Hoje faz três anos que o mundo tomou conhecimento da renúncia do Papa Bento XVI. Eu me lembro daquele 11 de fevereiro: era uma segunda-feira de Carnaval, e a voz cansada do velho alemão antecipou a Quaresma de uma multidão de católicos mundo afora. Ficamos atônitos, pegos de surpresa por um acontecimento com séculos de ineditismo (não faltou aliás quem dissesse que a renúncia era inédita tout court, guardando importantes diferenças com os outros — parcos — casos análogos de que a História da Igreja dava exemplo); e mesmo com três anos de distância a história ainda se nos revela surpreendente.
Aquela Declaratio é bastante lacônica; ela basicamente estabelece que «para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito». É provável que a maior parte das pessoas tenha lido, naquele texto, uma referência à saúde física do Pontífice que então contava já com 85 anos. Penso, no entanto, que o verdadeiro «vigor» que o Pontífice bávaro sentiu lhe faltar foi o «do espírito».
Sob essa ótica as coisas fazem mais sentido. Em primeiro lugar, caem por terra as “reclamações” (!) de que Bento XVI ainda está vivo mesmo três anos após ter renunciado (!!), como se o pobre Pontífice precisasse cair morto sob o peso do Papado antes de poder legitimamente a ele renunciar — ou como se o quotidiano recluso do Bispo Emérito de Roma tivesse o mesmo impacto sobre a sua expectativa de vida que o dia-a-dia enérgico de um Pontífice em atividade.
Depois, porque é neste aspecto que mais saltam aos olhos as diferenças entre o Papa Francisco e o seu predecessor. Um amigo que estivera no Vaticano durante o Conclave disse-me depois que, logo após a fumata bianca, na Praça de S. Pedro, quando o eminentissimum ac reverendissimum Dominum Georgium Marium Cardinalem Bergoglio era apresentado ao mundo sob o nome de Franciscus, um dos peregrinos que estava naquela multidão teria dito, em tom de desprezo: ah, un altro vecchio!
E é exatamente isto: fisicamente falando, o Papa Francisco não passa de “um outro velho”, talvez com até mais problemas de saúde pré-existentes do que Bento XVI. No entanto, com que vigor de espírito ele assomou ao sólio pontifício! Como o prof. Ramalhete gosta de dizer, o velho argentino «partiu para o ataque» — e isso parece incontestável quer entre os detratores do Papa Francisco, quer entre os seus admiradores. Nos últimos três anos a nau da Igreja singrou com mais ímpeto, e isso não negam mesmo os que acusam de temerário o timoneiro.
Finalmente, porque esta me parece uma característica peculiar do velho professor da Baviera, mais amigo das bibliotecas que das multidões. Talvez nunca tenhamos tido um Papa como o foi Joseph Ratzinger, acadêmico visceral; e o mundo diante do qual ele foi posto à frente da Igreja guardava pouca ou nenhuma semelhança com a situação ideal de fala que os teóricos do discurso almejam encontrar. É por isso que Ratzinger pôde discutir com Habermas, um acadêmico como ele; mas diante dos bispos seus subordinados o Papa Bento XVI só pôde se queixar dos ataques que lhe desferiram católicos «com uma virulência de lança em riste». Digamo-lo francamente: a Igreja do séc. XXI não estava à altura de Bento XVI — e, portanto, que ele talvez não fosse a pessoa ideal para estar à frente desta Igreja é uma conclusão bastante triste, mas não surpreendente.
Faz três anos, e não sei se a Igreja se encontra hoje melhor do que naquela fatídica segunda-feira. Mas é também dia de Nossa Senhora de Lourdes, conhecida por Seu maternal cuidado pelos doentes de toda espécie. Que Ela olhe pelo Bispo Emérito de Roma, cuja Grã-Renúncia hoje lembramos. Que Ela interceda pelo Vigário de Seu Divino Filho, o Papa Francisco. E — principalmente — que Ela cure as feridas da Igreja, hoje tão abertas e purulentas que A conduziram a esta situação inaudita. Valha-nos a poderosa intercessão da Virgem de Lourdes; que as dores do mundo apressem o prometido triunfo do Seu Imaculado Coração.