O sacrifício de Caim

A crise da Igreja é a crise da Liturgia, é a crise do culto a Deus. Porque a Fé enfraquece na medida em que não se cultua, ou se cultua mal, Aquele em quem se crê; e, do mesmo modo, e ao revés, em um ciclo vicioso, o culto empobrece na medida em que esmorece a crença. Se o nosso culto não se dirige a Deus, então ele pode ser feito “de qualquer jeito”; do mesmo modo, se as nossas cerimônias sagradas são feitas “de qualquer jeito”, então é porque, no fundo, elas não se dirigem, de verdade, a Deus. Esse raciocínio pode não ser verbalizado, pode ser até que alguém não tenha consciência, dele, nestes termos formais: mas ele é inelutável e se impõe a todos, instintivamente, como uma lei não escrita e mesmo não pensada.

É por isso que lex orandi lex credendi e é por isso, por exemplo, que Deus se agradou do sacrifício de Abel e aborreceu o de Caim. Abel sacrificou ao Senhor os primogênitos do seu rebanho; Caim ofereceu-Lhe “frutos da terra”, assim, sem adjetivos, sem qualificações, sem nada. Quem lê o início do quarto capítulo do Gênesis fica com a sensação de que foi isso que o hagiógrafo quis ressaltar: um dos irmãos reservou para Deus o melhor que possuía, enquanto o outro pegou para Ele a primeira coisa que encontrou.

E o fratricídio já estava todo anunciado naquele offerret Cain de fructibus terræ munera Domino. Nem era necessário ler o resto da história: no descaso para com Deus já se insinuava o descaso para com o próximo, e a ofensa a Deus já eram os prolegômenos da ofensa ao irmão.

Mas voltemos ao nosso tempo, e às nossas missas mal-celebradas, muitas das quais fariam o próprio Caim corar de vergonha. Não digo que os católicos desleixados com a Liturgia são pessoas perigosas, das quais se deve guardar prudente distância, porque estão sempre na iminência de cometer algum assassínio em massa. Não, a graça do Evangelho já se derramou irreversivelmente sobre o mundo e à blasfêmia não necessariamente se segue o homicídio, como se o Gênesis devesse sempre se repetir literalmente pelos séculos sem fim. Mas o desleixo litúrgico diz muito acerca do que somos e do que cremos, e da credibilidade que emprestamos à mensagem que nos propomos a passar. Ao rezarmos mal, aproximamo-nos mais do sacrifício de Caim do que do sacrifício de Abel, e isso não pode deixar de ter consequências.

A excelência litúrgica é coisa difícil de ser alcançada em meio à mediocridade generalizada em que vivemos; mas cada um pode fazer alguma coisa para conferir ao menos o devido zelo ao serviço do altar. O simples fiel tem por vezes — por muitas vezes, eu diria até mesmo quase sempre — pouca influência na celebração dos Santos Mistérios; mas mesmo ele pode e deve cumprir o seu papel. Que geralmente vai ser, dentro da missa, o não se deixar contaminar e nem desanimar.

E esse combate solitário e, a todas as aparências, improdutivo, não passará despercebido aos olhos de Deus. Ele fará a Seu tempo os céus orvalharem e o campo florescer. O último fiel ajoelhado diante do Santíssimo Sacramento presta um testemunho cujo valor ultrapassa a compreensão humana — afirma a Fé de uma maneira que mil abusos litúrgicos não são capazes de silenciar. Em meio ao deserto, qualquer filete de água é um oásis vivificante. E, a despeito do fratricídio, o que o Gênesis nos ensina é que, ao final, o sacrifício de Abel suplantou o de Caim.

Da conveniência de uma Liturgia Universal

Confesso ter certa dificuldade com uma coisa que, em tempos normais, não deveria ser capaz de angustiar católico algum: assistir a Santa Missa em um lugar distinto do habitual. Se a Igreja é Católica — i.e., Universal — e se a Liturgia é o serviço público da Igreja (“público” aqui tem o sentido de “oficial”), seria de se esperar que esta catolicidade se refletisse, também e talvez até principalmente, na maneira como a Igreja presta o Seu culto a Deus, independente do lugar em que se desse a celebração do Santo Sacrifício.

Eu entendo o argumento de que o Evangelho não é uma cultura pronta e acabada mas, ao contrário, uma força capaz de orientar para Cristo tudo aquilo que é verdadeiramente humano — e, portanto, tem em Si próprio a força de elevar a Deus qualquer cultura. Mas disso não me parece decorrer que o culto a Deus deva reproduzir as particularidades de cada povo, de cada grupo social, de cada costume local (ainda que legítimo). Ao contrário: penso que, no que diz respeito à Sagrada Liturgia, a catolicidade da Igreja deve se sobrepôr à legítima particularidade dos fiéis que do culto divino tomam parte em um momento histórico específico e em um lugar determinado do globo terrestre. Há, penso, diversas razões para que isto deva ser dessa maneira, das quais as três a seguir não são as menos importantes.

Em primeiro lugar, por uma questão de, se é possível chamar assim, sacramentalidade. O sacramento é um sinal e isto significa que a Liturgia da Igreja é, ela toda, uma linguagem. Para além da graça eficaz que é inerente a todo Sacramento, há uma mensagem que a Liturgia precisa transmitir — e esta mensagem precisa falar à inteligência, à compreensão de cada fiel. Ora, esta mensagem é por definição extraordinária: a linguagem da qual ela se reveste, portanto, para ser proporcionada ao conteúdo que se presta a transmitir, precisa ser, ela também, extraordinária. Precisa se afastar do quotidiano, das coisas do dia-a-dia, dos símbolos usados ordinariamente para tratar das coisas da vida: a Liturgia precisa, assim, distanciar-se dos costumes e usos sociais legitimamente vigentes em cada sociedade. Isso é necessário para que o católico veja, na Liturgia, já ao primeiro vislumbre, algo diferente do comum dos dias: é a clássica distinção entre o sagrado e o profano, difícil de exprimir hoje em dia porque o segundo termo adquiriu um caráter pejorativo que não se pode ignorar. O que quero dizer é simplesmente o seguinte: nem tudo o que é humanamente legítimo é adequado à Sagrada Liturgia e nem tudo o que não cabe no Culto Divino é, por isso mesmo, pecaminoso ou indigno. Esta é uma compreensão que se precisa urgentemente resgatar: munidos dela, os católicos seriam mais comedidos em introduzir nas suas celebrações estes elementos estranhos ao espírito da Liturgia e que tanto atrapalham a frutuosa participação dos fiéis.

Em segundo lugar, porque todo legítimo processo de inculturação é mais passivo do que ativo: isto significa que os homens mais têm a sua cultura purificada pela Igreja e moldada ao vigor do Evangelho do que constroem, eles próprios, o seu contributo pessoal ao Catolicismo, o seu tijolo personalizado a integrar as muralhas da Cidade Santa de Deus. O contato transformador com o Evangelho não é um exercício imaginativo ou uma experiência inefável com um fantasma amorfo: se os primeiros cristãos encontraram-se com um Cristo verdadeiramente humano, com um rosto próprio e uma voz particular, é com uma Igreja concreta que se prolonga na História este encontro salvífico — e esta Igreja tem a Sua própria face e a voz que indistintamente é d’Ela. Tem Seus símbolos e Sua linguagem, que A identificam e sem os quais não é possível haver verdadeiro encontro entre os filhos de Deus e a Esposa de Cristo. Se é verdade que há muitas características distintas que cabem no conceito de “homem”, é igualmente verdade que no Verbo de Deus encarnado encontram-se características humanas específicas — uma dada cor de pele, um específico tom de voz, determinada cor de olhos e de cabelos etc. Ora, é claro que há incontáveis elementos humanos com os quais se poderia conceber uma instituição que anunciasse o Evangelho; mas a Igreja, que é o Corpo de Cristo, possui alguns elementos determinados e específicos que respondem por Sua individualidade histórica e por Sua natureza encarnada. E da mesma forma que todo ser humano encontra-se em Cristo Encarnado sem que Ele precise ter ao mesmo tempo todas as distintas características físicas de cada indivíduo, toda cultura humana encontra-se na Igreja de Cristo sem que Ela precise reproduzir em Si mesma todas as culturas — ou cultura nenhuma.

Em terceiro lugar, por fim, por uma questão de catolicidade. A unidade de rito faz com que todo católico, em qualquer parte do mundo em que se encontre, possa vivenciar a Liturgia do modo que está acostumado. Isso complementa admiravelmente o que se dizia acima: se por um lado o católico precisa sentir-se sempre um pouco estrangeiro ao adentrar na igreja da sua terra natal, por outro ele precisa experimentar sempre um ar de familiaridade ao ingressar na igreja de uma terra estranha. O rito católico, justamente por ser universal, não é de lugar algum e é simultaneamente de todos: não existe nenhum fiel capaz de pretender que aquele rito reflita exatamente os costumes particulares do seu povo ou do seu grupo, mas também ninguém pode dizer tratar-se de celebração alienígena que em tudo lhe é estranha. A Sagrada Liturgia é de todos exatamente por não ser de ninguém em particular; esta manifestação sensível de catolicidade fortalece a Igreja e contribui para que todo fiel possa viver melhor a sua Fé. Fazer diferente disso não é enriquecer a cultura particular do fiel, mas ao contrário: é sepultar a cultura universal de todo católico e, fechando-lhe o acesso ao fiel, privá-lo de uma dimensão de eclesialidade que não se pode satisfatoriamente substituir.

Eu pensava nessas coisas porque, em viagem, precisei recentemente assistir a Santa Missa em lugar que eu não conhecia. Mas os meus temores não se concretizaram: Deus foi misericordioso comigo, e me presenteou com uma Missa impecável, celebrada por um sacerdote zeloso cujos olhos estavam o tempo inteiro voltados para Deus. Que o Altíssimo abençoe e recompense aquele padre, que me proporcionou uma bela Missa. Uma Missa sóbria, reverente, comedida, sem invencionices, que poderia ter sido celebrada em qualquer lugar do mundo, por qualquer sacerdote — e, justamente por isso, uma Missa tão católica.

A criança no banco da frente da Missa

Havia uma criança no banco da frente, e a pequena não parava quieta um instante sequer! Era Missa; e a frutuosa participação no Sacrifício de Cristo exige algumas disposições interiores de ordinário avessas à distração inevitavelmente provocada por uma criança irrequieta. Em poucas palavras, a gente precisa se concentrar pra rezar direito, e é difícil concentrar-se com uma criança chamando a sua atenção o tempo todo…

Lembrei-me de que “o problema” das crianças na Missa já fora abordado de um sem-número de maneiras. Há quem defenda que elas sejam simplesmente deixadas em casa. Há quem pugne pelo oferecimento de uma estrutura paroquial – uma salinha separada, a “acolhida das crianças” – para “tomar conta” dos pequenos enquanto os seus pais assistem à Missa. Há quem diga que os pais devem se impôr mesmo e fazer as crianças ficarem quietas, retirando-as do recinto sagrado se necessário for. Domingo, havia uma criança no banco da frente, e eu me peguei a pensar no assunto. E, curiosamente, a solução a que cheguei foi esta: é preciso deixar as crianças serem crianças. E deixar os pais serem pais.

A menina – era já um pouco grandinha, não sei, três anos… – olhava para tudo ao redor, com aquela curiosidade própria de quem tem um mundo inteiro a desbravar. Subia no banco. Descia do banco. Abraçava o pai. Segurava a mãe. Tinha uma voz estridente, de cujo volume as convenções sociais ainda não tivera tempo de aprender. Pegava o papel. Derrubava o papel. Ia de um lado para outro, para o braço de um e de outro. Olhava, sorria. Desinteressava-se. Falava. Ensaiava um choro. Um momento houve até em que, em pé no banco, começou a pisar forte e ritmadamente – com o insofismável fito de fazer barulho. (Neste instante, aliás, o pai a pegou no braço. E ela não fez escândalo. Em momento algum ela fez escândalo.)

Pela descrição, parece até que a igreja estava a ponto de vir abaixo; dir-se-ia um verdadeiro pandemônio instaurado no templo santo de Deus. Houve até um momento em que eu próprio olhei para a criança e me perguntei se não haveria algum fenômeno preternatural a explicar aquele incansável empenho infantil em roubar do Altar a atenção dos fiéis. Mas, na verdade, a impressão agora é ilusória, como o fora no decorrer da Missa. A criança não atrapalhava a celebração mais do que outras coisas com as quais a Igreja sempre conviveu – e é bom que conviva.

Li, há anos, em não me lembro agora qual historiador, uma descrição de uma provável Missa celebrada em um típico vilarejo medieval. Não havia os bancos que hoje nos acostumamos a encontrar, a fim de organizar os fiéis que se reúnem para a assistência do Santo Sacrifício; o espaço aberto da nave ocupava-se de maneira natural, orgânica, à medida que os católicos fossem chegando e na proporção do seu fervor religioso na ocasião. O povo também não se pejava de adentrar o templo do modo como se encontrasse; às vezes carregando um saco de frutas a vender na feira, ou dois patos adquiridos no caminho e que iriam servir de alimento à família. O ápice da Missa era – como ainda é – a Consagração; assim, no instante em que o sacerdote elevava a Hóstia Consagrada por cima de sua cabeça, todos se acotovelavam para, acima dos ombros uns dos outros, vislumbrar – por um instante fugaz que fosse – o Santíssimo Sacramento. E, imaginando as penas voando, o grasnar dos patos, a melancia espatifando-se no chão e um monte de gente se empurrando para ver melhor (que os outros) o altar… aquela criança no banco da frente da Missa de domingo passado parecia-me transmitir uma quietude elísia.

O quadro, dirão, é “pouco piedoso”. Ora, mas é claro que é pouco piedoso; é um quadro que retrata todas as mazelas e defeitos dos seres humanos de carne e osso para cuja salvação existe a Igreja! Mas não se trata sempre de pouco zelo; às vezes, há circunstâncias pessoais bem razoáveis a justificar certos comportamentos dos fiéis. E para as encontrar não é preciso retroceder a nenhum obscuro vilarejo medieval; basta pensar, por exemplo, nas missas celebradas em campanha. Ou alguém acha que em Iwo Jima não havia soldados fazendo a guarda, olhares apreensivos para todos os lados, tiroteios e ribombos de canhões ao fundo, essas coisas que costumam acontecer nas guerras?

Tampouco é preciso ir à guerra; vá-se a uma festa popular de maior monta. Aqui, em Recife, fui recentemente (como o disse) à de Nossa Senhora no Carmo. E havia crianças comendo, e gente mexendo no celular, e empurra-empurra na nave central (da qual, em talvez involuntária homenagem ao vilarejo medieval que referi acima, haviam retirado os bancos), e guardas-chuvas e capas pingando (sim, chovia lá fora), e pessoas chegando e saindo o tempo inteiro. Perto disso, repita-se mais uma vez, a criança no banco da frente da Missa de domingo passado transparecia a placidez de um mosteiro cartuxo.

O ponto, em suma, é o seguinte: não nos deve surpreender que a assistência à Missa revista-se dos elementos naturais da vida social. Mais até: quanto mais fortes forem esses elementos, mais isso significa que a religião está entranhada no dia-a-dia das pessoas, mais as pessoas a vêem com familiaridade. Atenção, que não se está aqui falando nada de Liturgia! A Liturgia é para ser sempre impecável, é evidente, como convém ser o culto prestado ao Deus Todo-Poderoso. Mas a forma como as pessoas assistem a este culto pode, sim, adquirir os rasgos de espontaneidade não-institucional que sejam socialmente aceitáveis e razoavelmente justificáveis. E é até bonito que assim se faça; chega a ser um testemunho da vitalidade do Evangelho, ao qual se curvam as necessidades sociais. Falo, por exemplo, de pessoas entrando e saindo da igreja durante a Missa, aproveitando o intervalo do horário de trabalho para assistir, se não a celebração inteira, ao menos o pedaço que conseguem. Falo de militares de serviço assistindo à missa de farda camuflada, quepe às costas. Falo de doentes tossindo. E, claro, falo de mães embalando seus filhos, ou retirando-se para lhes trocar as fraldas, e falo de crianças correndo e gritando.

Dir-me-ão que essas coisas são muito diferentes, e que nada tem a ver uma guerra com um feirante, ou com um pedreiro sujo de cimento, ou com uma criança mal-comportada. Eu digo que todas essas coisas têm muito mais em comum entre si do que parece à primeira vista: são, todas elas, exemplos de seres humanos tentando conciliar os seus deveres de estado com a prática religiosa. Assim como o soldado deve combater, e isso talvez lhe exija prestar atenção nos arredores do acampamento mesmo durante a celebração da Missa, assim o trabalhador deve prover o sustento da sua família – e isso talvez lhe exija levar à igreja os seus instrumentos de trabalho. Isto é um sinal de que a sociedade anda sadia e está ordenada; é um indício de que, apesar de tudo, as coisas estão indo bem.

Mas um soldado não é a sua patente e, um feirante ou pedreiro, não é o seu comércio ou sua construção civil. Uma mãe, contudo, é indissociável da sua maternidade. O soldado tem o seu dia de folga, onde ele não exerce o serviço de militar; um pai, contudo, não dispõe de um instante sequer onde esteja dispensado de seus serviços paternos. Nem aos domingos. Nem na igreja.

Uma família com crianças é uma campanha militar permanente. E se deixamos sem maiores olhares de censura os soldados (ou os policiais, ou os médicos, ou os bombeiros) assistirem às nossas missas, mesmo que estejam fardados, mesmo que o rádio que levam à cintura possa eventualmente tocar, mesmo que precisem sair às pressas da celebração; se os deixamos e, ainda, sentimo-nos gratos porque eles protegem as pessoas, salvam vidas, cuidam de nós, e é bom tê-los por perto; se, até mesmo!, olhamos com admiração para essas pessoas que, no meio do serviço, fazem malabarismos para conciliar os seus deveres com algum tempo de oração e de agradecimento a Deus; por qual razão censuraríamos as famílias que vão à missa fardadas com bolsas e fraldas, e carrinhos de bebê, e mamadeiras?, e por qual motivo não agradeceríamos àqueles que, mesmo durante a Missa, não descuidam do cuidado dos seus filhos, que outra coisa não é que o cuidado com o nosso futuro?, e por quê, em suma, não olharíamos com admiração e reconhecimento para estas pessoas que, sem descuidar de seus deveres – mesmo a serviço! -, desdobram-se para dedicar um pouco de tempo à vida de oração e aos seus deveres públicos para com Deus?

A menina no banco da frente da igreja era uma criança. E isso significava três coisas: primeiro, que ainda há crianças no mundo, graças a Deus; segundo, que os seus pais não as deixavam de lado para estar na Igreja; e, terceiro, que eles tampouco deixavam a Igreja para cuidar de suas crianças. Foi o que eu percebi no domingo passado; e, perto disso, qualquer distração que a sua presença pudesse provocar era de pouca monta. Que Deus nos conceda igrejas repletas de crianças! Conviver com elas, afinal de contas, é um excelente sinal de que as coisas – graças a Deus! – ainda andam bem no mundo.

“Da boca das crianças e dos pequeninos sai um louvor que confunde vossos adversários”

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=WmMPc_xZJfA

«Antes de te formar no ventre de tua mãe, Eu te conheci; 
antes que fosses dado à luz, Eu te consagrei, 
para fazer de ti profeta das nações»
Jr 1, 5

É belíssimo! Não sei a idade do garoto; mas noto que ele, entre outras coisas, recita o Gloria [«O Glória é um antiquíssimo e venerável hino com que a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e ao Cordeiro. Não é permitido substituir o texto deste hino por outro», IGMR 53] e usa casula por cima da estola [«o sacerdote que se veste com a casula, conforme as rubricas, não deixe de pôr a estola», RS 123], cuidados que infelizmente nós nem sempre observamos nas nossas paróquias. Que a Virgem Santíssima abençoe e fortaleza a sua vocação; com sacerdotes assim, o nosso futuro estará melhor.

O título do post é o Salmo 8, 3a.

Vortex: o seqüestro do Papa

Bastante oportuno e didático este programa do Michael Voris, que alguma alma caridosa fez a gentileza de legendar. Vem ao encontro de tudo quanto estamos dizendo aqui desde a eleição do Papa Francisco: há uma clara tentativa de confeccionar uma imagem falsificada do Sucessor de Pedro e apresentá-la ao mundo como se fosse o Papa verdadeiro. Este é o inimigo concreto contra o qual temos que lutar agora, este é provavelmente o maior empecilho que o Santo Padre terá para governar a Igreja de Cristo.

Citemos, como foi oportunamente lembrado no vídeo, as palavras do Papa aos cardeais na sua primeira Missa:

Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se caminha, ficamos parados. Quando não se edifica sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo que às crianças na praia quando fazem castelos de areia: tudo se desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: «Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo». Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demónio.

Não nos esqueçamos dessas palavras. Aconteça o que acontecer, não nos esqueçamos dessas palavras. E rezemos pelo Papa! Para que ele, a despeito de todas as dificuldades, consiga conduzir santamente a Barca de Pedro em meio aos mares agitados da História em que Ela precisa navegar.

Missa de início do Pontificado do Papa Francisco

Li ontem na Folha de São Paulo que o Papa faria uma «cerimônia mais curta e sem latim» na Missa de início do Ministério Petrino do Bispo de Roma Francisco hoje celebrada. A menina da CBN, aliás, foi ainda mais longe e soltou que o latim era uma «língua morta que o seu predecessor, o Papa Emérito Bento XVI, tentara restaurar» – as aspas não são literais porque cito de memória o que ouvi no carro, mas a oposição entre as celebrações litúrgicas do Papa Bento XVI e esta Missa inicial do Papa Francisco era rigorosamente a que exponho aqui.

Estou neste momento assistindo à Solenidade de São José, Esposo da Bem-Aventurada Virgem Maria transmitida pelo site do Vaticano. Neste exato momento está sendo cantado o Per ipsum, et cum ipso et in ipso que conclui a Oração Eucarística – foi aliás usado o Cânon Romano, todo ele em latim. E ninguém precisava esperar o dia de hoje para o descobrir, porque o .pdf do livrete da celebração já estava ao menos desde ontem disponível para download no site do Vaticano e, nele, era possível ver que, à exceção das leituras e da oração da assembléia, a Missa seria toda em latim. Como o foi.

Na verdade, houve uma única ausência do latim nesta celebração. O Evangelho foi lido em grego e por um diácono grego; isto simboliza a jurisdição universal do Romano Pontífice, que abarca tanto o Ocidente quanto o Oriente. Segundo o costume, haveria uma sua repetição em latim logo em seguida, e esta não foi feita. Foi o suficiente para que a mídia tupiniquim inteira soltasse aos quatro ventos que o Papa iria celebrar uma missa “sem latim”, na patética ânsia de aproveitar qualquer oportunidade – verdadeira ou falsa – para semear na opinião pública um sentimento de oposição entre o Papa Francisco e o Papa Bento XVI. Como se fosse possível à Igreja opôr-se à própria Igreja, ou como se Cristo pudesse estar contra Cristo. Na verdade, a imprensa dá – mais uma vez! – mostras de que não entendeu nada do discurso do Papa aos representantes dos meios de comunicação social que comentei aqui ontem: ela teima em fazer coberturas religiosas excluindo a perspectiva da Fé e, por conta disso, apresenta ao mundo uma visão distorcida da Igreja Católica. Por isso, não deixa de quebrar a cara e de passar vergonha quando os fatos desmentem impiedosamente as suas falsas previsões e notícias sem sentido.

Como  acaba de acontecer. Acabou de ser celebrada em latim a Missa que todo mundo (à exceção da Folha de São Paulo, da CBN e dos outros órgãos brasileiros de imprensa que colocam a sua agenda ideológica acima da busca desapaixonada da verdade dos fatos) sabia que seria celebrada em latim. Com incenso, arranjo beneditino sobre o altar, coral gregoriano e polifônico, paramentos dignos, comunhão de joelhos, Mons. Marini de cerimoniário pontifício, férula papal (a de Bento XVI) nas mãos do Papa Francisco, Te Deum na procissão de saída. Perfeitamente adequada ao dia de hoje: Quaresma, Dia de São José (Patrono Universal da Igreja) e início do Ministério Petrino do Papa Francisco.

A homilia que o Papa proferiu nesta manhã já se encontra em português no site do Vaticano. Dela, destaco:

Hoje, juntamente com a festa de São José, celebramos o início do ministério do novo Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, que inclui também um poder. É certo que Jesus Cristo deu um poder a Pedro, mas de que poder se trata? À tríplice pergunta de Jesus a Pedro sobre o amor, segue-se o tríplice convite: apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas. Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz.

E o Papa Francisco encerrou a sua homilia com um pedido: «e, a todos vós, digo: rezai por mim! Amen». Sim, Santo Padre, rezaremos. Para que o Espírito Santo Paráclito possa culminar-lhe de todas as abundantes graças necessárias para o santo desempenho do múnus de Vigário de Cristo e Pastor da Igreja Universal. Para que São José, Patrono da Igreja, conceda-lhe a força necessária para guiá-La em meio às tribulações dos dias de hoje. E para que a Virgem SSma., Mãe de Deus, tome a Seu encargo todos os milagres necessários para que este Pontificado dê os extraordinários frutos de santidade dos quais o nosso mundo tanto precisa. Amen!

Corrão para as montanhas!

* O título deste post não está “errado”, e sim em português arcaico: veja-se, p.ex., Camões n’Os Lusíadas ou estes versos de Nicolau Tolentino de Almeida: «Cuja alma não conhece vís mudanças, / Ou corrão tempestades, ou bonanças».

Todo mundo sabe que o fim do mundo está marcado para este mês e, portanto, qualquer coisa relativamente fora do comum que acontece é apresentada como um dos muitos indícios de que o mundo está acabando mesmo e só não vê quem não quer. Naturalmente, os melhores indícios do Fim são os apresentados em caráter lúdico. A nós, católicos, não interessa a hora exata em que o mundo vai acabar porque todos nós sabemos que podemos morrer a qualquer momento e, portanto, para cada um de nós o Juízo sempre pode ser nos próximos minutos. Mas isto não nos impede de saborear os memes.

Ontem morreu o Oscar Niemeyer, e a já proverbial longevidade do arquiteto carioca era uma piada pronta. Não pude evitar pensar que isto era mais um sinal de que estamos mesmo na iminência do fim do mundo, mas o pior ainda estava por vir. O verdadeiro sinal de que o Armageddon já começou e não nos avisaram é a celebração de uma Missa de corpo presente para o recém-falecido arquiteto ateu!

Ateu! Não estamos falando simplesmente de um “católico não-praticante” ao qual o repentino interesse pelas coisas divinas no ocaso da vida provoca nos céticos uma suspeição de hipocrisia. Muito diferente disso, aqui se trata de um ateu público e convicto! Qual o sentido de que se lhe celebrem exéquias católicas?

Não se trata, absolutamente, de sentenciar o pobre arquiteto a cruzar aquela Porta Terrível que, na Comédia de Dante, manda a todos os que por ela entram deixar fora toda a esperança. É claro que somente Deus é Juiz de todos e, portanto, qualquer pessoa, até mesmo um ateu de carteirinha, pode em princípio ter-se aberto à graça de Deus na hora da morte e partido deste mundo na amizade com Ele. É claro que devemos rezar pela salvação de todos os homens, não-católicos inclusive, cujo destino eterno não conheceremos até o Dia do Juízo Final. É claro que os familiares e amigos – aliás, qualquer pessoa que o deseje – podem rezar a Deus pela alma do Niemeyer: que o Todo Poderoso tenha dele misericórdia.

Acontece que as exéquias católicas são para os católicos, pois assim prescreve o Direito e isto tem uma razão de ser. Com efeito, lemos no Direito Canônico:

Cân. 1184 — § 1. Devem ser privados de exéquias eclesiásticas, a não ser que antes da morte tenham dado algum sinal de arrependimento:

1.° os apóstatas notórios, os hereges e os cismáticos;
2.° os que escolheram a cremação do corpo próprio, por razões contrárias à fé cristã;
3.° os outros pecadores manifestos, aos quais não se possam conceder exéquias eclesiásticas sem escândalo público dos fiéis.

Todo auto-declarado ateu é, por definição, um “apóstata notório”. Quando o ateu, além disso, é uma figura pública que sempre deu claras e ostensivas mostras do seu ateísmo, torna-se um “pecador manifesto” para o qual a celebração de uma Missa de Requiem provoca perplexidade e “escândalo público dos fiéis” – portanto, tal Missa não deveria ser celebrada. A questão aqui não é privar a alma do falecido da – necessária! – misericórdia divina, mas sim demarcar clara e publicamente o abismo que separa a Fé da Incredulidade. Afinal, se o culto público da Igreja de Deus não se destina aos Seus fiéis… o que ele é, então? Se celebram-se missas igualmente por católicos fervorosos e por ateus convictos, como convencer as pessoas de que não se trata de um “evento social” filantrópico qualquer que se realiza para qualquer um e por qualquer motivo? Se um ateu tem direito a uma Missa Pro Defunctis, como evitar que as pessoas percam de vista o significado profundo do Sacrifício Eucarístico?

Houve um tempo em que aos suicidas – mesmo os católicos! – era negada sepultura eclesiástica. E isto nunca teve nada a ver com afirmar a impossibilidade do arrependimento final “entre a ponte e o rio”: Deus sempre foi o único Juiz dos homens! Mas a sepultura da encruzilhada, embora não determine a sorte eterna do que lá jaz, tem um profundo valor catequético para os que cá ficam. Trata-se – como expôs brilhantemente Chesterton – de reconhecer no suicida «um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora dele que ele quer ver o fim de tudo». Trata-se simplesmente de testemunhar aos homens como se deve viver. E a morte, ainda que seja uma tragédia, não autoriza ninguém a mitigar a necessária força deste testemunho.

Enfim, está morto Niemeyer: que lhe possa ter valido a Virgem Soberana no instante derradeiro. Mas não nos é lícito pressupô-lo tão ligeira e levianamente, conferindo funerais católicos a quem viveu longamente como inimigo da Igreja. Em suma, que o Altíssimo não nos negue a ninguém a Sua Infinita Misericórdia da qual somos, todos, absolutamente necessitados. Supliquemo-Lha! Mas que isto não se faça às custas de semear o indiferentismo e disseminar ainda mais a confusão entre os homens do nosso tempo, que já vivem suficientemente longe da Igreja de Deus e para a Qual precisam voltar-se muito antes da sua Missa de corpo presente.

Convite: Dedicação da Igreja Matriz de São Sebastião e São Cristóvão.

Mais um convite: conforme consta na página da Paróquia da Imbiribeira no Facebook, será na próxima semana a dedicação da Matriz de S. Sebastião e S. Cristóvão, após a conclusão das reformas das quais a igreja foi palco nos últimos tempos.

Os que já tiveram a oportunidade de vê-la disseram que a igreja está bem bonita. A paróquia merece ser prestigiada. Fica o convite.

É com grande alegria que a comunidade paroquial da Imbiribeira e seu pároco. Pe. Nildo Leal de Sá, convidam V. Rev.ma para a solene Celebração Eucarística presidida por S. Ex.Cia Rev.ma, D.Antônio Fernando Saburido, OSB, na qual se fará a dedicação da Igreja Matriz de São Sebastião e São Cristóvão.

Data: 5 de junho de 2012.
Horário: 19 h.
Endereço: Rua Moacir de Albuquerque, 198, Imbiribeira
Recife – PE

A Beleza verdadeira exige a Verdade e a Ela conduz

Eu gostei deste texto do Marcelo Coelho, ateu confesso, a respeito de uma missa à qual ele foi a pedido de um amigo católico. E que nos valeu – a nós, católicos todos – a indulgência do embevecido ateu: «Depois de uma missa tão bonita e inteligente, vocês estão desculpados».

Eu já repeti aqui outras vezes que salvar a Liturgia é salvar o mundo, e creio que remete a Dostoievski a formulação clássica: «a Beleza salvará o mundo». Porque o Belo, como eu já disse algures, é um transcendental que tem uma impressionante capacidade de “tocar” as almas que se permitem contemplá-Lo. O Belo atrai; e, algumas vezes, atrai até mesmo de uma maneira mais eficaz do que a Verdade e o Bem.

Algum amigo questionava, diante deste artigo do Marcelo Coelho, qual culto protestante seria capaz de provocar uma impressão assim em homens incrédulos. Isto é uma verdade facilmente perceptível: ao se afastarem do Verum, os protestantes acabaram por afastar-se também do Pulchrum. Porque a Beleza verdadeira exige a Verdade. Os erros são feios em si, e facilmente degeneram em manifestações externas também feias, privadas da Beleza capaz de encantar as almas: daquele tipo particularmente Belo de beleza, capaz de tocar até mesmo as almas incrédulas.

Não é outro o motivo, afinal, pelo qual é feia a arte moderna. Minando a sensibilidade estética dos homens, a Revolução consegue mais facilmente minar-lhe o intelecto e o senso moral. Porque, afinal de contas, chamar o feio de belo é uma outra modalidade de pecado que certamente também recai sob aquela condenação vetero-testamentária: «Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!» (Is 5, 20). Também é pecado conceder às coisas feias a consideração devida somente às belas. Negar-se a entregar a Deus o que existe de belo no mundo é também uma outra forma de se repetir o diabólico brado de non serviam! de Satanás.

E um pecado particularmente malicioso é buscar corromper o senso estético dos homens, para assim mais facilmente levá-los ao erro e ao mal. Contra este, porém, resta a esperança de que existe algo no interior do homem que resiste à enxurrada de feiúra que se lança sobre ele. Existe algo que sobrevive à doutrinação moderna, e que é capaz de reconhecer a Beleza onde ela se encontra. Existe um ateu capaz de vislumbrar o Pulchrum em uma Santa Missa bem celebrada! Só isto deveria ser o suficiente para redobrarmos – aliás, para centuplicarmos – o cuidado com as nossas celebrações. Porque, por vezes, nós não conseguimos conceber a dimensão da importância da beleza da Liturgia. Mas, ainda que nós não percebamos, por vezes o Belo é justamente a porta de entrada para a Religião Verdadeira.

Convite – Missa em ação de graças

O Arcebispo emérito de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, vai celebrar no próximo sábado (05 de fevereiro) uma missa em ação de graças pelos seus 60 anos de profissão religiosa. Será na Basílica do Carmo, em Recife, às 10 horas da manhã. Os que puderem comparecer, não percam a oportunidade.

CONVITE PARA MISSA
EM AÇÃO DE GRAÇAS
PELOS 60 ANOS DE PROFISSÃO RELIGIOSA
DE S. E. R. DOM JOSÉ CARDOSO SOBRINHO

Sábado, 05 de fevereiro de 2011

Basílica de Nossa Senhora do Carmo, Recife

10:00