Pulchrum

Uma das coisas mais tocantes da história do Brasil foi aquela passagem da carta de Pero Vaz de Caminha, quando ele narra a primeira missa no Brasil. Ele conta que os portugueses chegaram, os padres formaram o altar, prepararam o órgão e começou a missa. Os índios foram chegando e começaram a imitar os gestos dos portugueses. Um detalhe interessante é que durante a missa chegou um outro grupo de índios. Um índio do primeiro grupo, que já estava ali, quando certamente interrogado por um índio do segundo grupo sobre o que estava acontecendo, apontou para a missa e apontou para o céu. Para mim este é o melhor comentário sobre a missa. Apontou para a missa e apontou para o céu: quer dizer, está-se passando a comunicação da terra com o céu. Está-se fazendo uma coisa sagrada. Esse caráter sagrado é que a gente não pode deixar perder na liturgia.

Entrevista de Dom Fernando Rifan publicada em ZENIT.

O Belo, ao lado do Bom e do Verdadeiro, é transcendente. Verum, Bonum, Pulchrum: o Universo é uma catedral, como disse certa vez Plínio Corrêa de Oliveira. Talvez as pessoas não percebam imediatamente o sentido dessas palavras: a Beleza é absoluta, e não relativa, como também a Verdade é absoluta e a Bondade é absoluta.

Nos dias de hoje onde impera a ditadura do relativismo, talvez o Pulchrum tenha sido o transcendental mais duramente atacado. Frases que caíram no inconsciente popular como, p.ex., “gosto é gosto e cada um tem o seu”, junto com a avalanche de coisas horrorosas que foram empurradas às pessoas sob o singelo nome de “arte moderna”, contribuíram de maneira muito eficaz para isso. O resultado foi a perda do “senso estético” e a dificuldade de se compreender como é possível que a Beleza seja absoluta. Hoje em dia, é politicamente incorreto chamar o que quer que seja de “feio”; o que há são “belezas diferentes”.

Um amigo sacerdote disse-me outro dia, quando lhe perguntei sobre o porquê de serem construídas igrejas tão feias – sim, porque o abandono do Pulchrum atingiu desgraçadamente até mesmo a arquitetura das nossas igrejas -, uma coisa muito interessante. Falou que, para constatar que uma igreja antiga era realmente bela, bastava mostrá-la às pessoas. Todas elas, ainda que simples, iriam contemplá-la embevecidas, mesmo que não soubessem explicar cada um dos detalhes que ela continha, e iriam dizer que ela era bonita. Já uma obra de arte moderna, para poder ser contemplada, é necessário um especialista que explique uma série de coisas sem as quais ninguém consegue encontrar nela nada de aprazível. Esta [bem discutível] “beleza” escondida por detrás de um monte de técnicas modernas e paradigmas estéticos que de modo algum são evidentes é característica da arte moderna. E é o contrário de, por exemplo, uma catedral. Nas igrejas que são belas porque são erigidas em honra d’Aquele que é Belo, a beleza é manifesta – não escondida. É ao alcance de todos, e não somente de um grupo restrito de “iniciados” nos arcanos da estética.

E as igrejas são feias porque abandonaram o Pulchrum, abandonaram o Belo. Poder-se-ia falar em uma apostasia arquitetônica generalizada. Se os templos são feios, como se pode esperar que eles conduzam para o Deus que é Belo…? Subverter a arte e esconder a beleza é uma forma de tirar Deus do alcance das pessoas. Deus é encontrado também na beleza das coisas criadas. Privar as pessoas da Beleza é privá-las de oportunidades de elevar o pensamento, ao Deus que é Belo, por meio das coisas belas.

E o mesmo vale para a Sagrada Liturgia. Se a celebração não for bela – “bela” em relação ao Pulchrum que é transcendental, óbvio, e não de acordo com o [mau] gosto de cada um -, ela não ajuda os fiéis a elevarem-se a Deus e, ao contrário, pode até atrapalhá-los. Sim, qualquer semelhança com a “Escola Litúrgica da CAJU” não é mera coincidência, mas não é somente dela que eu estou falando, e sim da liturgia mal celebrada que encontramos em todos os lugares. A citação de Dom Rifan em epígrafe explica bem isso, e faço questão de trazê-la também no original de Pero Vaz de Caminha:

E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. (…) Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles [índios], assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.

Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!

Isto é a beleza da Liturgia, expressão do Pulchrum que consegue ser percebida tanto por portugueses quanto por nativos selvagens. Esta é uma experiência que nós, infelizmente, provavelmente não conseguiríamos repetir hoje em dia, se mostrássemos uma missa católica mediana a alguém de cultura diferente da nossa – e tal coisa é uma tristeza, uma desordem que precisa ser sanada. Precisamos recuperar o senso estético dos católicos, resgatar o Belo da Liturgia, o Pulchrum na Igreja do Deus que é Infinita Beleza. Para que assim Ele possa mais facilmente ser encontrado e adorado como convém a Sua Infinita – e Infinitamente Bela! – Majestade.