A purificação da Igreja

Perguntaram, aqui no Deus lo Vult!, sobre a Igreja “sempre necessitada de purificação” da qual fala a Lumen Gentium. Eu já havia dito, no próprio post, que é necessário distinguir a Igreja em Si dos membros da Igreja. Falar que a Igreja precisa de purificação, portanto, só pode ser entendido como uma metonímia, onde “Igreja” está significando “os membros da Igreja”. Não vejo como possa ser possível um outro sentido para a expressão que preserve a ortodoxia.

Que a Igreja é Santa e Santificante em Si, julgo ser óbvio, e não vou me deter nesta demonstração. No entanto, a Igreja é uma sociedade, é composta por membros, dos quais nem todos são santos. Pode-se perfeitamente dizer que a Igreja é Santa não somente em Si, mas também em Seus membros santos. É neste sentido, portanto, e somente neste, que se pode dizer que a Igreja precisa de purificação: em Seus membros pecadores.

O princípio da não-contradição não diz, simplesmente, que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Diz que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob um mesmo aspecto, e isto faz toda a diferença. Não é sob o mesmo aspecto que a Igreja é Santa e “precisa de purificação”. A Igreja é Santa em Si. Precisa de purificação em Seus membros pecadores. São modos distintos. Não apenas não há contradição, como isto é um fato incontestável: os membros pecadores da Igreja fazem parte da Igreja e precisam de purificação.

Podem questionar a oportunidade da expressão. Mas é uma discussão infrutífera: não faz diferença, pois o ensino do Magistério deve ser acolhido no seu sentido católico, e não repudiado até que seja expresso da forma que julgarmos melhor. O que a assistência do Espírito Santo garante é a inexistência de erros, e não a mais perfeita formulação das Verdades. Posso concordar facilmente que o texto conciliar poderia ser escrito melhor; não posso concordar, de nenhuma maneira, que isso seja motivo para um leigo descartá-lo.

Até porque não há “invenção” alguma ao dizer que a Igreja precisa de purificação. Os seguintes trechos – os grifos são meus – são dos dois maiores doutores da Igreja, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, e estão ipsis litteris no “Memória e Reconciliação” da Comissão Teológica Internacional. Antes que mo digam, eu sei que a CTI não é Magistério. Mas não estou argumentando com textos da CTI, e sim com textos de dois doutores da Igreja citados pela CTI. Ei-los:

Observa St. Agostinho contra os pelagianos: “A Igreja no seu conjunto afirma: Perdoai-nos os nossos pecados! Ela, portanto, tem manchas e rugas. Mas, mediante a confissão as rugas são removidas, mediante a confissão as manchas são lavadas. A Igreja está em oração para ser purificada pela confissão, e enquanto os homens viverem na terra isto será assim” (25), E S. Tomás de Aquino precisa que a plenitude da santidade pertence ao tempo escatológico, enquanto a Igreja peregrinante não se deve enganar a si mesma afirmando ser sem pecado: “Que a Igreja seja gloriosa, sem mácula nem ruga, é o objectivo final para o qual tendemos em virtude da paixão de Cristo. Isto apenas existirá, no entanto, na pátria eterna, e não já na peregrinação; aqui […] enganar-nos-íamos se disséssemos não ter qualquer pecado” (26).

[…]

25. St. AGOSTINHO, Sermo 181,5,7: PL 38, 982.

26. S. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologica III q.8 a.3 ad 2.

Memória e Reconciliação, 3.3

Em outro sentido, portanto, não há que se compreender o texto do Vaticano II. Que ninguém o faça; nem para pregar uma doutrina diferente da Doutrina Católica, e nem para instigar a desobediência no seio da Igreja e arrogar-se o direito de julgar o Magistério.