Vive Cristo, esperanza nuestra

O Papa Francisco vai assinar na próxima segunda-feira, 25 de março, a exortação pós-sinodal do Sínodo sobre a juventude do ano passado. Duas novidades: desta vez, o documento virá no formato de uma “carta aos jovens” e, além disso, será assinado em Loreto, santuário mariano, fora do Vaticano portanto.

Quanto ao formato do documento, não vejo maiores dificuldades. Trata-se de exortação apostólica, ato formal do Magistério Eclesiástico da mesma natureza, por exemplo, da Familiaris Consortio. É veículo autorizado de transmissão do ensino católico acerca de um tema específico — neste caso, “a juventude”. A princípio, um documento eclesiástico não perde a sua força em razão do estilo com o qual é escrito.

Mas há, no entanto, uma dificuldade de que se pode cogitar, uma de ordem por assim dizer extrínseca e não intrínseca: é que, sob a ótica hermenêutica, o tom informal que presumivelmente se espera de uma “carta aos jovens” pode facilmente obscurecer a reta compreensão da Doutrina Católica — da ortodoxia que presumivelmente se espera de uma exortação apostólica. O problema da mudança de tom não é inédito e nem inesperado, tendo acompanhado o passo da Igreja, às vezes com menor força, às vezes com maior, ao longo das últimas décadas — e isso sem que se precisasse chegar a estes extremos de informalidade que agora se anunciam…

Não que existam formas linguísticas rígidas essencialmente associadas aos diversos tipos de documentos pontifícios. Mas é evidente que um emprego descurado da linguagem pode gerar, e efetivamente gera, um sem-número de incompreensões. É claro que o que é propriamente objeto de um pronunciamento magisterial é aquilo que é significado, e não a maneira escolhida para o significar; a rigor e no limite, devemos o assentimento de nossas inteligências ao conteúdo das fórmulas de Fé e não às fórmulas em si mesmas. Mas também não é sem-razão que a Igreja estabelece fórmulas, e talvez o desinteresse que hoje se tem para com elas explique a dificuldade de compreensão do Catolicismo que, hoje, é o maior mal que assola a Igreja.

Há um outro detalhe digno de nota. É que, desde o ano passado, estavam em vigor certas normas sobre o Sínodo dos Bispos que autorizavam a Assembléia Sinodal a publicar diretamente, por si própria, o documento conclusivo do Sínodo. Falei sobre o assunto aqui. À época, achei que o novo procedimento substituiria o costume de o Papa redigir exortações pós-sinodais, passando a residir no documento final do Sínodo o magistério petrino sobre o assunto.

Mas o Documento Final do Sínodo sobre a Juventude foi votado e aprovado, havendo sido publicado em outubro do ano passado. Inclusive a Sala Stampa publicou as votações detalhadas de cada um dos parágrafos de que é composto o texto. Ainda assim, no entanto, vem-nos agora a notícia de que o Papa Francisco preparou uma Exortação Apostólica pós-sinodal; e, junto com a notícia, vem-nos a dúvida sobre se esta nos sairá melhor ou pior do que aquele…

A despeito de tudo, porém, o local e a data da assinatura do documento são bastante significativos: um santuário mariano, no dia da Anunciação! Envolta assim no tempo e no espaço pelos cuidados da Virgem Santíssima, podemos esperar que esta Carta aos Jovens tenha bom êxito e efetivamente consiga, pela poderosa intercessão da Mãe de Deus, atingir os corações e as mentes da juventude atual. É por isso que rezamos agora. Ó Maria Imaculada, velai pela Igreja do Vosso Filho, recebei este documento à Vossa honra consagrado, e tirei dele maior bem do que seriam capazes os esforços humanos que o produziram. Amen.

Nova redação do Catecismo sobre a pena de morte

A respeito da recente alteração do parágrafo 2267 do Catecismo da Igreja Católica sobre a pena de morte, sem a menor pretensão de esgotar o assunto, diga-se apenas, preliminarmente, quanto segue:

  1. Um catecismo é um resumo da Fé Católica; é um texto, por excelência, pedagógico, que se propõe a apresentar de maneira orgânica a Doutrina da Igreja, conforme interpretada pelo Seu Magistério. Rigorosamente falando, um catecismo não é fonte magisterial, mas instrumento de exposição doutrinária.
  2. Assim, o Catecismo não é nem “falível” e nem “infalível”: simplesmente essas categorias não se aplicam a ele. A infalibilidade é uma nota do Magistério da Igreja, que tem os seus meios próprios de manifestação. Assim, por exemplo, o Magistério Pontifício pode se manifestar através de uma Carta Encíclica (veículo de exercício do magistério papal por excelência): um catecismo pode (e deve) apresentar de maneira orgânica e acessível o conteúdo das encíclicas papais, mas o que é “Magistério”, a rigor, são as encíclicas e não o catecismo. Catecismos e suas formulações são contingentes, ao passo que a Doutrina é imutável.
  3. Ou seja, um catecismo não possui autoridade por si só. A Doutrina Católica apresentada por um catecismo, qualquer que seja ele, somente é infalível na medida em que o Magistério que lhe subjaz é, ele próprio, infalível. A rigor, o Catecismo não obriga à Fé: o que obriga são os documentos magisteriais que embasam o Catecismo.
  4. Mudanças na formulação de algum ponto de um catecismo, assim, não têm característica de aprofundamento doutrinário. Simplesmente não podem ter, porque a doutrina se aprofunda pelo labor orgânico do Magistério, e jamais pela forma eventualmente escolhida para a sua exposição pedagógica. A mudança na redação de algum ponto do Catecismo deve, necessariamente, encontrar o seu fundamento no exercício do Magistério que precede a modificação do texto, não podendo a simples reescrita de um parágrafo funcionar como sucedâneo de um ato magisterial.
  5. Isso significa que eventuais dificuldades suscitadas pela formulação de algum parágrafo do Catecismo devem ser resolvidas nas referências magisteriais que digam respeito ao ponto controverso. O Catecismo não esgota a Doutrina nem a substitui.
  6. A nova redação do parágrafo 2267 provocou uma enorme e desnecessária confusão sobre a pena de morte; isso porque o texto mistura aspectos principiológicos com questões contingentes, substituindo a redação anterior, que era boa e clara, por uma bastante inferior e confusa.
  7. Diga-se, antes do mais, que a Doutrina da Igreja a respeito da pena de morte não mudou. Não mudou, primeiro porque Doutrina não muda e, segundo, porque redação de parágrafo de catecismo não é veículo idôneo para desenvolvimento doutrinário. Assim, a posição da Igreja a respeito do assunto há forçosamente de ser, hoje, após a nova redação do parágrafo 2267, rigorosamente a mesma da semana passada, quando ainda vigente a redação antiga. Não entender isso é desconhecer os rudimentos da Doutrina Católica.
  8. A nova redação, injustificadissimamente, substituiu a referência à Evangelium Vitae, Encíclica que fala especificamente sobre a inviolabilidade da vida humana, por um discurso do Papa Francisco onde o tema da pena de morte é mencionado en passant. Ora, à toda evidência, remover a referência à Evangelium Vitae não tem o condão de revogar a Carta Encíclica, de modo que ela permanece sendo o referencial doutrinário válido, vigente e autorizado sobre o assunto.
  9. A referida Carta Encíclica dizia (n. 56) que a pena de morte não devia ser aplicada «senão em casos de absoluta necessidade», os quais, «graças à organização cada vez mais adequada da instituição penal, (…) são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes». Em outras palavras, o fundamento da não-aplicação da pena capital hoje é a «organização cada vez mais adequada da instituição penal», e não uma suposta “inadmissibilidade intrínseca” da pena de morte.
  10. Ou seja, ao contrário do que dá a entender a novel formulação do parágrafo 2267, in finis, do Catecismo da Igreja Católica, a pena de morte é inadmissível não simpliciter, mas apenas secundum quid: na medida em que existem «sistemas de detenção mais eficazes» e em que se disseminou «uma nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado», então a pena de morte é inadmissível. Fora dessas condições, não.
  11. Esses fundamentos, como salta aos olhos, são intrinsecamente contingentes: podem existir hoje e, amanhã, não mais se verificarem, como também podem não ser rigorosamente os mesmos nos diversos países do globo. Ademais, um Catecismo versa precipuamente sobre doutrinas e não sobre situações de fato, estas as quais são, por sua própria natureza e ao contrário daquelas, extremamente mutáveis. 
  12. Que a carta da Congregação para a Doutrina da Fé sobre o tema não discorra sobre estes assuntos tem pouca importância: principalmente no âmbito do Catolicismo, as coisas não deixam de existir se as pessoas silenciam sobre elas. E, principalmente!, apesar de o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé falar várias vezes em «desenvolvimento da doutrina», na verdade não existe aqui desenvolvimento algum. O juízo prático sobre a aplicação de tal ou qual pena em determinadas situações concretas é, em essência, um juízo prudencial e não doutrinário. Além do mais, a doutrina, se se desenvolve, só o faz de maneira orgânica e harmônica, e não negando hoje o que até ontem afirmava.
  13. Se o objetivo das autoridades eclesiásticas é, hoje, «empenha[r]-se com determinação a favor da sua [da pena de morte] abolição em todo o mundo» (CCE, 2267), elas têm todo o direito de fazê-lo — e, aliás, já o vinham fazendo há muitos anos mesmo com a antiga redação do Catecismo, como a carta de D. Ladaria exemplifica fartamente. Não era absolutamente necessário proceder a esta modificação confusa em um texto de referência catequética para se colocar contra a pena de morte no Ocidente do século XXI.
  14. Sobre o tema, por fim, reitero tanto quanto escrevi aqui ainda em 2014, em particular o seguinte: «é legítimo, em abstrato, ao poder temporal punir os criminosos inclusive com a morte; (…) [e] é perfeitamente possível que, nos Estados modernamente constituídos e com a sensibilidade contemporânea, não haja espaço para a aplicação daquela pena máxima».

Sobre o assunto, veja-se, também, entre outros, este texto sobre o ensino tradicional da Igreja acerca do assunto; este outro texto, pequeno, mas relevante, sobre a distinção entre a dignidade da natureza humana e a dignidade moral do homem; e estas considerações do Joathas sobre a nova redação do Catecismo acerca da pena de morte.

O Magistério da Igreja e o Direito secular

Um amigo perguntou, dia desses, se o Papa era como o STF da Igreja Católica. A analogia na qual ele estava pensando era a seguinte: assim como é o Supremo Tribunal Federal quem diz definitivamente o que é constitucional e o que não é constitucional dentro da ordem jurídica brasileira, seria, na Igreja Católica, o Papa quem por último diria o que é ortodoxo e o que é herético dentro da Doutrina Católica. Assim como o STF diz o que é que a Constituição diz, o Papa seria aquele que diz o que é que a Revelação diz.

O Direito me parece fortemente tributário da Teologia, sem dúvidas, e é possível — mais até, é fácil — encontrar diversos paralelos entre os juristas e os teólogos. Não obstante, penso que é preciso ressaltar as diferenças entre um acórdão do STF e uma bula papal, a despeito de a metáfora acima parecer sedutora. Ou melhor, é preciso enfatizar, por todas, uma única diferença crucial e insuperável entre as duas esferas: o direito é essencialmente mutável, a doutrina não pode mudar jamais.

Isso porque o direito deve se adaptar às peculiaridades (obviamente, apenas àquelas legítimas) dos diversos tempos e lugares, dos usos e dos costumes dos homens. Com a doutrina acontece exatamente o contrário: são os homens que devem se adaptar a ela, às suas consequências e suas exigências. Daí porque é legítimo (mais até, é perfeitamente razoável, é até esperado) que um Tribunal modifique o seu entendimento a respeito de determinada norma jurídica levando em conta as transformações sociais, ao passo em que a Igreja não pode mudar jamais um jota da lei de Deus mesmo que uma centena de cidades dos homens sejam edificadas sobre os escombros da Cidade de Deus.

Sim, é claro que existe um direito natural imutável do qual o direito positivo deriva — ou ao menos deve derivar. Ainda assim a lei humana pode (e, em muitos casos, até deve) mudar. É o que ensina Santo Tomás (Summa, I-IIae, q. 97, a. 1): conquanto a lei natural não mude nunca, deve a lei positiva mudar por um duplo motivo. Primeiro, porque a razão humana é imperfeita e, portanto, as leis por ela ditadas podem ser sempre aperfeiçoadas a fim de que correspondam melhor aos ditames do direito natural. E, segundo, porque mudam naturalmente as condições dos homens, e a estes «convêm coisas diversas segundo as suas diversas condições» (id. ibid, Resp.).

O Papa (ou, melhor dizendo, o Magistério da Igreja) é infalível em determinadas condições, e aquilo que é verdadeiro não pode simplesmente passar a ser falso depois: o aprofundamento da Revelação no curso da história da Igreja, que existe, só pode ser integrativo e não superativo. Isso quer dizer que coisas distintas podem vir a se acumular no corpo doutrinário e moral da Igreja Católica, mas aquilo que era doutrinariamente certo não pode passar um dia a ser incerto, e aquilo que era moralmente ilícito não pode passar a ser lícito nem vice-versa. Com o direito é diferente, as diversas teses jurídicas podem (e em alguns casos até devem) se superar umas às outras, inclusive eivando de ilicitude aquilo que em outros tempos era perfeitamente jurídico, e isso é completamente natural. Não dá para estabelecer nenhuma comparação entre o ordenamento jurídico e o magistério eclesiástico desconhecendo essas coisas.

Certamente não faltará entre meus interlocutores quem me interpele sobre os juros, ou a tortura ou a escravidão. A isso é preciso responder sucintamente, primeiro, que nenhuma dessas coisas é intrinsecamente má; segundo, que em tempos passados determinadas condições dos homens, distintas das atuais, autorizaram-nas ou as vedaram, legitimamente; terceiro, que a consciência moral da humanidade encontra-se hoje em um patamar superior — quando menos de acúmulo de experiências históricas –, em melhores condições portanto de apreciar o que melhor convém à comunidade humana. Antes do ensino da Igreja, portanto, o que mudaram foram as condições dos homens; outrossim, o rol exíguo, restritíssimo destes exemplos históricos aponta antes para o caráter extraordinário do fenômeno do que para uma superabilidade essencial da moral católica que a pudesse tornar análoga ao direito humano.

Voltando à comparação entre o Magistério e o Judiciário, o maior problema com ela é o pressuposto que ela enseja: assim como o direito deve ser sempre revisto para melhor corresponder às mudanças sociais, então assim também o Magistério católico deveria (ao menos eventualmente) superar o seu ensino em atenção às modificações sofridas pela sociedade. Tal compreensão é falsa e ignora as sensíveis diferenças existentes entre a Igreja e o Direito secular, conforme exposto. E, por conta disso, a fim de evitar nefastas confusões, não convém traçar analogias entre os dois campos sem atentar criteriosamente para aquilo que é próprio de cada um.

O Magistério não favorece heresias

Foi tornada pública no último sábado uma Correctio Filialis De Haeresibus Propagatis «assinada por 40 clérigos católicos e acadêmicos leigos» e endereçada ao Santo Padre. Os signatários da carta pretendem encontrar um “favorecimento” a sete heresias — no documento discriminadas — tanto na Amoris Laetitia quanto nas subsequentes palavras, atos e omissões do Papa Francisco.

A estrutura do documento, basicamente, é a seguinte: primeiro são listadas as passagens problemáticas da Exortação Apostólica (pp. 3-5); depois são elencadas as palavras, atos e omissões do Papa que «estão servindo para propagar heresias dentro da Igreja» (pp. 5-8). Em seguida as sete proposições errôneas são apresentadas (pp. 8-9). Finalmente, tenta-se explicar essas heresias como possuindo duas fontes: o Modernismo (pp. 10-13) e a teologia de Lutero (pp. 13-18). Este o documento. O que dizer dele?

Antes de qualquer outra coisa, o que causa mais estranheza é a ausência dos nomes dos cardeais das dubia entre os signatários da tal Correctio. O Cardeal Burke já há meses vinha dizendo que seria necessário fazer uma correção formal ao Papa Francisco; vindo a lume agora esta carta, e nela não constando o nome do Card. Burke, nem aliás de nenhum outro cardeal, nós ficamos sem saber ao certo se este documento é ou não é a correção formal anteriormente anunciada. Parece que não.

E ainda, a carta parece que não tem o peso que deveria ter. O próprio Rorate Caeli afirmou que muitos estão diminuindo o alcance da iniciativa, embora insista em afirmar que ela é apenas a primeira peça do quebra-cabeças e que muito ainda esteja por vir. O Papa Francisco, ao que parece, simplesmente bloqueou o acesso ao site a partir dos computadores do Vaticano. As primeiras reações ao documento não tiveram o alcance desejado — o que é muito de se lamentar. Porque, embora a carta meta os pés pelas mãos ao acusar publicamente o Magistério da Igreja de favorecer heresias (!), tem pontos positivos que merecem atenção e cuidado.

As sete proposições listadas na Correctio são, de fato, proposições errôneas (com talvez a exceção da quarta cujo sentido eu não consegui captar muito bem — mas se deixe isso de lado por ora), e elas estão de fato sendo propagadas no interior da Igreja, e é urgente que isso cesse. A salvação das almas assim o exige. Diante disso, muito mais correto do que apontar o dedo para o Vigário de Cristo, assim — muito mais importante do que sair à busca de culpados –, é reconhecer a existência do problema e lutar para que ele seja corrigido. Isso é o que é fundamental.

Sim, a carta acerta ao dizer que os inimigos de Cristo estão propagando heresias dentro da Igreja (e, verdade se diga, com um descaramento talvez inaudito), e, sim, é notório que eles o fazem pinçando trechos dos documentos do Magistério e se valendo das alegadas intenções progressistas do Papa Francisco. Só isso já é motivo mais do que suficiente para pôr os católicos em guarda, sem que seja necessário enveredar pelo tortuoso caminho de perscrutar as intenções do Soberano Pontífice ou acusar o Cristo-na-Terra de beneficiar heresias.

Porque a estratégia adotada pela Correctio pode muito bem ter o efeito contrário ao esperado. Note-se: se um grupo de pessoas está dizendo que o Magistério da Igreja defende as heresias ‘a’, ‘b’ e ‘c’, alguém pode perfeitamente concluir que, dado que o Magistério não ensina heresias, então as proposições ‘a’, ‘b’ e ‘c’ não são heréticas. E, de repente, aqueles que tentavam combater doutrinas errôneas terminam por chancelá-las com o mais alto grau de confiabilidade ao dizerem que elas são ensinadas pelo Magistério Católico. Um verdadeiro tiro pela culatra de consequências trágicas: pessoas normais, que não acreditariam jamais nestas heresias, podem cogitar levá-las a sério se se convencerem de que elas constam dos documentos da Santa Igreja.

Não nos enganemos: a forma mais eficaz de conferir respeitabilidade, por exemplo, a idéia de que «[u]m fiel católico pode ter pleno conhecimento de uma lei divina e voluntariamente escolher violá-la, mas não estar em estado de pecado mortal como resultado desse ato» (proposição 3 da Correctio) é dizer que tal idéia encontra amparo no Magistério da Igreja Católica e nos ensinamentos do Soberano Pontífice. A maneira mais fácil de fazer as pessoas acreditarem nisso é dizendo ser este o ensinamento do Papa e da Igreja! Mas, ora, o Magistério não favorece heresias: estas proposições, portanto, se verdadeiramente heréticas, não se fundamentam realmente nos documentos eclesiásticos: fazem-no apenas falsamente.

Acerta, portanto, a Correctio em apontar proposições heréticas disseminadas na Igreja. Erra em fazê-las derivar do Magistério Católico. É justamente porque as proposições apontadas são errôneas que elas não decorrem do Magistério eclesiástico, que não pode disseminar o erro; e isso é tão forte que, se tais proposições estivessem realmente fundamentadas em documentos magisteriais, seria legítimo antes questionar a própria heterodoxia delas que a ortodoxia do Papa — aliás, mais que legítimo!, seria a coisa mais óbvia a ser feita.

Mas as proposições apontadas na carta são realmente errôneas. Por serem errôneas, não estão presentes no Magistério da Igreja, antes o contrariam. E, por serem errôneas e contrariarem o Magistério, devem ser combatidas com tanto mais veemência quanto mais aleivosamente se afirmarem baseadas em documentos pontifícios. Esta é a apologia de que a Igreja precisa.

O Papa Francisco e o «Magistério das Entrevistas»

Curiosidades acerca da entrevista que o Papa Francisco concedeu ao fundador do La Repubblica: já no dia seguinte à publicação, o Andrea Tornielli manifestou dúvidas sobre a acurácia das palavras atribuídas ao Papa pelo Eugenio Scalfari.

As dúvidas não tinham nada a ver com os pontos mais “polêmicos” do texto (ou, melhor dizendo, os pontos em torno dos quais se concentrou a histeria dos inimigos da Igreja em geral), como o negócio de Deus não ser católico, o dever de se seguir a própria consciência ou a menção negativa ao «proselitismo». O ponto levantado pelo Tornielli (e que revela a sua extraordinária competência jornalística) era de uma desimportância excepcional: o Papa Francisco dissera no periódico que, antes de aceitar o Papado, perguntara aos cardeais se «poderia passar alguns minutos na sala contígua àquela com um balcão que dá para a praça».

Ora, o vaticanista observou que isso era impossível. Primeiro porque não existe nenhuma sala contígua ao balcão do anúncio do Habemus Papam e, segundo, porque mais de um cardeal eleitor já havia dito que o Papa aceitara imediatamente o pontificado ao ser eleito, sem se retirar para lugar algum. A inverossimilhança do relato do Scalfari, assim, ficava evidente.

O que fez a Santa Sé? Surpreendentemente, emitiu um comunicado dizendo que «Eugenio Scalfari não gravou a entrevista com o Papa Francisco nem tampouco fez anotações, por isso o texto [do La Repubblica] foi uma reconstrução posterior dos fatos» (!). Como é possível que um jornalista tarimbado vá para uma entrevista com um Papa sem gravá-la ou nem mesmo fazer anotações sobre ela é um mistério que paira muito acima do que a nossa vã perspicácia é capaz de perscrutar.

Mas o que nos interessa aqui é constatar isso que nós temos agora: uma espécie de “Magistério de segunda mão”. A reportagem do La Repubblica está no site do Vaticano, aparentemente em pé de igualdade com todos os outros pronunciamentos do Papa Francisco e dos seus predecessores. O que exatamente esta novidade inaudita significa?

Não se sabe. O Pe. Lombardi – no citado texto do Unisinos – dá uma dica:

Talvez o ponto mais perspicaz de todos veio do próprio Lombardi, que disse que estamos vendo a emergência de um gênero totalmente novo de discurso papal – informal, espontâneo e às vezes confiado a outros em termos da sua articulação final. Um novo gênero, sugeriu Lombardi, precisa de uma “nova hermenêutica”, em que não damos tanto valor às palavras individuais, mas sim ao sentido geral.

“Não é o Denzinger“, disse ele, referindo-se à famosa coleção alemã do ensino oficial da Igreja, “e não é o direito canônico”.

“O que o papa está fazendo é dando reflexões pastorais que não foram revisadas de antemão palavra por palavra por 20 teólogos, a fim de ser mais preciso sobre tudo”, disse Lombardi. “É preciso diferenciar de uma encíclica, por exemplo, ou de uma exortação apostólica pós-sinodal que são documentos magisteriais”.

Um discurso «informal, espontâneo e às vezes confiado a outros em termos da sua articulação final»! Como tratar essa nova modalidade de “Magistério”? A dificuldade já foi apontada por Sandro Magister. E ele parece já ter encontrado – ao menos em parte – a sua solução:

En el prólogo al primer tomo de su trilogía sobre Jesús, Joseph Ratzinger-Benedicto XVI había escrito:

“Este libro no es un acto magisterial, por eso cada uno es libre para contradecirme”.

El Papa Francisco no lo dice expresamente, pero se puede presumir que esta libertad es válida también respecto a él, pues adopta un formato expresivo típico de la controversia como es la entrevista.

O princípio é sem dúvidas válido. Documentos distintos obrigam em níveis diferentes. Não há que se inflar a infalibilidade pontifícia para abarcar qualquer coisa proferida pelo Vigário de Cristo. No entanto, o assunto há de ser bem entendido. A «infalibilidade» refere-se à obrigação de se aderir com Fé divina e católica a uma certa formulação dogmática proposta pelo Magistério da Igreja. Naquilo que não é propriamente «Magistério» – ou que só o é entre aspas – simplesmente não cabe falar em “infalibilidade”.

No entanto, permanece o dever de se acolher com submissão filial o que é falado por nossos superiores. Qualquer católico bem formado, mesmo leigo, é capaz de discorrer em público sobre assuntos relacionados à Fé sem incorrer em erro de Doutrina; ora, se é assim, por qual motivo deveríamos pensar que altos prelados (ou mesmo o Romano Pontífice!) estivessem sempre na iminência de cometer – e informalmente! – deslizes doutrinários de conseqüências funestas? Ninguém precisa ser «infalível» para falar informal e corretamente sobre a Fé Católica, e nem faz sentido algum viver à caça de supostos sentidos heréticos nos discursos de outrem sob a desculpa de que tais não são infalíveis e portanto não obrigam. Isto é simplesmente um nonsense.

Muito bebê já foi jogado fora junto com a água suja sob essa desculpa furada de que tal ou qual texto não é infalível; e neste sentido este texto do André Brandalise é bastante pertinente. Mais do que um reles dever legal, a submissão ao Romano Pontífice é um animus, uma certa disposição de benevolência e de abertura para com o Doce Cristo-na-Terra. O Papa é um Monarca a quem temos que obedecer, sem dúvidas, mas é também um Pai em quem devemos confiar e de quem devemos aprender. Esta dimensão do Papado não pode ficar obscurecida.

Voltando ao «Magistério das Entrevistas», arrisco-me a dar também a minha visão sobre a novidade: elas provavelmente não serão nunca compendiadas no Denzinger. Mas há sobre elas duas coisas que precisamos ter em mente. A primeira é que estamos ouvindo um católico sábio e experiente falar, e o esforço que devemos fazer diante de pessoas assim é o de compreendê-las, não o de procurar enquadrar excertos dos seus discursos em esquemas heterodoxos para as desacreditar. E a segunda é que existe uma «vontade» pontifícia manifesta mesmo informalmente, um certo direcionamento – mesmo tácito – que ele quer dar ao seu pontificado, e isso interessa também a nós. Pode ser que nos seja útil e proveitoso se o soubermos encarar na sua informalidade; e pode ser que estejamos desperdiçando graças para as nossas vidas por conta do hábito de colocar «cada frase ou cada anedota» do Sumo Pontífice sob um microscópio teológico para as analisar esmiuçadamente em todas em cada uma das suas possíveis implicações.

A tortura, a Moral, a Santa Inquisição, o Magistério, o Catecismo e muito mais

Gostaria de fazer referência a um texto muito bom traduzido pelo Acies Ordinata e ontem publicado. E trata-se de uma interessantíssima situação: por um lado concordo inteiramente com a motivação do artigo, de refutar pretensas “contradições” no Magistério pré-conciliar para fazer frente aos tradicionalistas não-sedevancatistas. No entanto, e como sabem todos os que me lêem, discordo visceralmente da posição sedevacantista, adotada pelo autor do artigo e por seu tradutor.

E publico este post também por outro motivo: na introdução do referido texto acima, é feita uma menção a um excerto do livro do João Bernardino Gonzaga aqui publicado recentemente, na qual insinua-se constituir este uma espécie de defesa de uma contradição no Magistério da Igreja no tocante ao tema da tortura. Quanto a isso, (1) não posso falar com certeza pela posição de J. B. Gonzaga, mas a mim não me parece que ele adopte esta posição; e (2) por mim, de quem posso falar com segurança, quero deixar claro que nunca pretendi afirmar nem insinuar que o Magistério Se houvesse contradito no tema da tortura, mas tão-somente, por um lado, afirmar, do ponto de vista católico, que a tortura empregada pela Inquisição possuía uma série de características que a distinguiam quer da tortura dos nossos tempos, quer daquela praticada no contexto onde surgiram os tribunais do Santo Ofício; e, por outro lado, do ponto de vista anti-clerical, pôr a descoberto o gritante anacronismo – mesmo prescindindo de um ponto de vista espiritual – que existe na condenação simpliciter da Santa Inquisição por conta do emprego da tortura.

Eu não me recordo de já ter dito isso aqui expressamente, mas já disse em conversas privadas que não julgava a tortura “intrinsecamente má” – mas, ao contrário, dependente quer de sua definição, quer das contingências históricas concretas. De fato, o Catecismo da Igreja Católica diz quanto segue sobre o assunto:

2297. Os raptos e o sequestro de reféns espalham o terror e, pela ameaça, exercem intoleráveis pressões sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e mata sem descriminação; é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa a violência física ou moral para arrancar confissões, para castigar culpados, atemorizar opositores ou satisfazer ódios, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. A não ser por indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações ou esterilizações directamente voluntárias de pessoas inocentes, são contrárias à lei moral (63).

2298. Nos tempos passados, certas práticas de crueldade foram comummente adoptadas por governos legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, tendo eles mesmos adoptado, nos seus próprios tribunais, as prescrições do direito romano sobre a tortura. A par destes factos lastimáveis, a Igreja ensinou sempre o dever da clemência e da misericórdia; e proibiu aos clérigos o derramamento de sangue. Nos tempos recentes, tornou-se evidente que estas práticas cruéis não eram necessárias à ordem pública nem conformes aos direitos legítimos da pessoa humana. Pelo contrário, tais práticas conduzem às piores degradações. Deve trabalhar-se pela sua abolição e orar pelas vítimas e seus carrascos.

Catecismo da Igreja Católica

O Catecismo Romano, ao que me consta, silencia sobre o assunto. E a posição do atual Catecismo, contextualizada nos tempos em que vivemos, é no meu entender indistinguível daquilo que já havia sido dito por Pio XII (apud J.S. DALY, Pretensas Contradições do Magistério – Tortura e muito mais!, 2005; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, blogue Acies Ordinata, abr. 2010, http://wp.me/pw2MJ-q2):

A instrução judiciária deve excluir a tortura física e psíquica e a narco-análise, antes de tudo porque lesam um direito natural mesmo se o acusado é realmente culpado, e além disso porque com demasiada frequência dão resultados errôneos

Ora, não havendo – como reconheço não haver, pelos motivos muito bem explicados no texto do Daly – contradições entre a Ad Exstirpandam e o Papa Pio XII, segue-se que também não as há entre estes dois textos e o Catecismo da Igreja publicado em 1992.

Reproduzo também, por fim, o trecho do referido artigo onde é feita menção ao Theologia Moralis de Santo Afonso de Ligório sobre o tema:

Convém abrir um livro sério de teologia moral e estudar um pouco o pensamento da Igreja sobre a tortura. Quem escolher Santo Afonso (Theologia Moralis, livro V, [art. III] nn. 202-5 – é o livro de teologia moral mais aprovado) aprenderá que a tortura é intrinsecamente ilícita salvo em certas condições extremamente limitadas:

1. A culpabilidade deve já ter sido estabelecida com certeza moral;

2. O sofrimento aplicado não deve ser insuportável a ponto de fazer até mesmo um inocente se acusar;

3. Numerosas categorias de pessoas estavam isentas de toda a tortura;

4. Toda a confissão assim obtida era inutilizável a menos que fosse livremente confirmada, sem tortura, no dia seguinte;

5. Se a tortura não obtivesse resultado, não se poderia recorrer a ela novamente.

Aí estão as condições de trabalho da Inquisição. Encontram-se expostas de modo similar no célebre Malleus Maleficarum. Ora, visivelmente, aquilo que Nicolau I condena não se assemelha a isso em nada. E a leitura do contexto das palavras de Pio XII confirma que tampouco ele falava de um tal uso da tortura. “Não é raro que elas cheguem exatamente às confissões almejadas e à condenação do acusado, não por ser ele culpado de fato, mas por sua energia física e psíquica estar esgotada…” A regra que Pio XII deseja ver imposta é a de Nicolau I. Ele não fala de maneira alguma de um emprego da tortura tão limitado e condicionado, a ponto de ela não ser contrária à lei moral, e no qual ninguém mais pensa.

Ressalto, finalmente, que a referência a estas condições limitadas está presente – embora não de maneira tão esquemática – no texto do J. B. Gonzaga aqui reproduzido anteriormente. E, somente como aviso aos navegantes (e antecipando as pedradas que virão), é óbvio que nem eu, nem o J. S. Daly e nem o Felipe Coelho estamos fazendo apologia da tortura ou propondo uma lei de iniciativa popular que a re-introduza no ordenamento jurídico brasileiro. Quem entender semelhante coisa, peço por gentileza que releia este texto e todos as referências antes de vir aqui com comentários indignados e descabidos.

Vocações recentes para a vida religiosa

[Fonte: National Religious Vocation Conference.
Tradução: Pedro Ravazzano.
Observação: a pesquisa completa é muito mais detalhada; cliquem acima para ver.]

Vocações Recentes para a Vida Religiosa

Center for Applied Research on the Apostolate

(Centro de Pesquisa Aplicada sobre o Apostolado)
Georgetown University, Washington, DC

Agosto 2009

Vocações Recentes para a Vida Religiosa:
Relatório para a Conferência Nacional de Vocações Religiosas

Mary E. Bendyna, RSM, Ph.D.
Mary L. Gautier, Ph.D.

Tradução: Pedro Ravazzano

Sumário Executivo:

Este relatório apresenta os resultados de um estudo recente de vocações à vida religiosa na América, conduzido pelo Center for Applied Research in the Apostolate (Centro para Pesquisa Aplicada no Apostolado) (CARA) para a National Religious Vocation Conference (Conferência Nacional de Vocações Religiosas) (NRVC). O estudo é baseado em pesquisas de institutos religiosos, estudos e grupos de enfoque com vocações recentes à vida religiosa, e uma análise de determinadas instituições religiosas selecionadas que têm tido sucesso em atrair e reter novos membros. O estudo foi desenhado para identificar e compreender as características, atitudes e experiências de homens e mulheres que entram na vida religiosa hoje, bem como as características e as práticas das instituições religiosas que estão atraindo novos candidatos e retendo novos membros com êxito.

(…)

CARA enviou os questionamentos por correio a um total de 976 entidades, na primavera de 2008 e, em seguida, empreendeu uma extensa pesquisa através do correio, e-mail, telefone e fax durante todo o verão e outono de 2008 para alcançar uma alta taxa de resposta. CARA recebeu respostas preenchidas por 591 institutos religiosos com uma taxa de resposta de 60 por cento. No entanto, uma análise mais detalhada das listas e os que não responderam mostrou que algumas das congregações e províncias nas listas originais haviam sido fundidas com outras durante o curso da pesquisa. Outras entidades da lista não são províncias ou congregações, mas regiões ou casas que não possuem formação/incorporação nos Estados Unidos e não deveriam ter sido incluídas na pesquisa. Outros ainda, especialmente entre os monastérios contemplativos e comunidades emergentes, aparentemente tinham deixado de existir.

(…)

Principais Conclusões:

(…)

Atração para a Vida Religiosa e a um Instituto Religioso em particular

• Os novos membros são atraídos para a vida religiosa primeiro por um sentido de vocação e um desejo de oração e crescimento espiritual. Mais de três quartos (78 por cento) disseram que foram atraídos “muito” pela primeira e quase a mesma quantidade (73 por cento) disseram que foram atraídos “muito” pela segunda. Mais do que qualquer outra coisa, foram atraídos para sua instituição religiosa particular pelo exemplo de seus membros e, especialmente, pelo seu senso de alegria, por seu realismo e seu empenho e entusiasmo. Cerca de 85 por cento disseram que o exemplo dos membros atraiu “muito”.

• Em um grau um pouco menor, os membros mais novos também disseram que eles foram atraídos para a vida religiosa pelo desejo de servir e de fazer parte de uma comunidade. Se sentiram atraídos, em particular, ao seu instituto religioso pela sua espiritualidade, vida comunitária e vida de oração. As pastorais são igualmente importantes para a maioria dos novos membros, entretanto, são menos importantes que a espiritualidade, a oração, a comunidade e estilo de vida. As questões pastorais, especialmente a possibilidade de uma diversidade destas, tendem a ser mais importantes para os homens do que para as mulheres entre os novos membros.

• É mais provável que os entrevistados mais jovens digam que foram atraídos para a vida religiosa pelo desejo de se comprometerem mais com a Igreja e com seus institutos, em particular pela sua fidelidade à Igreja, em comparação com os inquiridos mais velhos. Muitos também dizem que sua decisão de aderir ao seu instituto foi influenciada pela sua prática em relação ao hábito religioso. O fosso entre as gerações, especialmente entre a “Geração Milênio” (nascidos em 1982 ou depois) e geração do Vaticano II (nascidos entre 1943 à 1960), se tornou evidente durante todo o estudo de questões que tenham a ver com a Igreja e com o hábito. As diferenças entre as duas gerações também se extendem às questões da vida em comunidade, bem como os estilos e tipos de oração.

• Os membros mais recentes da vida religiosa se relacionaram com as instituições religiosas de maneiras muito diferentes. A experiência mais comum foi em uma instituição como a escola, na qual servem os membros. Outras formas relativamente comuns de entrar em contanto com o instituto são mediante a recomendação de um amigo ou conselheiro, trabalhar com um membro do instituto, através de um amigo da congregação, por meio de materiais promocionais impressos ou pela Internet.

• Em comparação com as mulheres, é mais provável que os homens digam que entraram em contato com seu instituto religioso em uma escola ou outra instituição onde servem os membros. Comparado com os homens, é mais provável que as mulheres descubram seu instituto através da recomendação de um amigo ou conselheiro.

• Comparado com os mais jovens, é mais provável que os inquiridos mais velhos tenham conhecido seu instituto de forma mais direta, ou seja, trabalhando com um membro ou através de um amigo do instituto. Inquiridos mais jovens, em particular a Geração Millennium, mais provavelmente conheceram seu instituto através da recomendação de um amigo ou conselheiro, ou através de materiais promocionais impressos ou pela Internet.

• Alguns dos membros mais jovens não tinham conhecido homens e mulheres religiosos antes de sentir um chamado à vida religiosa. Muitos destes jovens religiosos primeiro conheceram seu instituto, nomeadamente, através da recomendação de um amigo ou conselheiro, muitas vezes um padre, e muitos descobriram ou sabiam mais sobre o instituto através da internet. A experiência direta com o Instituto e os seus membros, através de eventos presenciais, retiros, discernimento, e outras oportunidades, são especialmente importantes para este grupo etário.

(…)

Oração e Espiritualidade

• Muitos dos novos membros identificam a oração comum como um aspecto da vida religiosa que atraiu mais e que mais os sustenta atualmente. Quando perguntado sobre a importância dos diferentes tipos de oração, o que mais os entrevistados mencionam é Comunhão diária e a da Liturgia das Horas, como os tipos de devoção que são mais importantes para eles.

• É mais provável que os entrevistados da geração do Milênio, em comparação com outros entrevistados, especialmente os da geração Vaticano II, digam que a comunhão diária, a Liturgia das Horas, adoração Eucarística, e outras orações devocionais são “muito importantes” para eles. Comparado com os entrevistados mais jovens, os entrevistados mais velhos dão mais importância à fé e, em menor grau, a oração comunitária não litúrgica.

• Esses padrões se repetiram nas respostas abertas tanto como nas entrevistas e grupos de enfoque em que muitos membros mais jovens mencionaram a comunhão, a adoração da Eucaristia, o Ofício Divino e devoção mariana como particularmente importante para eles.

(…)

Práticas com respeito ao Hábito Religioso

• As respostas à pergunta aberta sobre o que os atraiu ao seu instituto religioso revelam que ter um hábito religioso foi um fator importante para um número significativo de novos membros. Entrevistas com os diretores vocacionais também sugerem que muitas pessoas que estão pesquisando a vida religiosa buscam a oportunidade de vestir um hábito, mesmo naqueles institutos em que poucos ou nenhum dos membros o fazem regularmente.

• Cerca de dois terços dos novos membros, nos institutos pesquisados, estão num instituto que faz uso do hábito religioso. Para pouco mais da metade destes novos membros (55 por cento), o hábito é necessário em todas ou na maioria das circunstâncias e para outros 16 por cento só é necessário em certas ocasiões, como na pastoral ou oração. Nas discussões dos grupos de enfoque, alguns participantes foram muito fortemente a favor ou contra a exigência do hábito, enquanto alguns viram o valor de usar o hábito eclesiástico em, ao menos, algumas circunstâncias.

• Entre os que relataram que o hábito é opcional, 90 por cento dos homens e 27 por cento das mulheres disseram que usam ocasionalmente, enquanto 14 por cento dos homens e 15 por cento das mulheres disseram que usam sempre ou na maioria das vezes. Entre aqueles que afirmam que o seu instituto não tem hábito, quase metade dos homens (48 por cento) e quase um quarto das mulheres (23 por cento) disseram que usariam um hábito, se tivessem essa opção.

Aspectos mais gratificantes e satisfatórios da Vida Religiosa

• Quando perguntado o que eles acham mais gratificante e satisfatório da vida religiosa, os novos membros brindaram uma série de comentários sobre vários aspectos da vida religiosa. As respostas mais freqüentes foram sobre a dimensão da vida religiosa. Alguns mencionaram viver, orar e trabalhar em conjunto, enquanto outros se concentraram mais no sentido de um objetivo comum e de ser parte de algo maior que eles. A freqüência de menções de vida em comunidade sugere que este é um aspecto particularmente importante da vida religiosa para a maioria dos novos membros.

• Muitos dos novos membros também identificam alguns aspectos da dimensão espiritual da vida religiosa como o sentido de seguir o chamado de Deus, aprofundar nosso relacionamento com Deus e com Cristo e/ou a oração pessoal e comunitária, como os aspectos que fornecem o maior senso de gratificação ou satisfação. Nas suas respostas, muitos novos membros mencionaram a comunhão diária, a adoração Eucarística, o Ofício Divino, a devoção mariana, e outras práticas devocionais como particularmente significativas para eles.

• Alguns dos novos membros citaram o serviço ou a extensão do apoio da comunidade para a vida religiosa como o mais gratificante para eles. Muitos destes entrevistados mencionaram a pastoral, o serviço, ou o apostolado, enquanto outros disseram ser um testemunho de Deus para os outros. O fato de que os comentários sobre a pastoral, serviço ou apostolado são menos freqüentes do que os relacionados com a comunidade e espiritualidade sugere que eles podem ser menos notáveis para os novos membros.

(…)

Melhores Práticas no Ministério das Vocações

• Os resultados do estudo sugerem um conjunto de “melhores práticas” para promover as vocações. Estes incluem a implementação de uma “cultura vocacional” e incluir membros e diretores no esforço concertado para promover as vocações; ter um diretor vocacional em tempo integral apoiado por uma equipe e recursos para utilização de novas mídias, especialmente sites e outra presença na Internet; oferecer programas de discernimento e outras oportunidades para conhecer potenciais candidatos a membros e aprender mais sobre o Instituto; ter como alvo os estudantes universitários e adultos jovens, bem como alunos de escolas primárias e secundárias para mostrar a possibilidade da vida religiosa e informá-los sobre o instituto.

• Embora estas práticas possam ter um impacto positivo para atrair e reter novos membros, a pesquisa sugere que as características do exemplo dos membros e do instituto são o que mais influencia a decisão de aderir a um instituto em particular. As instituições de maior sucesso em termos de atrair e reter novos membros são, no momento, aquelas que seguem um estilo mais tradicional de vida religiosa, em que os membros vivem juntos em comunidade, participam da Comunhão diária, recitam o Ofício Divino, fazem práticas devocionais, usam hábito religioso, trabalham juntos no apostolado comum e mostram ostensivamente a sua fidelidade à Igreja e aos ensinamentos do Magistério. Todas estas características são particularmente atraentes para os jovens que ingressam hoje na vida religiosa.

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Qual é MESMO o Oitavo Mandamento?

Há quase seis meses, o Veritatis Splendor publicou um texto sobre o desprezo do Magistério Ordinário. Há quase seis meses, o blog Pacientes na Tribulação protestou contra este texto. Há quase seis meses, eu publiquei aqui no Deus lo Vult! alguns comentários sobre o texto do Pacientes na Tribulação. Por quase seis meses, o assunto pareceu ter morrido. No entanto, hoje, a paciência de alguns parece ter se esgotado, porque foi publicado, no supracitado blog, um texto atacando a mim.

Não vou me demorar nesta bobagem que considero uma monumental perda de tempo. O Deus lo Vult! foi acusado de ser “um advogado do diabo”, de fazer algo que “já é diabólico”, de ter “uma desonestidade intelectual assustadora”, de “incoerência e parcialidade”. Tudo bem. Afinal de contas, cada um é obviamente livre para achar o que quiser deste blog que mantenho. Registre-se a opinião do autor cujo nome não está no “About” do Pacientes na Tribulação [p.s.: achei o nome do autor, está nos comentários e no canto inferior direito da página].

Tampouco vou me demorar na inútil polêmica entre apostolados que os que se auto-intitulam “a Tradição” parecem querer cultivar a todo custo. Primeiro fato: ninguém é citado nominalmente no texto original do Veritatis, apenas uns genéricos “tradicionalistas anti-Vaticano II”. Segundo fato: já no próprio título, o autor do texto-protesto do Pacientes na Tribulação chama o Veritatis de hipócrita. Os fatos estão nos links acima, ao alcance de qualquer um pelo módico custo de um clique, e falam por si sós.

O que eu não entendo é a necessidade de se fazer um escarcéu em cima disso. Se alguém quer refutar um texto, refute-o simplesmente. Os ad hominem sejam usados com parcimônia. Pressuponha-se a boa fé dos interlocutores. Por exemplo, no caso em pauta, a única sentença atribuída diretamente aos “tradicionalistas anti-Vaticano II” no texto do Veritatis Splendor é “ninguém é obrigado a aceitar o Concílio Ecumênico Vaticano II porque este não foi um Concílio dogmático, não falou em Magistério Extraordinário”. A resposta do Pacientes na Tribulação – “nós rejeitamos os textos do concílio (ao menos parcialmente) porque eles contém erros contra a Fé, e não simplesmente porque o concílio não foi infalível” – é relevante, mas é feita com tanta pirotecnia que o texto se presta, sim, muito mais a atacar o VS do que a defender o que quer que seja.

E a cortina de fumaça levantada – os apelidos depreciativos, as acusações de má fé, de hipocrisia, de desonestidade intelectual e tutti quanti – obscurece o que é importante na discussão. As perguntas relevantes aqui são: quem disse que o Vaticano II contém erros contra a Fé? Qual a autoridade de quem pronunciou esta sentença? A afirmação clara e direta do Pacientes na Tribulação é rara até mesmo entre os críticos do Vaticano II (a acusação mais comum é a de ambigüidade). Mas, obviamente, não é porque o autor desconhecido de um blog Márcio disse em negrito que o Concílio “contém erros contra a Fé” que isso passa, ipso facto, a ser verdade. A propósito, acaso é atitude de um bom católico lançar publicamente acusações seriíssimas que nunca foram demonstradas de maneira cabal? O que era mesmo que se estava falando sobre o Oitavo Mandamento da Lei de Deus?

Fé adulta e obediência

Trecho da Homilia de Sua Santidade o Papa Bento XVI nas Primeiras Vésperas da Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, na tradução feita pelo Marcelo Moura Coelho em seu blog:

Nas últimas décadas a expressão “fé adulta” se tornou um slogan difundido. Na maioria [das vezes] é usado em relação à atitude daqueles que não prestam mais atenção ao que a Igreja e Seus Pastores dizem, em outras palavras, àqueles que escolhem por si mesmos em que crer e deixar de crer, numa espécie de “self-service da fé”. Expressar-se contra o Magistério da Igreja é mostrado como uma espécie de “coragem”, quando na verdade não é preciso muita coragem, porque quem faz isso pode estar certo [de] que receberá apoio público.

Ao contrário, é preciso coragem para aderir à fé da Igreja mesmo se ela contradiz a “ordem” do mundo contemporâneo. Paulo chama esse não-conformismo de “fé adulta”. Para ele, seguir os ventos do momento e as correntes do tempo é um comportamento infantil.

Excelente. Que Deus abençoe o Santo Padre!

A precisão das imprecisões

O acesso a elas [às encíclicas papais] não é dos mais fáceis. A dificuldade não está no fato de serem escritas num latim de chancelaria florido de elegâncias humanistas, mas no fato de nem sempre ser facilmente perceptível o sentido da doutrina. Decide-se então traduzi-las e, ao tentar fazê-lo, acaba-se por compreender pelo menos a razão de ser de seu estilo. Não se podem substituir os termos desse latim pontifical por outros emprestados de alguma dessas grandes línguas literárias modernas, e muito menos desarticular as frases para articulá-las de outra maneira, sem logo perceber que, por mais cuidadoso que se tente ser, o original perde muito de sua força ao longo da tradução, e não somente de sua força, mas de sua precisão, o que ainda não é o mais grave, pois a verdadeira dificuldade, bastante conhecida daqueles que se arriscam nesse desafio, é a de respeitar exatamente o que se poderia chamar, sem nenhum paradoxo, de a precisão de suas imprecisões. A precisão sabiamente calculada de suas imprecisões desejadas. Quantas vezes não se pode pensar, após madura reflexão, que se sabe o que, num determinado aspecto, a encíclica quer dizer, mas ela não o diz expressamente e, sem dúvida nenhuma, ela tem seus motivos para interromper, em determinados princípios, a determinação mais precisa de um pensamento preocupado em se manter sempre aberto, pronto a dar acolhida a novas possibilidades. Além do curso de teologia que lhes faz falta, e que demandaria vários anos, seria útil aos filósofos cristãos freqüentar por algum tempo uma escola de aperfeiçoamento, uma finishing school, situado em algum lugar entre a Basílica do Latrão e o Vaticano, e vinculada preferencialmente à Gregoriana, onde se ensinaria a arte de ler uma encíclica pontifícia.
[Gilson, Étienne; “O Filósofo e a Teologia”, pp. 184-185. São Paulo, Paulus, 2009]

Eu já tive a oportunidade de comentar aqui sobre o que eu considerava ser a verdadeira intransigência, necessária aos católicos de todos os tempos. Aproveito o texto em epígrafe para fazer algumas outras considerações sobre o tema, que tem uma importância capital nos dias de hoje, em que os católicos atravessam, além de outras, uma crise intelectual.

Desnecessário julgo reafirmar a importância capital das expressões com as quais os dogmas católicos foram expostos ao longo dos séculos; a Fé é uma virtude intelectual, definida como a adesão – voluntária e movida pela graça – do intelecto às verdades reveladas por Deus e propostas pela Igreja. A célebre definição do Doutor Angélico (credere est actus intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis a Deo motae per gratiam) complementa-se com o Actus Fidei ([m]eu Deus, eu creio tudo o que Vós revelastes e a Santa Igreja nos ensina) e com o Credo do Povo de Deus ([n]ós cremos todas essas coisas que estão contidas na Palavra de Deus por escrito ou por tradição, e que são propostas pela Igreja): não há veritati divinae à qual aderir que não nos venha mediante o ensino da Igreja, de modo que negar este é negar a Verdade e, por conseguinte, perder a Fé.

No entanto, permanece sempre a radical incapacidade da linguagem humana de exprimir plenamente o infinito. As fórmulas utilizadas pela Igreja expressam, efetivamente, a Verdade Divina, e isto é evidente e incontestável. Não esgotam, contudo, esta mesma Verdade; há sempre espaço para que – sem que as fórmulas antigas deixem de ser verdadeiras, óbvio – as coisas sejam ditas de uma forma diferente. Gilson fala, aliás, de uma maneira muitíssimo curiosa, das imprecisões desejadas com as quais a Igreja se expressa. E isso foi escrito antes do Concílio Vaticano II…

Por que motivo seria útil à Igreja manter imprecisões no Seu ensinamento? Justamente por uma questão de fidelidade à Verdade Revelada, que a Igreja não pode trair com as fórmulas que propõe. Não há interesse da Igreja em “esgotar” um certo aspecto do Dogma, exatamente porque Ela sabe que a Verdade é “inabarcável” e, se por um lado é possível garantir a perfeita correspondência entre uma fórmula e a Verdade, por outro lado não é possível fechar à inteligência humana a possibilidade de expressar a Verdade de uma outra maneira.

E, mais ainda: se por um lado é relativamente fácil dizer o que uma coisa não é, em contrapartida é extremamente difícil dizer o que a mesma coisa é. Dizer o que algo não é, é excluir uma tese errônea; dizer o que algo é, é excluir todas as teses, concebidas ou por conceber, que contradigam a afirmação realizada. Para utilizar um exemplo meramente ilustrativo, se eu mostro uma mão fechada e pergunto para alguém o que tem dentro, é muito mais fácil ele dizer o que não tem dentro (não tem um elefante, não tem um piano de cauda, não tem um alienígena) do que o que tem dentro. Muitas vezes é necessário dizer o que as coisas não são, apontar simplesmente o erro, ao invés de afirmar categórica e univocamente o que elas são; e a Igreja, que é sábia, muitas vezes apenas delimita o espaço da investigação teológica, sem contudo traçar uma linha única que deva ser universalmente seguida. Para tanto, Ela Se utiliza de imprecisões deliberadas.

Há, infelizmente, incontáveis exemplos de pessoas que não percebem e não respeitam estas imprecisões desejadas no ensino da Santa Igreja. A maneira mais fácil de se apontar uma “contradição” entre o “Magistério pré-conciliar” e o “Magistério pós-conciliar” é, exatamente, atropelar este terreno voluntariamente impreciso e restringir os limites que a Igreja manteve deliberadamente flexíveis. É sem dúvidas necessário, sim, ser intolerante e defender a Doutrina Católica de deturpações; no entanto, é igualmente necessário ter a sensibilidade intelectual para identificar e respeitar, nos ensinos dos Papas, “a precisão de suas imprecisões”. Referindo-se a tal arte, que não é fácil, Gilson diverte-se falando que, para dominá-la, seria necessário um curso específico em Roma para isso… no entanto, quantos leigos auto-intitulados teólogos nós encontramos, atacando – sem pudor e sem prudência – a Igreja de Nosso Senhor!

Que a Virgem, Sedes Sapientiae, alcance-nos as luzes do Alto, do Espírito Santo de Deus, a fim de que não percamos o rumo em meio aos nossos combates. E que nos esforcemos para estarmos sempre muito bem unidos à Igreja de Nosso Senhor, em comunhão afetiva e efetiva com o Sucessor de Pedro, o Doce Cristo na Terra e cabeça da Igreja de Deus, Ela que é Coluna e Sustentáculo da Verdade, contra a qual podemos ter a certeza de que as portas do Inferno jamais prevalecerão.