[Publicação original: 17 de setembro de 2007]
Marchinhas de Carnaval
“A nossa vida é um carnaval,
a gente brinca, escondendo a dor;
e a fantasia do meu ideal
é você, meu amor!”
Isso é uma música de carnaval. Eis uma festa que sempre exerceu em mim um fascínio espetacular! Ela sempre me pareceu ter algo de bastante paradoxal. De fato, se existe um tema recorrente nas marchinhas de carnaval é essa dicotomia entre a felicidade e a tristeza, entre o sonho bom e a dura realidade. O carnaval é uma festa que subsiste na tensão entre o Sábado de Zé Pereira e a Quarta-Feira de Cinzas; entre a felicidade sem limites momentânea que ele oferece, e a dura consciência de que o tempo caminha, inexorável, rumo às cinzas da quarta-feira. A sua alegria é meticulosamente delimitada no tempo.
A euforia do carnaval é permeada pela tristeza da quarta-feira de cinzas! Isso está presente nas músicas que são características desse período; quando não há referência explícita ao fim do Carnaval (“É de fazer chorar / Quando o dia amanhece / e obriga o frevo a parar… / Oh, Quarta-Feira ingrata, / chega tão depressa / só pra contrariar!”), há as histórias dos amores impossíveis de Colombinas e Arlequins (“Quanto riso, ah, quanta alegria / – mais de mil palhaços no salão! / Arlequim está chorando pelo amor da Colombina / no meio da multidão…”), ou ainda de paixões passageiras (“Mas é carnaval, / não me diga mais quem é você… / Amanhã tudo volta ao normal!”)… não importa. As marchinhas de Carnaval, para serem boas, precisam ser tristes, porque o carnaval tem, intrinsecamente, a tristeza de ser passageiro.
E é precisamente este paradoxo do carnaval – a tristeza na alegria – que sempre me encantou. Os prazeres do mundo são tentadores, bem o sabemos; mas vejam que espécie estranha de tentação! Um prazer que se diz expressamente passageiro… uma alegria que carrega, em si, a tristeza da própria efemeridade. Quem é que vai se enganar, tomando como absoluto um prazer que se define, repetidamente, como limitado?
Mas, se olharmos um pouco melhor, veremos aí a malícia da tentação! Pois, note-se bem: uma coisa é escolher algo mau, mas que está “revestido” de uma roupagem boa, capaz de enganar. E outra coisa, bem diferente e bem pior, é gostar do algo mau sabendo ser ele mau, despido daquilo que pode enganar um incauto. Coisa lamentável é entregar-se a um bem menor sem avaliar corretamente as suas (reduzidas) dimensões; coisa muito mais lamentável é entregar-se a este bem menor conhecendo exatamente o seu parco tamanho! Ah, o carnaval pode parecer bem pouco enganoso, para quem gosta de escutar marchinhas… mas como é pior o abismo que ele abre, como é tão mais desgraçado quem nele cai, precisamente por causa da falta de engano… precisamente pela verdade revelada nua e crua!
E esta visão de mundo carnavalesca é o extremo oposto da visão de mundo cristã. Os católicos vivem num “vale de lágrimas”, num mundo de sofrimentos, sabendo todavia que esta vida é curta e que, sofrendo bem neste mundo, poderemos gozar um dia da Bem-Aventurança celeste que não tem fim. O carnaval é um “vale de prazeres”, onde se deve aproveitar bem a festa que é curta, porque depois voltará a tristeza do quotidiano…
A festa curta do carnaval, que deve ser aproveitada, porque o futuro é só tristeza… As lágrimas do dia-a-dia enquanto caminhamos nesta curta vida, que devem ser choradas, porque o futuro é a Glória da Vida Eterna! Uma perfeita correspondência antitética! Eis aí a tentação de Momo!
“Vê, Colombinas azuis a sorrir, lá-láiá…
Vê, serpentinas na luz reluzir…
Vê os confetes do pranto no olhar
desses palhaços dançando no ar!
Vê, multidão colorida a gritar, lá-laiá…
Vê, turbilhão desta vida passar…
Vê os delírios dos gritos de amor
nesta orgia de sol e de dor!”
Se nos for permitido tomar catequese do carnaval, que peguemos (como um exemplar da sua filosofia) esta música, e a entendamos do jeito certo: não gastemos os nossos dias vendo o turbilhão desta vida passar! Sim, a vida passa depressa, como um turbilhão – como nos ensina a Doutrina da Igreja – e importa que cuidemos com zelo do pouco tempo que nos é dado, a fim de não o vermos simplesmente passar! Como nos diz o finalzinho daquele soneto de Frei Antônio das Chagas:
“Ó vós, que tendes tempo sem ter conta,
não gasteis vosso tempo em passatempo!
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta.
Pois aqueles que, sem conta, gastam o tempo,
quando o tempo chegar de prestar conta,
chorarão, como eu, o não ter tempo.”
Permita-nos Deus cuidar bem do nosso tempo; para que não aconteça de, arrastados pelo turbilhão da vida, chorarmos depois o ter ela passado tão depressa!