Onde estava Deus?

Comentário do Mike Huckabee na FOX, a respeito do massacre de Connecticut. A mensagem guarda traços de semelhança com uma outra que circula por email já há alguns anos; mas é bonito encontrá-la (de novo?) nos telejornais americanos, quando mais uma tragédia se consumou e mais uma vez a camarilla revolucionária vem a público dar respostas mirabolantes para explicar o que é que deu errado.

“E alguém irá sugerir que aprovemos uma lei para parar todo esse tipo de coisa. Gostaria de apontar que não temos que passar uma nova lei. Há uma que já existe há um tempo, e que funciona se a ensinarmos e observarmos: NÃO MATARÁS. Bem, há outras nove; mas falarmos sobre elas exigiria trazer Deus de volta, e nós sabemos o quão inaceitável isso pode ser”.

Quando a polícia chega, o morticínio já está feito

Na sexta-feira passada, um atirador entrou em uma escola infantil dos EUA e matou vinte e seis pessoas (vinte das quais crianças) antes de se suicidar. A escola Sandy Hook fica «na pequena cidade de Newtown, no estado americano de Connecticut».

Uma das vítimas do massacre de Connecticut foi a jovem professora Victoria Soto. Segundo relatos:

victoria-soto

Soto, de 27 anos, reagiu rapidamente quando escutou os disparos no sala de aula vizinha que Lanza havia invadido. Ela disse às 17 crianças que os ruídos eram parte de uma brincadeira e que para ganhar deviam esconder-se nos armários da sala e permanecer em silêncio. Os pequenos a obedeceram.

Segundo diversos meios locais, quando Lanza ingressou na sala de aula, Victoria disse que as crianças estavam em aula de ginástica mas a explicação não convenceu o homicida. Ele abriu fogo contra um dos armários e ela se colocou entre as balas e as crianças para protegê-los, o que terminou custando sua vida.

O Cristianismo da jovem heroína não foi mencionado no mural das vítimas que G1 preparou, para o qual a informação mais relevante sobre a professora é que ela «não tinha filhos e vivia com seu cão, Roxie». O mesmo silêncio se encontra na matéria específica sobre ela. Tratamento bem diferente costuma ser empregado nos casos em que é fácil jogar a pecha de cristão sobre o atirador (p.ex., no caso do atirador maçom da Noruega); nestes, a religião do criminoso parece ser subitamente relevante.

O massacre reacende o velho debate sobre as armas; na última segunda-feira, o João Pereira Coutinho dedicou a sua coluna na Folha de São Paulo ao assunto. Concordo perfeitamente com o articulista quando ele sentencia que «[a] culpa é de Adam Lanza, um psicopata de 20 anos que matou 20 crianças e sete adultos, antes do suicídio clássico. Ele é o responsável. Foi ele quem premiu o gatilho». Discordo, no entanto, quando ele tenta compartilhar a culpa com a mãe do garoto:

Mas Adam Lanza não está sozinho no momento da repartição de culpas: a mãe, igualmente vítima dos crimes do filho, considerava normal ter armas em casa de livre acesso para a descendência.

Mais: de acordo com vários jornais americanos, a começar pelo “New York Times”, a sra. Lanza tinha o hábito saudável de levar os filhos em piqueniques familiares para que todos pudessem descarregar a adrenalina com o seu arsenal doméstico.

Com a devida vênia, a distinção entre o «modesto revólver para defesa pessoal» teoricamente aceitável e os «dois exemplares semiautomáticos –uma Sig Sauer e uma Glock– que deveriam ser reservados, apenas, a policiais e militares» que o psicopata utilizou no crime é bastante irrelevante. O crime não seria menos crime se o indivíduo usasse um revólver no lugar do rifle; aqui, no nosso Realengo, o atirador usou dois modestos revólveres calibre .38, e nem por isso o crime se torna menos bárbaro. À luz da importância da questão qualitativa (se deve ser permitido ou não às pessoas portarem armas de fogo), a quantitativa (uma Glock ou um .38 velho?) perde importância. Aliás, eu não sei nem se esta última existe; a história nos mostra que a reação passional a estas tragédias costuma gerar campanhas pela abolição total das armas de fogo, e não por questiúnculas menores sobre suas características.

A mim, parece-me óbvio que o massacre poderia ser evitado – ou, pelo menos, ter suas proporções reduzidas – se alguém na escola tivesse uma arma (um «modesto revólver» que fosse!) com a qual pudesse abater o psicopata à primeira vítima. Contra os que dizem que defender o cidadão é papel da polícia, peço que olhem para Sandy Hook (e para tantos outros massacres afins que, vez por outra, mancham de sangue os nossos jornais) e percebam isto que se repete com uma regularidade assustadora: quando a polícia chega, o morticínio já está feito. Não poderia jamais ser diferente.

Porque – como diz o J.P. Coutinho ao fim do seu artigo, conquistando mais uma vez a minha concordância – «nem a lei mais razoável do mundo será capaz de parar a criatura mais irrazoável: é a vontade de matar, não o instrumento do crime, que horroriza as consciências sãs». Este é o maior problema. É válido debater maneiras de minimizá-lo; mas dirigir a indignação às armas ao invés de pensar em como se precaver contra os que puxam os gatilhos é errar feio o alvo. Os criminosos não serão extintos à força de restrições legais às armas de fogo. Deve-se pensar no que se pode fazer para evitá-los; e, de preferência, antes que as sirenes da polícia chegando avisem a todos que já se consumou mais uma tragédia.

Os mártires de São Bartolomeu

Hoje se celebra um interessante capítulo da história da Igreja que eu não conhecia, mas que foi comentado recentemente por email na lista “Tradição Católica”. Trata-se da Batalha de Orthez, ocorrida em 1569. É um episódio que se insere no contexto das guerras religiosas da França.

Em resumo: no dia de hoje, 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, um exército católico resistia a um cerco na cidade de Orthez, na França, que estava sitiada por tropas protestantes huguenotes. As coisas não iam muito bem na resistência da cidade. Com a promessa de terem as suas vidas poupadas, renderam-se. No entanto, essas garantias não foram respeitadas e os prisioneiros católicos foram terrivelmente chacinados ao deporem as armas.

A descrição da Wikipedia nos traz um detalhe interessante, que revela o odium Fidei dos exércitos huguenotes:

Uma morte especial foi reservada para os padres: eles foram arremessados para a morte do alto da Ponte Velha de Orthez sobre o rio Gave de Pau. Além disso, o castelo de Moncade foi destruído, assim como as igrejas da cidade e muitas casas.

Qual o motivo da curiosidade histórica? Hoje se recorda também um outro massacre, muito mais célebre do que o primeiro: a famigerada Noite de São Bartolomeu que, ao contrário da desconhecida Batalha de Orthez que citei acima, tem uma página (bonita) na Wikipedia lusófona. Foi um absurdo injustificável, uma carnificina horrenda; mas não é possível entendê-la convenientemente quando ela é citada “sozinha”, como se fosse um Everest de crueldade erguendo-se subitamente em meio a uma planície de paz e concórdia. Simplesmente não foi isso o que aconteceu, e é uma questão de justiça histórica pintar o quadro com todas as suas cores.

Hoje é, portanto, dia de penitência e de júbilo. Penitência pelo massacre que os católicos realizaram em 1572, mas júbilo pelo martírio que os católicos sofreram em 1569. Que, pela intercessão dos mártires de Orthez, possamos afogar os maus exemplos do passado (e do presente) na abundância de bens. Que as nossas boas obras sirvam para cobrir – um pouco que seja – as manchas que alguns católicos – membros mortos pelo pecado – causam ao Corpo de Cristo do qual, não obstante, fazem parte.