40 anos de vida, 10 anos de sacerdócio. Ontem foi o aniversário do reverendíssimo padre Nildo Leal de Sá, pároco da Paróquia de São Sebastião e São Cristóvão, na Imbiribeira. Apesar da chuva, lá estive; para agradecer ao Bom Deus pelo bom padre que Ele nos enviou. Para pedir-Lhe que ele seja sempre fiel, independente das tribulações que porventura tenha que atravessar. Que digo? Independente das tribulações que certamente terá que atravessar. E talvez eu devesse ousar ainda mais: que seja fiel devido às tribulações que precisará atravessar. Porque os sofrimentos são o distintivo dos cristãos; o mundo não entende essas coisas, nem as entende quem é do mundo.
O cristão – e de modo particularíssimo o sacerdote – não é do mundo, a despeito de estar por aqui. Aponta-nos o Céu, conduz-nos para Deus, leva-nos para o Alto! Ainda no dia anterior, no domingo, o pe. Nildo recordava, na homilia, a clássica passagem de São João Maria Vianney a caminho de Ars. O santo, viajando para a sua nova paróquia, sem saber exatamente onde ficava o vilarejo, encontrou-se com um garoto na estrada. “- Como faço para chegar a Ars?”, “-Vá por ali, seu cura” – apontara o pequeno. E o sacerdote sentenciou: “tu me mostraste o caminho de Ars; eu te mostrarei o caminho do Céu”.
O sacerdote não é deste mundo! Não se lhe exige que saiba das coisas do mundo. Espera-se dele, sim, que saiba o caminho do Céu, e que esteja disposto a ensiná-lo às almas que a Divina Providência lhe confiar. Não é necessário saber chegar a Ars para se ser santo. E, em um mundo onde tantas vezes encontramos excessivos cuidados com as coisas desta terra, reconforta-nos ver um sacerdote como o padre Nildo, dedicado às coisas do Céu.
Que seja fiel, que seja santo; é o que mais sinceramente desejo. Como eu dizia acima, por causa mesmo das tribulações que atravessará, porque Deus não é Deus de poucas coisas e, já que é para pedir, peçamos coisas grandes, as quais por nossos próprios méritos nem mesmo ousaríamos esperar – como foi rezado em uma das orações de ontem. Que se santifique não meramente vencendo os empecilhos provocados pelos sofrimentos, mas utilizando-se dos próprios sofrimentos como meio privilegiado de santificação; como matéria de sacrifício, a ser oferecida ao Pai Santo em união às dores de Nosso Senhor no Calvário. Vêm-me à mente os versos da Irmã Dutra que já pus aqui outra vez, mas que são extraordinariamente adequados à vida sacerdotal e, por isso, trago-os de novo na íntegra:
* * *
De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…
De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!
Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…
E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.
* * *
E é esta santidade que desejo, ó Deus, ao reverendíssimo sacerdote e caríssimo amigo: a do “sândalo (…) cortado e retalhado” para exalar um perfume agradável a Vós; a do “homem do fracasso” que não obtém nesta vida os frutos do seu trabalho; a do filho que se sente devorado pelo Vosso amor, “sem nunca Vos sentirdes satisfeito”; a do “homem consagrado lentamente… consumindo a Vossa morte”.
Parabéns, padre Nildo. Ad multos annos! Abaixo, algumas fotos da celebração.
De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…
De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!
Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…
E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.