Riquezas do Catolicismo: consciência das próprias misérias

Acho que é de Chesterton a frase segundo a qual tornar-se católico é o único meio que o ser humano tem de escapar à condição de ser escravo do seu tempo. Ao converter-se à Igreja Católica todo fiel coloca-se, imediatamente, sobre os ombros de vinte séculos de humanidade, e adquire uma visão de mundo de um tal alcance que não seria capaz de obter de outra maneira.

Isso tem incontáveis implicações. Uma delas — fundamental, aliás, para qualquer processo de conversão sério — é notar que não existe nenhum pecado que não seja alcançado pela misericórdia de Deus. Nenhuma ofensa, por grande que nos pareça, é capaz de oferecer obstáculo verdadeiro à Graça alcançada por Cristo na Cruz do Calvário; não existe nenhum pecado que não possa ser verdadeiramente remido (e faço um parêntese: é por isso que rezamos, no Símbolo Apostólico, que cremos “na remissão dos pecados”, remissão verdadeira e própria, i.e., extinção, aniquilamento, destruição, desaparecimento. Isto é muito mais forte do que “ficar quite” após o cumprimento de uma pena: a remissão dos pecados é o fim da própria dívida que implicava na pena); não existe, dizia, nenhum pecado que não possa ser perdoado pelo Deus que é Todo-Poderoso exatamente para cancelar a paga que, por dívida de justiça, incumbe-nos prestar pelo mal que praticamos.

Não há pecado algum que não possa ser perdoado: esta é uma verdade que nos deve reconfortar. Mas a ela corresponde uma outra verdade, infelizmente menos lembrada mas nem por isso menos verdadeira, e que deveria nos fazer vigilantes e cuidadosos: do mesmo modo que não há pecado que não possa ser perdoado, não há também pecado, por grave que seja, que não possa ser cometido. Ninguém está imune a ofender a Deus! Ao contrário até: se não o fazemos, é porque Ele nos sustenta com a Sua Graça. Se não fosse por Ela, se Ela nos faltasse um instante sequer, pereceríamos verdadeira e miseravelmente, sem que nada pudéssemos fazer.

A tradição da Igreja é rica neste tipo de meditação, desde a advertência paulina (qui se existimat stare videat ne cadat — “quem julga estar de pé cuide para que não caia”, 1Cor 10, 12) até, por exemplo, esta eloquente passagem de S. Luís de Montfort que sempre me pareceu comovente:

Ah! Quantos cedros do Líbano, quantas estrelas do firmamento não têm-se visto cair miseravelmente e, em pouco tempo, perder toda a sua elevação e claridade! Donde proveio esta estranha mudança? O que faltou não foi a graça, que não falta a ninguém, foi a humildade. Julgaram-se mais fortes e mais capazes do que eram; julgaram que podiam guardar os seus tesouros. Fiaram-se e apoiaram-se em si mesmos. Acharam a sua casa bastante segura e os seus cofres bastante fortes para guardar o precioso tesouro da graça.

Tratado da Verdadeira Devoção, 89

Somos fracos, ainda que não o experimentemos, ainda que as pessoas que nos são próximas não o sejam capazes de perceber. Temos no nosso interior o desejo do infinito, sim, e uma capacidade extraordinária de abertura à graça de Deus; mas temos também, inafastavelmente, o poder de pecar, a capacidade da mesquinharia, a possibilidade da traição vil e covarde, a aptidão para os mais horrendos pecados. Tal consciência é uma riqueza da experiência cristã multissecular, parte do tesouro atemporal que se recebe ao tornar-se católico.

Eu pensava em tudo isso quando li esta matéria sobre um senhor de 67 anos que matou, decapitou e cortou os dedos da mulher com quem era casado há 37 anos. Esta espécie de crime bárbaro a gente costuma imaginar que é praticado por monstros, por doentes mentais, por pessoas cujos valores são totalmente diversos dos nossos; não parece ser o caso do sr. Jair. Pela história que foi contada não se tratou de nada minimamente premeditado: após uma briga, ele empurrou a mulher que «bateu a cabeça no chão e, por conta do ferimento no crânio, acabou morrendo». Naquele momento, «[d]esesperado», ele «decidiu decapitar a mulher e cortar as pontas dos dedos das mãos da vítima, para dificultar a identificação por parte da polícia»; na delegacia, ao relatar o seu desaparecimento, acabou entrando em contradições e, pressionado, terminou por confessar o crime.

Eu li a história e ela não me pareceu somente uma desculpa fajuta de um criminoso inveterado; talvez pelos cabelos brancos do idoso, pelos seus muitos anos de casamento, pela reação do filho do casal… não sei ao certo, mas acreditei no relato. E me parece, sim, que o sr. Jair está sofrendo, intimamente, as conseqüências das suas atitudes. Isso o torna mais humano. E isso nos torna, a todos nós, humanos miseráveis, mais próximos dele. E também ele, por mais inquietante que isso nos pareça, mais próximo de nós.

Quantos cedros do Líbano não têm caído por terra…! “Bom marido”, quase quatro décadas de casado, cabelos brancos, bons antecedentes. Que ninguém se julgue bom demais, perfeito demais, evoluído demais, auto-suficiente demais. Não o somos, e a realidade nos grita aos ouvidos, o tempo inteiro, que não o somos. Há sempre espaço para o arrependimento — esta é a grande maravilha da misericórdia de Deus! Mas há também sempre espaço para a queda. O demônio anda à nossa espreita, procurando nos devorar…! Tomemos cuidado. Vigiemos, que são muitos os melhores que nós que já caíram em suas garras.

Por quê, afinal de contas, um Deus amoroso criou o Inferno?

Recentemente, iniciou-se uma interessante discussão no Deus lo Vult! a respeito da existência real (e eterna) do Inferno, bem como da sua compatibilidade com a noção de um Deus justo e amoroso. Como o assunto vez por outra surge aqui e em outros lugares, vale talvez a pena buscar sistematizá-lo um pouco.

Basicamente, as objeções dos incréus são duas:

a) é totalmente desproporcional impôr uma punição infinita por uma ofensa finita; e

b) um Deus amoroso não poderia torturar eternamente um Seu filho no inferno.

É até possível respondê-las por via direta. Assim, parece-me que a apologética tradicional tem se esmerado por mostrar a) que uma ofensa à majestade infinita de Deus não é “finita” e sim infinita, uma vez que a gravidade da ofensa mede-se, também, pela dignidade do ofendido (e assim, v.g., um mesmo murro que eu desferisse contra três homens diferentes seria gradativamente mais grave conforme o esmurrado fosse um jovem colega de trabalho, um ancião ou o meu pai) – e a justiça exige alguma proporção entre crime e castigo. Do mesmo modo, b) Deus é amor mas é também, em igual – e infinita – medida, justiça, e é precisamente o amor d’Ele que permite aos Seus filhos optarem por O renegar; de modo que, rigorosamente falando, é possível dizer, em alternativa a “Deus condena as almas ao tormento eterno”, que “as almas rejeitam a Deus e se condenam, portanto, à separação definitiva d’Ele”.

Mas fica parecendo que essas coisas não se compreendem perfeitamente quando não se tem uma noção clara dos seus fundamentos: dito de outra maneira, as perguntas acima estão mal-formuladas. O que importa, na verdade, não é que Deus tenha criado o Inferno, e sim que Ele tenha feito homens livres e, portanto, capazes quer de mérito, quer de culpa. Quando se entende isso com todas as suas necessárias consequências, todo o resto do quebra-cabeça se encaixa sem maiores dificuldades intelectuais.

O que é ser «livre»? É poder ser responsabilizado por suas escolhas e, por conseguinte, ser por elas premiado ou castigado. É evidente que a liberdade humana não é “absoluta” porque o seu conhecimento é limitado e a sua vontade é fraca; isso não está em discussão. O fato é que existe alguma liberdade no homem e, portanto, em alguma medida ele é capaz de mérito ou demérito, de prêmio ou de castigo.

 «Mérito» e «culpa» estão aqui empregados no sentido mais direto de um prêmio devido por uma ação moralmente virtuosa e uma punição imposta em consequência de uma atitude moralmente condenável. As duas coisas estão em estreita relação de mútua dependência: uma vez que ambas dependem daquela liberdade fundamental de optar pelo bem ou pelo mal, não é possível haver mérito se não existir possibilidade de culpa (uma vez que a virtude de uma escolha reside precisamente na rejeição à possibilidade de se fazer a escolha oposta – caso contrário, não haveria liberdade verdadeira) e não é possível existir culpa se não houver possibilidade de mérito (vice-versa). Ambas emanam, direta e imediatamente, da liberdade humana: só há mérito/culpa porque há liberdade e, se há liberdade, há também e necessariamente mérito e culpa.

A raiz, portanto, do prêmio e da punição está na liberdade humana, é-lhe inerente e, aliás, faz parte da sua própria definição: ser livre é ser responsável por seus atos, e ser responsável por seus atos é ser capaz de receber, por eles, retribuições positivas ou negativas. Se qualquer um desses três termos – liberdade, mérito e culpa – deixasse de existir, os outros dois cessariam de haver no mesmo exato instante. Ou os três existem, ou não existe nenhum. Por definição. Não dá para ser diferente.

Ora, qual a característica central da Criação de Deus no que concerne ao ser humano? É que Ele nos fez à Sua imagem e semelhança, i.e., fez-nos dotados de inteligência e de vontade, de livre-arbítrio, fez-nos capazes de mérito e culpa. E a liberdade é um bem: por isso que Deus a criou. E é um dom precioso, preciosíssimo: por isso é que foi por amor a nós que Ele no-lo concedeu. E o livre-arbítrio nos foi concedido para que optássemos por Deus. Se há homens que optam livremente por O rejeitar, aí já é uma coisa cuja possibilidade – pela própria natureza da liberdade humana – não pode ser afastada.

E quanto ao Inferno ser eterno? Ora, só há duas opções: ou a capacidade humana de ganhar méritos e acumular culpas – de ser premiado e castigado – cessa em algum momento, ou ela não cessa jamais, et tertium non datur. Se ela cessa em algum momento (v.g. com a morte – é a posição católica), então as pessoas que estão no Paraíso nele não podem mais pecar para o perder e, pela mesma razão, as que estão no Inferno não podem se arrepender para de lá sair. E, se ela não cessa em momento algum, então não deixará jamais de haver culpas a serem expiadas, posto que sempre haverá novos pecados em almas eternamente capazes de pecar. Em qualquer dos dois casos, portanto, o Inferno precisa ser eterno. A diferença é apenas se algumas pessoas ficarão lá de uma vez por todas ou se todas as pessoas ficarão eternamente entrando e saindo de lá. Olhadas as coisas por esse ângulo, não parece que a segunda hipótese seja melhor do que a primeira, não é verdade?

Vez por outra me perguntam por que raios Deus colocou a árvore do conhecimento do bem e do mal no meio do jardim do Éden, onde Adão poderia facilmente alcançar-lhe os frutos. Ora, os pais terrestres mantêm as facas de cozinha e os produtos químicos fora do alcance das suas crianças: por que motivo Deus, Pai Perfeitíssimo, fez exatamente o contrário disso com Adão e Eva? A resposta é que Adão e Eva não eram crianças sem uso da razão, e sim seres humanos inteligentíssimos e extremamente aptos, adultos capazes de auto-determinação. Eles não comeram do fruto proibido como uma criança que se machuca sem querer com uma tomada, mas exatamente ao contrário: o Pecado Original foi cometido livre e deliberadamente, com plena consciência e manifesta vontade. É exatamente por isso que é pecado.

E por quê, ainda, Deus permitiu que os nossos Primeiros Pais tivessem a possibilidade de cometer uma coisa tão horrenda como o Pecado? Por tudo o que já se disse até aqui, a resposta é imediata: porque Deus os amava e, amando-os, queria premiá-los com a participação na Sua Eterna Bem-Aventurança a título de mérito, e para que os homens merecessem (na medida contingente de sua natureza de criatura) a Vida Eterna era necessário que eles pudessem, ao mesmo tempo, rejeitar a oferta de Deus. Liberdade, mérito e culpa existem sempre e necessariamente os três juntos, lembremo-nos. Eis aqui, pois, nascidos ao mesmo tempo, de um mesmo gesto de liberalidade divina, o livre-arbítrio, o Céu e o Inferno.

Num dos primeiros cantos (o terceiro, se a memória não me falha) da Comédia de Dante, o poeta coloca no frontispício da porta que conduz às profundezas do Hades uma inscrição que diz ter sido o Amor Supremo quem criou o Inferno. E foi exatamente isso o que aconteceu: foi por Amor que Deus criou os homens livres, e é da liberdade humana que decorre a possibilidade de amar a Deus ou de O rejeitar, de ir ao Céu ou ao Inferno. O verso do poeta é perfeito, e não significa que um sadismo divino criou, para próprio capricho, arbitrariamente, um lugar para torturar os homens: não, nada disso. Significa, isso sim!, que o Amor queria premiar os homens com a Vida Eterna – e, para que tal fosse possível, por uma necessidade imperiosa daquilo mesmo que essas palavras significam, era necessária esta porta pela qual se pode chegar à morada das dores. Uma vez que se entenda isso, aquelas objeções iniciais deixam de fazer sentido; e, em contrapartida, sem que se compreenda a história completa, nenhuma explicação parcial da justiça do Inferno é capaz de convencer.

Por que não deixar “as pessoas fazerem o que quiserem”?

Um leitor fez o seguinte comentário aqui no Deus lo Vult!:

eu sou a favor do livre arbítrio.. quem quiser abortar, aborta! acho que o pai e a mãe tem que decidir se querem ou não viver uma vida infeliz cuidando de uma criança que obviamente será inútil e morrerá quando o sentimento por ela já estiver imenso. larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.

Ora, é completamente sem sentido apelar para o “livre-arbítrio” quando se está falando de eliminar uma vida humana inocente. Todo mundo é a favor do livre-arbítrio, é lógico; mas defender determinado emprego do livre-arbítrio que redunde em dano injusto a um bem de um terceiro, aí já é coisa que não faz sentido algum.

Apliquemos o mesmo “racio-símio” a outros tipos penais previstos no ordenamento brasileiro:

  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser assaltar, assalta! Acho que o assaltante tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser sequestrar, sequestra! Acho que o sequestrador tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser desviar dinheiro público, desvia! Acho que o corrupto tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser cometer qualquer crime, que cometa! Acho que o criminoso tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.

O “argumento”, como se pode ver, é completamente insustentável. A gente só pode advogar o direito à liberdade quando o seu exercício estiver direcionado para coisas em si mesmas boas ou pelo menos neutras. Antes, portanto, de se dizer “a favor do livre arbítrio” para o aborto, é preciso demonstrar que o aborto, considerado em si mesmo, é moralmente bom ou, pelo menos, indiferente. Sem enfrentar essa questão em primeiríssimo lugar, “hipocrisia” é querer aplicar aos opositores a pecha de estarem querendo violar o sacrossanto livre-arbítrio de outrem. Aqui, não!

[A mesma situação, aliás, poderia ser também resolvida simplesmente dizendo: ok, que cada um tenha o livre-arbítrio de fazer o que quiser, contanto que arque com as conseqüências de suas atitudes. Assim, o assaltante continua com o livre-arbítrio de assaltar, correndo com isso o risco de ser preso; o assassino, continua com o livre-arbítrio de assassinar, contando com o risco de ser morto em legítima defesa por sua vítima ou por um terceiro que por acaso o surpreenda no ato da realização do homicídio; e, o abortista, continua com o livre-arbítrio de abortar, ficando por conta disso sujeito às conseqüências penais que decorrem da sua conduta.

Se não o dizemos, contudo, é porque nos parece que esta visão conota uma espécie de “jogo de soma zero”, como se dispôr-se a sofrer a sanção penal de um crime fosse algo análogo a pagar o preço devido por um bem: como se transformasse o crime, assim, em uma transação normal e socialmente aceitável.

Acreditamos, ao contrário, que sofrer as consequências jurídicas de um crime não é, de nenhuma maneira, o “preço justo” que transforma o cometimento do crime em um negócio jurídico normal. As condutas criminosas devem ser evitadas, ponto; e não  é correto dizer que elas possam ser cometidas mediante o pagamento de x reais de multa ou y anos de reclusão. Parece-nos, assim, que meramente defender o livre-arbítrio para o mal, desde que com suas consequências, é um erro de perspectiva. Há que se distinguir a liberdade em abstrato do exercício concreto dessa liberdade: condenar algumas modalidades deste não equivale, sob lógica nenhuma, a negar aquela.]

Sobre a «criança que obviamente será inútil e morrerá quando o sentimento por ela já estiver imenso»… o que dizer diante de tamanha barbaridade? É evidente que tal conclusão é fruto unicamente da mentalidade doentia do autor do comentário; é patente que ele não tem o menor suporte fático, nenhum dado empírico a lhe autorizar. Porque o que nos contam as pessoas que tiveram filhos deficientes – mormente anencéfalos – é coisa completamente distinta. Busquem-se, a título de informação, as histórias de Marcela de Jesus ou Vitória de Cristo que já foram contadas neste mesmo blog.

Mas, mesmo assim, olhar unicamente para o sentimento dos pais é um erro de proporções. Em uma escala valorativa minimamente decente, o direito à vida da criança – mesmo deficiente! – ganha do direito a “bons sentimentos” dos pais. E, se não se pode exigir de ninguém que enfrente como homem as adversidades que a vida lhe trouxer, pode-se ao menos (e, aliás, deve-se!) impedi-lo de violar gravemente os direitos de outrem em reação àquelas adversidades. Eximir-se de fazê-lo é decair na mais horrenda barbárie, onde o que vale é a lei do mais forte e onde o estado de ânimo de alguém o autoriza a tudo para fazer valer a própria vontade, independente de quem seja pisoteado neste processo.

É lógico que ter um filho com uma deficiência grave é algo devastador. No entanto, matar o próprio filho por ele ser gravemente deficiente é de uma desumanidade atroz. É possível, sem dúvidas, levantar uma infinidade de argumentos para justificar, in casu, a atitude desesperada do pai que opta pelo assassínio intrauterino do seu filho doente. O que não dá é para pleitear o direito universal e inalienável ao extermínio pré-natal das crianças deficientes.

Bento XVI: colaborar com a graça de Deus

Caros amigos, esta é a verdadeira razão da esperança da humanidade: a história tem um sentido, porque é “habitada” pela Sabedoria de Deus. E, no entanto, o desígnio divino não se cumpre automaticamente, porque é um projeto de amor, e o amor produz liberdade e pede liberdade. O Reino de Deus vem certamente e, na verdade, já está presente na história; graças à vinda de Cristo, já venceu a força negativa do maligno. Mas todo homem e mulher é responsável por acolhê-lo na [sua] própria vida, dia a dia. Assim, também o [ano de] 2010 será melhor ou pior [più o meno “buono”] na medida  em que cada um, segundo as próprias responsabilidades, souber colaborar com a graça de Deus.

Voltemo-nos então à Virgem Maria, para aprendermos d’Ela esta atitude espiritual. O Filho de Deus encarnou-Se n’Ela [ha preso carne da Lei] não sem o Seu consenso. Toda vez que o Senhor quer dar um passo adiante conosco [insieme con noi] em direção à “terra prometida”, bate primeiro ao nosso coração; espera, por assim dizer, o nosso “sim”, tanto nas pequenas quanto nas grandes escolhas. Ajude-nos Maria a acolher sempre a vontade de Deus, com humildade e coragem, para que também as provações e os sofrimentos da vida ajudem [cooperino] para apressar a vinda de seu Reino de justiça e de paz.

Bento XVI, Angelus, Domenica, 3 gennaio 2010