A Virgem Santíssima é sem dúvidas a Mãe dos Desvalidos. Isto, contudo, não significa que se Lhe possa conferir arbitrariamente títulos desrespeitosos sob o pretexto de promover uma “aproximação” entre Nossa Senhora e as misérias da vida humana.
A proposta de se fazer uma imagem de “Nossa Senhora do Crack” é absurda e irracional, e só poderia encontrar defensores nestes tempos de miséria religiosa nos quais vivemos. Todos os títulos da Virgem Santíssima honram locais de aparições marianas (Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes), dogmas a Ela referentes (Nossa Senhora da [Imaculada] Conceição), virtudes d’Ela (a virtual totalidade da Ladainha Lauretana) ou súplicas para necessidades diversas (Nossa Senhora do Bom Parto, Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Vitória). Nunca existiu um título da Virgem que fizesse referência direta a pecados ou a objetos que praticamente só têm uso pecaminoso.
Não obstante, sempre foram feitas diante da Virgem Santíssima (e inclusive utilizando-Lhe o nome) referências a situações difíceis que os filhos d’Ela atravessam neste Vale de Lágrimas. Assim, p.ex., diante da escravidão imposta pelos infiéis muçulmanos aos católicos durante a Idade Média, nasceu Nossa Senhora das Mercês; e, como padroeira daqueles que eram forçados a viver longe de sua pátria natal, popularizou-se o título de Madonna degli Emigranti (aqui, Nossa Senhora do Desterro). Assim – e só assim – talvez fosse possível discutir a conveniência de se invocar a Santíssima Mãe de Deus sob um título de “Nossa Senhora dos Viciados” ou coisa parecida – e, mesmo assim, lembrando que nunca houve uma “Nossa Senhora dos Ladrões”, uma “Nossa Senhora dos Assassinos” ou uma “Nossa Senhora dos Adúlteros”…
Mas, simplesmente “do crack”, não. O título raia à blasfêmia (se é que não cai nela completamente!), uma vez que sugere que a Virgem Santíssima possa ter alguma relação com esta droga terrível. Qualquer pessoa consegue perceber isso; até mesmo, para surpresa nossa e vergonha dos nossos dirigentes religiosos, usuários de crack dos arredores do local onde a tal imagem foi colocada. Eles disseram:
“Achei ridículo. Na minha opinião é um pecado sem tamanho. Pusesse um outro nome, Nossa senhora da Apa, rogai por nós”.
“Quem fez isso aí errou, não devia ter feito porque, queira ou não, não pode envolver uma santa com o crack, que é uma santa da igreja, coisa de Deus, então nós tem que respeitar”.
“Nós quebramos porque é a santa do mal, é como se fosse a santa do mal. A santa do crack”.
“Porque o crack não é bom, o crack não é de Deus e a santa é uma santa divina, uma coisa boa”.
No entanto, o pe. Lancelotti disse “que a idéia do artista foi louvável por levar uma esperança para quem vive no mundo das drogas”. E o cardeal de São Paulo, dom Odilo Scherer, dedicou uma série de tweets para defender a estátua [veja-se, p.ex., aqui, aqui, aqui e aqui]. E arremata:
Estes desvalidos em questão – os dependentes químicos – já têm uma Mãe que rogue por eles, e não aceitam estas invencionices modernas que juntam, na mesma invocação à Virgem Santíssima, o nome da Mãe de Deus e o do crack. Os viciados entendem a absurda diferença existente entre o bem e o mal, entre Nossa Senhora e as drogas. Melhor fariam os nossos pastores se ignorassem “artistas” modernos de gosto bastante duvidoso e dessem mais atenção àqueles que pretendem defender.