Sobre as “provas” (!) da inexistência de Deus

A existência de Deus, como ensina a Doutrina Católica, é alcançável pela razão humana: «Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas» (Concílio Vaticano I, Seção III, Cap. II). Assim, os que dizem que Deus não existe são, nas Escrituras Sagradas, chamados de estultos, i.e., insensatos, tolos, ignorantes. A expressão na Vulgata Latina é ainda mais clara: dixit insipiens in corde suo non est Deus (Ps. XIII, 1). “Insipiente” (descobri-o agora) é inclusive dicionarizado em português (ao menos em Portugal): aquele “que nada sabe”, em oposição a “sapiente”.

Neste sentido, gostaria de tecer alguns comentários sobre este texto que se propõe a provar a inexistência de Deus (!). Ele foi apresentado aqui. As tais absurdas “provas” podem ser sistematizadas no seguinte:

1. «Há uma óbvia contradição entre ser “onisciente, onipotente, onipresente” e “imaterial, atemporal” simultaneamente».

Só na cabeça do estulto arrogante. A justificativa apresentada, de um materialismo tão absurdamente grosseiro, chega a ser pueril: «Conquanto informação no universo é, necessariamente, energia, particularmente energia eletromagnética, qualquer entidade que se supõe onisciente deve, imperiosamente, ser capaz de ler as informações que são transmitidas por estas ondas energéticas. Tem de haver pelo menos um receptor sensível, vale dizer material, para todas as informações, capaz de detectá-las e permitir o efeito da onisciência. (…) Seriam necessários infinitos receptores para que o atributo da onisciência fosse verdadeiro, o que implica que em todos os lugares do universo haveria receptores presentes – a onipresença material».

O que dizer? Nego, óbvia e simplesmente, a necessidade (imperativa, segundo o filósofo!) de um “receptor sensível” (!) para “ler” a “informação” do Universo. O insipiente autor destas alegadas provas está, na verdade, aplicando um reducionismo grosseiro ao problema – no caso, reduzindo a existência à matéria e pressupondo a necessidade de um sensor material para se conhecer a matéria. Isto não é, absolutamente, uma prova, e sim uma petição de princípio: que não exista uma Inteligência imaterial está já contido na premissa adoptada pelo estulto de que é necessário haver receptores sensíveis para que haja possibilidade de conhecimento do Universo. Naturalmente, os crentes negam esta premissa estapafúrdia.

É talvez com relação à Onipresença que o argumento pode impressionar um pouco, mas ele padece do mesmo vício acima apontado. Diz o ignorante: «Nenhuma presença que não pode ser traduzida, experimentada, efetivada em algum tipo de matéria, que não assuma uma corporalidade material, que não ocupe algum lugar no espaço – ainda mais supostamente presente em todo o espaço – pode ser detectada e interagir neste universo».

Percebam o salto lógico: de “não pode ser detectada” (coisa com a qual naturalmente concordamos, se “detectada” estiver no sentido de “detectada por meio de instrumentos de medição”), o ateu passa imediatamente para “não existe”! Isto, sim, é um primor de lógica. De novo a petição de princípio: prove primeiro o estulto ateu que não existe o que não pode ser detectado, para só depois vir falar em “provas” sobre o que quer que seja.

Na verdade, Deus é Onipresente não de presença material (óbvio, posto que senão cairíamos no panteísmo), mas de presença enquanto causa do ser das coisas que existem, “como o agente está presente no que faz” (Summa Ia, q. 8 – o ignorante ateu faria bem em ler ao menos esta questão da Summa antes de vir falar em onipresença “física”!). Deus não apenas cria o Universo como também o mantém na existência – e é neste sentido que Deus é Onipresente. Aliás, com um materialismo destes, espanta (positivamente!) que o autor do texto em análise não tenha “refutado” a Onipotência Divina com o exemplo do terrível embate entre as meias Vivarina e as facas Ginsu

2. «Porque (sic) um deus “onisciente, onipotente, onipresente, transcendental, imaterial, atemporal, pessoal e necessário” não é, afinal, auto-evidente?»

O que o ateu entende por “auto-evidente”? Parece ser “aquilo sobre o qual ninguém discorda”, o que é uma definição evidentemente errônea, visto que (principalmente nos dias de hoje!) não existe rigorosamente nada com o qual todo o mundo concorde.

Ademais, o Doutor Angélico também explica por que é que a existência de Deus não é evidente por si mesma (Summa Ia, q.2). E a resposta é, simplesmente, porque nós não conhecemos Deus – “não sabemos em quê consiste Deus [e portanto] para nós [a Sua existência] não é evidente”. É por isso que nós precisamos ensiná-la e demonstrá-la; uma vez que entendamos que Deus é o Ser Necessário e que o Ser Necessário existe necessariamente, a existência de Deus passará a ser evidente também para nós.

Note-se ainda que a queixa do estulto ateu é totalmente descabida. Não existe nada que «[t]odas as crianças do mundo, no nascimento ou quando se auto-descobrissem, sem qualquer outra influência» descubram por si sós. Até mesmo os princípios básicos como “o todo é maior do que as partes” precisam ser ensinados antes que sejam reconhecidos como evidentes, uma vez que as pessoas não nascem sabendo o que seja “todo” e o que seja “parte”. Por qual motivo, então, Deus não deveria ser ensinado?

3. «Ninguém seria insano de negar a existência do que necessita para viver».

Mas é óbvio que seria, uma vez que o número dos estultos é infinito – stultorum infinitus est numerus (Ecclesiastes I, 15): aí estão os ateus para o demonstrar! Por que não? Do fato de Deus – como explicado acima – ser a causa da existência dos seres não segue que todos os seres reconheçam imediatamente esta necessidade causal. Do fato de haver «muitos humanos que simplesmente continuam a viver sem saber sequer da existência deste debate, quanto mais deste deus» não segue que estes seres humanos vivam sem que Deus os mantenha na existência. Desde quando “saber” a respeito de alguma coisa é necessário para que esta coisa exista?

Para usar uma analogia bem rudimentar e materialista (como parece ser necessário para alguns adeptos radicais do materialismo cego), durante muito tempo as pessoas não souberam da existência das bactérias que vivem no intestino humano e regulam o equilíbrio do organismo. E a flora intestinal continuou existindo, a despeito de haver muitos humanos que simplesmente continuavam a viver sem saber sequer da existência de uma coisa chamada “bactéria”. No quê isto é minimamente um argumento contra a existência da flora intestinal? No quê a ignorância dos ateus é um argumento contra a existência de Deus?

É esta, enfim, a miséria intelectual de quem pretende “provar” que Deus não existe. As palavras das Escrituras Sagradas chegam a ser brandas: chamar “insipiente” uma pessoa dessas é até um tratamento honroso que lhe é dispensado. Mas a arrogância dos ignorantes parece não ter limites. Na contramão de qualquer metafísica minimamente séria, o que dizer de um sujeito que tem a coragem de afirmar que «o universo é a prova da não-existência de deus»? O autor de tal texto deveria envergonhar-se dele, se lhe resta ao menos um mínimo de amor-próprio para compensar a falta de entendimento das coisas mais básicas – sobre as quais, não obstante, ele insiste em discorrer. Mas a caravana passa enquanto os cães ladram. E, enquanto isso – diz outro salmo -, “Aquele, porém, que mora nos céus, se ri, o Senhor os reduz ao ridículo” (Sl 2, 4).