar uma coisa que obviamente já existe de facto desde sempre, qual seja, a presença da Igreja Católica no Brasil.
Não há nenhum problema intrínseco com o sigilo. O Observatório da Imprensa falou em “omissão da mídia sobre o acordo com o Vaticano”. Interessante que a mesma matéria, no parágrafo seguinte, fala que “há exatos dois anos tornou-se público que a Santa Sé pressionava o presidente Lula para assinar um acordo bilateral (tratado ou concordata), ameaçando o princípio da laicidade, o que ocasionou reações fortes e justificadas de amplos setores”; ora, se o assunto era já conhecido há dois anos, e se fez com que “amplos setores” reagissem fortemente, então não se pode falar em “silêncio obsequioso”. Nenhum acordo foi feito às ocultas e nem por debaixo dos panos; as negociações necessárias para que o acordo obtivesse o texto final que foi aceito bilateralmente arrastaram-se ao longo de anos. Se o conteúdo dessas negociações era sigiloso (como, de fato, até onde eu saiba era), isso é bem diferente de insinuar que a existência do acordo tenha sido mantida encoberta até a sua assinatura.
A questão do debate público é que parece cômica. Diz a mesma reportagem supracitada que “[d]eixaram de ouvir fontes respeitáveis, que têm importantes e diversas contribuições a oferecer: minorias religiosas, em sua imensa diversidade no Brasil, monoteístas e politeístas, ateus e agnósticos; defensores e defensoras dos direitos sexuais e reprodutivos; movimento de mulheres e dos setores GBLTT; grupos acadêmicos dedicados ao estudo do Estado laico; associações científicas; e defensores da liberdade de expressão, para citar apenas alguns segmentos”. Agora, digam-me: que raios de contribuições importantes têm a oferecer as minorias religiosas, os ateus e os agnósticos, os defensores das depravações sexuais e do assassinato de crianças inocentes et caterva a um acordo que se propõe a regulamentar a situação jurídica da Igreja Católica no Brasil? Ao invés de fazer baderna e espernear, valeria muito a pena ler a íntegra do acordo assinado, que nada tem a ver com nenhuma dessas “fontes respeitáveis” que, segundo o Observatório da Imprensa, deveriam ter sido ouvidas. O acordo não regulamenta as associações científicas, nem os ateus e agnósticos, nem legisla sobre (inventados) direitos sexuais e reprodutivos, e nem nada disso. Refere-se ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, e nada mais. A Igreja Católica é parte interessada neste assunto e, a União, a outra parte. O resto é conversa fiada.
Vale a pena lembrar que a Igreja Católica existe no Brasil – isto é um fato – e, segundo me consta (corrijam-me os mais versados em Direito), Ela Se encontrava em uma situação anômala desde a promulgação do Novo Código Civil em 2002, onde o único lugar onde Ela talvez “Se encaixasse” era como pessoa jurídica de direito privado, ao lado de associações, sociedades, fundações e partidos políticos (!). É evidentemente necessário que a Igreja Católica, realidade singular e incomparável, existente de facto no Brasil, tenha também um reconhecimento de iure pelo Estado Brasileiro.
Quanto à suposta concessão de direitos à Igreja Católica que seriam inconstitucionais, basta ler o texto do acordo para verificar que isto não existe. Este blog chegou a falar, dada a evidente inexistência de quaisquer privilégios ilegais concedidos à Igreja, que o risco estaria… nas entrelinhas! Ora, então a mídia anti-católica quer mobilizar a opinião pública (inclusive já tem até uma petição contra a ratificação do acordo) contra um acordo evidentemente necessário, legalmente negociado e já assinado pelas partes interessadas, apenas com base em um suposto risco que estaria nas entrelinhas do texto? É impressionante como a falta do que fazer é matéria fértil para que os desocupados se dediquem com afinco às suas fantasias e seus devaneios desconexos da realidade.
Quanto à refutação dos “riscos entrelinhados”, fique-se num só exemplo, pois é um dos pontos mais importantes do acordo. Trata-se do artigo 16.
Vínculo não-empregatício de padres, freiras, e todo o pessoal que faz trabalho voluntário para a igreja católica (artigo 16) – Este item exime formalmente o Vaticano de cumprir com as obrigação frente às leis trabalhistas brasileiras. Dada a gravidade do privilégio, seria no mínimo necessário clarear o entendimento sobre a extensão desta cláusula.
A necessidade desta cláusula é bastante óbvia: impedir que ocorram coisas análogas ao que vem acontecendo com as igrejas protestantes, onde os ex-pastores pedem indenizações às suas ex-igrejas pelos “serviços prestados” conforme as leis trabalhistas vigentes no Brasil. Imaginem um sacerdote “largar a batina” e, ainda por cima, desejar ser indenizado pelo tempo que esteve a serviço da Igreja! Não encontrei dados sobre casos do tipo no Brasil, mas é óbvio que o vínculo entre um padre e uma paróquia não é trabalhista nos moldes da CLT e, sendo assim, nada mais justo que isso esteja expressamente disposto em algum lugar.
Fica claro, portanto, que as queixas dos que estão fazendo alarde e reclamando do acordo assinado entre a Santa Sé e a República do Brasil carecem de embasamento; quanto ao primeiro ponto, a exigência é descabida e, quanto ao segundo, a acusação é inexistente. Como as queixas não têm cabimento, procuram eles fazer muito barulho, na tentativa de que a profusão deste possa suprir, sob alguma ótica irracional, a completa inexistência daquele. Não nos furtemos, pois, ao debate público que eles desejam, e respondamos aos críticos com firmeza e propriedade. E rezemos, para que tal acordo possa dar frutos o quanto antes e a Igreja Católica possa mais facilmente cumpria a Sua missão divina nesta Terra de Santa Cruz.