Publico abaixo um pequeno trecho de um discurso de Alves Mendes, que eu não sei quem é mas que, a dar crédito ao Google, talvez seja este português daqui. Convém ignorar esta biografia meio capenga e, seguindo a sabedoria popular, prestar mais atenção ao que se fala do que a quem fala. O nome de “Alves Mendes” eu encontrei neste livro do Mário Ferreira dos Santos (“Curso de Oratória e Retórica”, São Paulo, 1962), que é de onde retiro o trecho abaixo.
Diríamos hoje que os arrazoados do orador não têm mais sentido? Não há – e abundantes! – contra-exemplos que hoje nos permitem cogitar a possibilidade de existir civilização sem crença religiosa? Não se multiplicam as nações onde o número de ateus é cada vez maior, os povos organizados em torno de valores anti-religiosos, os países que vivem como se Deus não existisse – e todos esses, inobstante, não continuam “progredindo”, não continuam “civilizados”?
Nego este aparente progresso e esta alegada civilização. A técnica, de fato, ainda progride, mas a técnica sozinha não é capaz de constituir um verdadeiro progresso humano. Os costumes estão há muito piores (e bem piores) do que os percebia Alves Mendes, e piorando a olhos vistos, e se não decaímos ainda na barbárie completa é porque o impulso civilizatório de dois milênios de Cristianismo ainda é capaz de manter as rodas da sociedade girando – como um ventilador cujas hélices giram ainda por um tempo, mesmo após ser puxado da tomada.
Estamos mais ricos e mais poderosos e, igualmente, mais insatisfeitos e perdidos do que os nossos pais e avós. Estamos decrépitos! Não, não me parece que continuamos “progredindo”, e sim apenas haurindo dos benefícios inerciais de um progresso cuja razão de ser já perdemos há algum tempo. Não, não me parece que ainda estamos “civilizados”: apenas nos abrigamos precariamente nas ruínas das civilizações que outrora fomos, para nos protegermos como podemos das intempéries do mundo que, sobre nossas cabeças, ameaçam-nos e açoitam impiedosamente estes séculos estranhos em que vivemos.
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Quem denega ou desconhece que a crença é o maior tesouro da verdade, o mais adorável surgente de virtudes, o eterno timbre da nobreza do homem, a garantia suprema, a base inconcussa da grandeza social?
E não há de demonstrá-lo, basta vê-lo. Aqui a geografia supre a retórica. Para provar-se que a civilização social deriva essencialmente da crença religiosa, é apontar para os povos que não têm podido assumir ou compreender a ideia cristã. Jazem todos derrancados, jungidos a um ignóbil fatalismo. Se são povos primitivos, vivem imbecis numa eterna infância; se são povos policiados, vivem ineptos numa eterna decrepitude. Exemplo — a Oceania e o Bósforo. Nem numa nem noutra banda floresce a cultura humana, porque os seus habitantes não têm logrado ser cristãos; e assim, aqueles arrastam a existência de um menino ignorante; estes, a de um velho crapuloso. É natural, evidentíssimo. Não há progresso, não há civilização sem moral, e não há moral sem religião. Portanto, o progresso autêntico, a vera civilização ou é religiosa ou não existe. No homem, muitíssimo mais que na matéria, reponta e refulge a manifestação do progresso.
[…]
O positivismo teórico resulta o pessimismo prático: é espírito descrente, o espírito estéril; é o coração em gelo, o coração empedrado; é a antítese de toda a grandeza humana e de toda a grandeza moral; não pode ser a doutrina de um povo militante, de um povo em progresso. Não pode. Povos grandes são povos progressivos, povos crentes, — porque a vida é de si uma luta e a crença é de si uma vitória!
Alves Mendes,
apud Mário Ferreira dos Santos,
op. cit., pp 91-92