Quando morre um sacerdote do Deus Altíssimo…

Faleceu, na noite da última segunda-feira (12), aos 88 anos, o padre salesiano José Rolim Rodrigues. Recebi por WhatsApp o “santinho” abaixo, e reconheci pela fotografia o sacerdote de quem não me lembrava pelo nome: provavelmente a maior parte dos católicos que se confessaram, nos últimos anos, na igreja do Salesiano daqui de Recife, tem um débito espiritual para com o padre Rolim.

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Sim, eu o conheço…! Ouviu minha confissão por diversas vezes ao longo de anos. Entrar na portentosa Basílica antes do início da Missa vespertina e encontrá-lo, lá, na salinha que faz as vezes de confessionário, era um verdadeiro bálsamo para as chagas adquiridas na peregrinação espiritual nossa de cada dia. Ia haver confissão! Somente entenderão a alegria contida nessas simples palavras aqueles que já experimentaram a tristeza de se deparar com um confessionário vazio (*) num momento em que sua alma, estraçalhada, reunia as últimas forças para lançar aos Céus um desesperado grito de socorro – que se perdia no vazio.

[(*) “Confessionário vazio”, claro, é uma metáfora. Refiro-me a padres disponíveis para ouvir confissões. Praticamente não há mais confessionários em lugar algum, e infelizmente a igreja do Salesiano não é exceção a essa regra. Aos que tinham o costume de frequentá-la, talvez a imagem que lhes provoque semelhante desolação seja a da estola roxa posta sobre o genuflexório… esperando um sacerdote que a envergasse…]

Lembro-me das vezes em que com ele me confessei. “Quanto tempo que não se confessa?”, ele sempre perguntava. “Mora com seus pais?”, “é solteiro ou casado?”, “trabalha?”, “estuda?”, “tem ido à Missa?”, e tantas outras perguntas que o hábil médico de almas manejava para, mediante elas, conquistar aos seus penitentes uma confissão bem feita. E lá se iam os meus pecados, horrendos, sucedendo-se em assustadora profusão, desfilando tetricamente diante dos olhos da memória…! Ao final, ele, sereno, sorria e dizia – tocando-me paternalmente o braço – quase invariavelmente: “Tá bom. Arrependido de todos, todos os seus pecados diante de Deus, como você se encontra agora, peça o perdão e diga, por sua penitência, um pai-nosso e dez ave-marias. Diga o ato de contrição”.

E eu o rezava. Ato contínuo, em voz suficientemente alta para ser ouvido, iniciava o reverendíssimo sacerdote: «Deus, Pai de Misericórdia, que pela Morte e Ressurreição do Seu Filho reconciliou o mundo consigo…» – não era em todo lugar que se conseguia a fórmula completa da Absolvição! «E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo». E eu respirava, enfim aliviado. E a Redenção acontecia de novo. E havia paz.

Eu costumo frequentar aquela igreja do Salesiano, onde me casei. E, agora, fico imaginando como vai ser passar ao lado da salinha de confissões e não mais encontrar lá, sentado, o sacerdote através de cujas mãos eu recebi, tantas e tantas vezes, o perdão de Deus e uma nova chance de Lhe ser fiel. O padre Rolim foi um fiel dispensador das graças do Altíssimo, e agora eu fico dividido entre dois sentimentos antagônicos: por um lado, o temor de não saber quem irá ocupar-lhe o posto (virá alguém?) e, por outro, a esperança de que ele esteja, agora, colhendo os frutos de uma vida dedicada à messe de Cristo. Mas a serenidade é maior do que a tristeza. As boas lembranças sobrepujam a ausência. A esperança é maior do que o temor do futuro. Obrigado, padre Rolim.

Quando morre um sacerdote do Deus Altíssimo e, dele, os seus fiéis se recordam com carinho e gratidão, é sinal de que ele pode dizer, diante do Justo Juiz, ter combatido o bom combate e terminado a sua carreira guardando a Fé. Que a Santíssima Virgem – a quem o padre Rolim tanto me fez rezar! – possa recebê-lo o quanto antes nas moradas celestes. Que as minhas feridas, tantas vezes saradas pelas mãos dele, possam pesar em favor do reverendíssimo sacerdote no seu julgamento. E que ele, que tantas vezes perdoou os meus pecados enquanto esteve aqui na terra, possa se lembrar de mim e de minha família, um pouco que seja, agora que pode mais diante de Deus.

Requiem aeternam dona ei, Domine,
et lux perpetua luceat ei.

Requiescat in pace,
amen.

Meditação: Do pecado mortal

[Encontrei na internet estas piedosas meditações, que imagino (por tê-las encontrado ligeiramente diferentes aqui) serem de Santo Afonso Maria de Ligório. Alguém recentemente me lembrava que a morte é uma boa conselheira; graças ao bom Deus, nunca duvidei desta máxima já tantas vezes repetida e que, hoje, parece asquerosa ou repulsiva à sensibilidade moderna. Ninguém será capaz de me convencer de que o mundo não seria um lugar melhor se as pessoas vivessem à luz da meditação quotidiana dos Novíssimos! Porque a nossa pequenez sói ser um poderoso argumento contra nossas crises de megalomania. Pensar que se vai morrer um dia é poderosa força capaz de mudar o homem. E a mudança do mundo, ao contrário do que se costuma pregar hoje em dia, sempre começa pela mudança de nós mesmos. Mesmo depois de passados todos esses séculos, aquelas palavras de Cristo sobre buscar primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça permanecem verdadeiras. Este é o verdadeiro Carpe Diem, no qual devemos sempre nos exercitar.]

II. Para a segunda-feira

Do pecado mortal

Considera como, sendo tu criado por Deus para amar, com ingratidão infernal te rebelastes contra ele, trataste-o como inimigo, desprezastes a sua graça e a sua amizade. Sabias que lhe davas um grande desgosto com a aquele pecado, e ainda assim o cometestes. Quem peca, que faz? Volta as costas a Deus, perde-lhe o respeito, levanta a mão para dar-lhe uma bofetada, aflige o coração de Deus: Et afflixerunt Spiritum Sanctum eius. Quem peca diz a Deus com suas obras: afasta-te de mim, não quero obedecer, não quero servir-te, não quero reconhecer-te por meu Senhor, não quero ter-te por meu Deus: o meu deus é este prazer, este interesse, esta vingança.

Assim o disssestes no teu coração, quando preferistes a criatura ao teu Deus. Santa Maria Madalena Pazzi não podia compreender como um cristão, a olhos abertos, pudesse cometer um pecado mortal. E tu, que nisto meditas, que dizes…? Quantos pecados, tens tu cometido…? Meu Deus perdoai-me, tende piedade de mim. Ofendi-vos, Bondade Infinita: agora odeio os meus pecados, amo-vos, e arrependo-me de vos ter ofendido tanto, ó meu Deus, que sois digno de infinito amor.

Considera como Deus te dizia, quando pecavas: Filho, eu sou o Deus que te criei do nada e que te resgatei com o meu sangue; proíbo-te de cometeres este pecado sob pena de te separares da minha graça. Porém tu, pecando, dissestes a Deus, Senhor quero satisfazer este gosto e não me importa desagradar-vos e perder a vossa graça. Dixisti: non serviam. Ah, meu Deus, e eu tenho feito isto tantas vezes! Como me tendes suportado? Quem me dera ter antes morrido do que vos ter ofendido! Eu não quero mais desgostar-vos; quero amar-vos, ó Bondade infinita. Concedei-me o dom da perseverança e vosso santo amor.

Considera como Deus, segundo os seus imperscrutáveis decretos, não costuma suportar em todos um igual número de pecados, nas a uns tolera mais, a outros menos, e quando está cheia aquela medida, lança mão de terribilíssimos castigos. E, com efeito, tantas vezes sucede vir a morte tão improvisamente, que o pecador não tem tempo de se preparar! Quantos morrem na própria ocasião de pecado! Quantas vezes uma pessoa se deitou no leito com boa saúde, e de manhã apareceu um frio cadáver! Quantos outros, à força de cometerem pecados sobre pecados, de tal modo se cegaram e endureceram, que, tendo todos os meios para se prepararem para uma boa morte, não querem se aproveitar deles, e morrem impenitentes! Enquanto o pecador vive, pode, se o quer deveras, converter-se com o divino auxílio; porém muitas vezes os pecados o tornam tão obstinados, que não desperta nem sequer na hora da morte. E assim se têm perdido tantos… E estes também esperavam que Deus lhes perdoasse, mas veio a morte, e condenaram-se… Teme que te aconteça o mesmo. Não merece misericórdia aquele que quer servir-se da bondade de Deus para ofendê-lo. Depois de tantos e tão graves pecados que Deus te perdoou, deves ter bem fundado temor de que te não perdoe qualquer outro pecado mortal que cometas.

Dá-lhe graças de te ter esperado até agora, e toma neste ponto uma resolução de antes morrer do que cometer outro pecado. De hoje em diante repetirás sempre: Senhor, bastam as ofensas que tenho cometido até agora. A vida que me resta não quero passá-la a ofender-vos; não, que vós não o mereceis; quero passá-la só a amar-vos e a chorar as ofensas que tenho feito. Arrependo-me de todo o meu coração. Meu Jesus, quero amar-vos, daí-me força; Maria, minha Mãe, ajudai-me.

Fruto:

Medita sobre estas palavras: sempre, nunca, eternidade.

O inferno dura sempre, a eternidade não acaba nunca. Toma um punhado de cinzas ou de areia lá contigo: Quando tiveres passado tantos milhões de séculos quantos são estes pequeninos grãos, não terá passado da eternidade um só momento. Quando puderes, considera, que grande mal seria este ou aquele trabalho, se não acabasse nunca, e não há dúvida que as penas do inferno nunca acabarão. Considera bem isto.

Pensando no Inferno

Recebi hoje, por email, um texto de Santa Faustina que eu já conhecia (inclusive o Everth publicou, há algum tempo, no Ecclesia Una). Mas foi bom relê-lo, porque estou convencido de que a falta de contemplação dos Novíssimos é um dos grandes males dos tempos modernos. É triste ver pessoas – até mesmo pessoas alegadamente de Fé – viverem na prática como se Deus não existisse, sem preocupar-se nada com a salvação eterna da própria alma, como se este fosse um assunto qualquer, de pouca monta, do qual é perfeitamente razoável descuidar-se.

A salvação eterna de nossas próprias almas, ao contrário, é o assunto mais grave da nossa existência, aquele que mais deve ser objeto de nossas preocupações. Temos uma alma eterna, destinada às glórias do Céu, mas que está sob o permanente risco de resvalar e cair nas profundezas do Inferno! Se isto não for motivo suficiente para se preocupar, então nada mais é. Lembro-me de uma minha catequista, que nos incutia o desejo da salvação ao afirmar que havia, lá no Céu, uma cadeira com o nosso nome. Ao mesmo tempo, ela completava a catequese alimentando em nós um santo e salutar temor da condenação, ao dizer que lá no Inferno tinha uma cadeira igual, com o mesmo nome. E assim aprendíamos a amar o Céu e a temer o Inferno – como convém que se faça.

Certo, deve-se amar a Deus mais por amor do que por temor – concordamos. Mas isto é para poucos, e para avançados estágios de amadurecimento espiritual. Aliás, se formos levar às últimas conseqüências a história atribuída – salvo engano – a Santa Teresa d’Ávila, não devemos temer as penas do Inferno nem tampouco interessar-nos pelos prazeres do Céu. Esta segunda parte é amiúde esquecida, e tenho a impressão de que desejam fazer “almas perfeitas” apenas com um dos lados da moeda. Como se isso fosse possível.

Refiro-me à história da santa que, andando pelo carmelo com uma tocha em uma mão e um balde d’água na outra, foi interpelada por uma irmã, à qual respondeu: “quisera eu queimar o Céu para não desejá-lo, e apagar o fogo do Inferno para não temê-lo, a fim de que pudesse amar a Deus somente por Ele mesmo”. Sublime? Sem dúvidas. Mas não nos esqueçamos que esta é Santa Teresa, e que as pessoas são diferentes, inclusive (e talvez principalmente) em maturidade espiritual. Aliás, a própria frase da santa mostra que ela pensava, sim, nos Novíssimos. Na vida espiritual nós não podemos pegar atalhos ou pular etapas. Não faz sentido “universalizar” o “amor puro” a Deus desencorajando a contemplação dos Novíssimos – estes levam a Deus. E, ouso dizer: sem uma graça particularíssima do Altíssimo, não dá para achegar-Se a Deus desprezando a meditação dos Novíssimos.

Até porque quem ama a Deus não quer perdê-Lo, naturalmente, e um dos tormentos do Inferno – volto à visão de Santa Faustina – é a perda de Deus. Aliás, este é o primeiro. Quem ama a Deus, portanto, teme necessariamente o Inferno, a separação Eterna d’Aquele que é Amado. E tanto mais amará a Deus quanto mais temer perdê-Lo. De onde se vê o mal que fazem às almas aqueles que se recusam a ensiná-las a meditar, zelosamente, na Morte, no Juízo, no Inferno e no Paraíso.