Após ter passado quinze dias no Rio de Janeiro como voluntário da Jornada Mundial da Juventude, há muito o que comentar. Pretendo escrever uma série de posts sobre os «Bastidores da JMJ 2013» nos próximos dias, mas gostaria de começar pelo começo: pela segunda-feira 15 de julho, o primeiro dia em que cheguei ao Rio. Pelas pessoas que nos acolheram e nos apoiaram, e que estiveram conosco antes, durante e depois da Jornada. Pela grande família em que se transformou a Paróquia de São José em Magalhães Bastos.
Muito já foi dito nos grupos privados de Facebook e WhatsApp, mas é um dever de justiça registrar aqui algumas linhas de agradecimento àquelas pessoas com as quais dividimos os nossos dias enquanto estávamos na Cidade Maravilhosa, e sem as quais tudo teria sido um bocado diferente. Mesmo sem ser capaz de prever o futuro, arrisco-me a dizer que tudo teria sido muito pior. Se enfrentamos muitas dificuldades durante a Jornada, a boa vontade das pessoas que estavam ao nosso redor ajudou-nos – e muito! – a suportá-las de um modo mais suave e agradável.
Era segunda-feira, perto das 18h00, e estávamos na Catedral com as nossas malas, após passar literalmente o dia inteiro esperando os nossos kits de voluntários que nunca chegavam. E de fato não chegaram: após a desgastante espera de um dia inteiro, mandaram-nos de mãos abanando para os alojamentos, que sequer sabíamos onde ficavam. Não nos conhecíamos. Alguém instruiu que o grupo que ficaria alojado em Magalhães Bastos se reunisse em não sei que entrada da Catedral para irem juntos ao alojamento; fui meio a contragosto, pois a minha idéia original era acampar ali mesmo até o dia seguinte. Mas, se fosse para ir, era mesmo melhor que fôssemos juntos. E lá nos encontramos.
Pessoas dos mais variados rincões do Brasil, reunidas sob uma bandeira genérica da JMJ que rapidamente elegemos o estandarte do nosso grupo, para facilitar que ficássemos juntos. Conduzíamos ao mesmo tempo em que éramos conduzidos, sempre gritando “Magalhãããães!” no instante em que partíamos de um lugar para o outro, a fim de que nenhum de nós se desgarrasse. Da entrada da catedral para a estação de metrô, para a bilheteria, para a Central do Brasil, para o trem (“Campo Grande”, “Bangu” ou “Santa Cruz”, como nos instruíram): seguíamos em bando, em plena hora do rush carioca, quais mulas de carga soterradas sob bagagens necessárias a quinze dias longe de casa, chamando-nos uns aos outros pelo nome do nosso alojamento.
Chegamos enfim à estação e à paróquia onde ficaríamos hospedados. Os coordenadores de hospedagem, em um comovente rasgo de sinceridade, disseram-nos imediatamente que não estavam lá muito preparados para nos receber, posto que o local teoricamente só receberia peregrinos que chegariam uma semana depois: mas abriram com muita boa vontade as portas da paróquia e dos seus corações para nós, de tal modo que nos perguntamos se seria possível terem feito melhor caso houvessem sido avisados com antecedência. Este, aliás, foi um ponto distintivo de toda essa Jornada, permito-me dizer: a generosidade com a qual as pessoas dispunham-se a fazer o que não estavam preparadas para fazer, desdobrando-se para ajudar da melhor forma possível a todos que a Divina Providência lhes colocava no caminho. Se um ponto positivo pode ser retirado do clamoroso desleixo com o qual a JMJ foi tratada, é este: os sacrifícios de bom grado que tantos realizaram para proporcionar aos que chegavam ao Rio um encontro com Nosso Senhor, a despeito de todas as circunstâncias adversas.
Devo muito àquelas pessoas, certamente mais do que elas sabem e mais do que sou capaz de dizer. Dos cafés improvisados na cantina paroquial às salas lotadas onde dormíamos mal, do chuveiro gelado às animadas músicas no pátio, das rodas de conversa noite adentro aos plantões feitos na paróquia para garantir que nenhum voluntário se deparasse com a igreja fechada ao voltar quase de madrugada: tudo isso contribuiu maravilhosamente para que nos sentíssemos amados e, amparando-nos mutuamente nas dificuldades, pudéssemos depois realizar da melhor forma possível o nosso serviço aos peregrinos do mundo inteiro que fomos ao Rio para ajudar.
Compartilhamos muito mais do que duas semanas longe de casa. Trocamos idéias e experiências, expectativas e frustrações, angústias e alegrias, suor e lágrimas. Compartilhamos as nossas almas, ouso dizer. Almas de pessoas diferentes unidas em torno a um objetivo comum. Almas sedentas por Deus, ainda que tenham ido à Cidade Maravilhosa para transmiti-Lo a outros. Almas que voltaram lavadas para casa, apesar de tudo. E, não poucas vezes, por causa de tudo.
Tenho certeza de que os que depois da JMJ tomaram banhos confortáveis e se deitaram em camas macias lembram-se com carinho da penúria que por duas semanas sofreram. E lembram-se dela assim porque o calor daquela família reunida era mais forte do que o frio carioca, e o encontro aconchegante de irmãos na mesma Fé descansava mais do que era exasperante dormir mal. Falo por mim, mas penso falar por todos: aqueles dias foram maravilhosos. Com todo o frio e o cansaço, as caras amassadas de sono, a coriza e as tosses, as olheiras e os cabelos desgrenhados, a água gelada dos boxes improvisados, as roupas quase fedidas, o descanso noturno entrecortado pelos irmãos que insistiam em não respeitar os horários de silêncio, os trens lotados e as incontáveis horas gastas entre idas e vindas todos os dias: falo por mim, mas penso falar por todos quando digo que não troco isso pelo conforto asséptico e impessoal de um hotel padrão FIFA. Porque conforto é para os fracos, e nós éramos uma infantaria «a serviço do Papa!», como tantas vezes gritamos ao longo desses dias. Muito vivemos e fizemos juntos, e penso que sem a doação generosa de cada um pouco poderia ter sido feito.
A todos e cada um dos meus “magalhães” queridos, mesmo àqueles que eu não tive a oportunidade de conhecer mais profundamente, quero registrar aqui os meus mais sinceros agradecimentos. Obrigado pelo que fizeram para o êxito desta JMJ, e obrigado também pelo que fizeram por mim e por minha família. Que Deus os recompense a todos. Que nós, mesmo que não voltemos a nos reunir como naqueles dias, saibamos nos encontrar em cada Eucaristia; e que o Bom Deus nos permita, um Dia, voltarmos a fazer ecoar em uníssono o nosso brado de amor ao Vigário de Cristo em torno ao qual nos unimos na Cidade Maravilhosa naqueles dias inesquecíveis.