Alvíssaras! A despeito dos descalabros do STF, ainda resta um mínimo de bom senso no judiciário brasileiro: um juiz de Goiás cancelou um registro de “união estável” feito por uma dupla de sodomitas em Goiânia. O gesto é pequeno – aliás, certamente será derrubado nas instâncias superiores – e o meritíssimo juiz provavelmente sofrerá, a partir de agora, a implacável perseguição da Gaystapo; mas tem uma força simbólica muito grande. Houve em Goiás quem não quisesse abaixar a cabeça diante dos despautérios que vêm de Brasília. Houve em Goiás quem se recusasse a queimar alguns grãozinhos de incenso diante dos deuses do Novo Olimpo. Houve em Goiás quem não abrisse mão da sua consciência nem da sua capacidade de pensar e, na contramão do mundo, afirmasse claramente que o branco é branco, a despeito do Supremo Tribunal Federal insistir em dizer que é preto. Houve em Goiás um juiz digno da toga que veste!
O magistrado [juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos de Goiânia, Jeronymo Pedro Villas Boas] contestou a decisão do Supremo, e disse que a Corte não tem competência para alterar normas da Constituição Federal. O artigo 226 traz em seu texto que, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão”. Esta seria a norma que o juiz entendeu inviolável.
Alvíssaras! Para ser possível viver em sociedade, é fundamental haver respeito à autoridade e à hierarquia; mas existem algumas situações nas quais o absurdo é tão gritantemente manifesto (lembremo-nos de que o STF decretou que a Consituição era inconstitucional, agindo deliberadamente contra tanto a letra do texto constitucional quanto contra a manifesta intenção da Assembléia Constituinte) que os subordinados precisam se levantar contra os seus superiores e lhes chamar à razão. E assim teve a coragem de dizer um juiz em Goiás: “a Corte não tem competência para alterar normas da Constituição Federal”! Disse o que era evidente e que todo mundo já sabia, mas ninguém tivera ainda a coragem de o dizer; como, no conto, todos fingiam admirar a “roupa que os tolos não eram capazes de ver” do monarca envaidecido, e ninguém tinha coragem de gritar que o rei estava nu [créditos ao pe. Lodi pela analogia].
Enquanto isso, encerra-se o prazo de recurso para o PDC 224/2011 (que sustava “a aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal (…) que reconhece a entidade familiar da união entre pessoas do mesmo sexo”), e ninguém apresenta recurso. A matéria foi devolvida ao relator. Os gestos dos descontentes com o golpe de Estado dado pelo STF em 05 de maio p.p. são tímidos, como se houvesse um medo de ferir susceptibilidades ou de se parecer retrógrado, homofóbico… ou tolo. Mas os que mantêm o seu bom senso intacto perfazem a imensa maioria dos cidadãos de bem deste país, a despeito do que decidam onze lunáticos (não eleitos pelo povo, é sempre bom frisar) lá em Brasília. É preciso ter a coragem de defender os valores inegociáveis. É preciso mostrar o descontentamento com as arbitrariedades dos poderosos. É preciso gritar que o rei está nu.