O Sínodo, a família e os homossexuais

A respeito do Relatio post disceptationem do Sínodo dos Bispos nesta segunda-feira divulgado – e que, desde então, vem provocando o estardalhaço da mídia católica e laica -, é preciso dizer o quanto segue:

1. Existe a respeito dos homossexuais uma norma há muito vigente na Igreja Católica, e que parece infelizmente gozar de bem pouca eficácia nos dias atuais. Ela se encontra no Catecismo da Igreja e diz que os homossexuais «[d]evem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza»; e ainda que, para com eles, «[e]vitar-se-á (…) qualquer sinal de discriminação injusta» (CCE 2358). Tudo isso tem se tornado nos últimos anos verdadeira letra morta, obscurecido por um lado pelo mais abjeto relativismo moral e, por outro, pela tendência a se enxergar, em todo homossexual, um raivoso militante do movimento LGBT.

[A bem da verdade, aliás, o problema não se restringe aos que se sentem atraídos pela prática de atos sexuais contrários à natureza: nas nossas paróquias, a imensíssima maior parte das situações de pecado encontra ou a conivência cúmplice (disfarçada sob um dar de ombros condescendente que diz que, hoje, “o mundo é assim mesmo”) ou – até em reação a esta – o enxovalhamento puro e simples. Este é um mea culpa que nós precisamos fazer. Está cada vez mais difícil ser católico: parece haver um amplo e vasto espaço para os que estão já bastante satisfeitos consigo próprios, mas pouquíssimo lugar para os que conhecem (ou ao menos entrevêem) os próprios defeitos e desejam (ou gostariam de desejar) mudar para melhor por amor a Cristo.]

2. Para não fugir muito ao tema do post (para além do qual, apenas à guisa de citação, eu poderia falar dos divorciados recasados, dos consumidores contumazes de pornografia, dos namorados que vivem juntos, dos políticos corruptos et cetera), concentremo-nos nos homossexuais. Sério, qual a chance que um homossexual dos dias de hoje tem de levar uma vida santa em decorrência do ambiente paroquial brasileiro médio? Qual o auxílio que alguém com essas tendências recebe, de ordinário, de nossas paróquias? Quantos grupos sérios para ajudar os homossexuais a viverem a castidade à qual os chama o Catecismo existem? Eu conheço o Courage, somente. Em quantas paróquias brasileiras o Courage está presente? Eu não conheço nenhuma. E importa, sim, reconhecer que há algo de muito errado com isso. A Igreja de Cristo existe para levar a salvação às almas, e não é porque meia dúzia de gatos pingados, soi-disant representantes da “categoria” dos homossexuais, militam contra a Igreja de Cristo que Ela deve erguer as Suas muralhas de modo a deixar perecer do lado de fora aquelas pessoas que, possuindo tendências homossexuais, entendem que o que está errado e precisa ser mudado encontra-se nelas próprias, e não na Doutrina Católica.

3. O famigerado Relatio do Sínodo dos Bispos possui três parágrafos (50-52) dedicados ao acolhimento de pessoas homossexuais (Welcoming homosexual persons). Quero acreditar que o que lhes inspirou foram considerações afins às que fiz nos dois pontos acima; no entanto, o resultado foi um verdadeiro desastre. Traduzo livremente:

50. Homossexuais possuem dons e qualidades a oferecer à comunidade cristã; somos capazes de acolher essas pessoas, oferecendo-lhes um espaço fraterno em nossas comunidades? Frequentemente elas desejam encontrar uma Igreja que lhes ofereça um lar acolhedor. Estão nossas comunidades capazes de o oferecer, aceitando e valorizando sua orientação sexual [sic – accepting and valuing their sexual orientation], sem comprometer a Doutrina Católica a respeito da família e do matrimônio?

51. A questão da homossexualidade leva a uma séria reflexão sobre como elaborar caminhos realistas de crescimento afetivo e maturidade humana e evangélica, os quais integrem a dimensão sexual: isso surge, assim, como um importante desafio educacional. Outrossim, a Igreja sustenta que uniões entre pessoas do mesmo sexo não podem ser consideradas em pé de igualdade com o matrimônio entre o homem e a mulher. Além disso, não é aceitável que os pastores sejam pressionados ou que organismos internacionais tornem o recebimento de ajuda financeira dependente da introdução de regulações inspiradas na ideologia de gênero.

52. Sem negar os problemas morais ínsitos às uniões homossexuais, é preciso notar que há casos nos quais o auxílio mútuo – ao ponto do sacrifício – constitui um precioso apoio na vida dos parceiros (sic). Além disso, a Igreja presta especial atenção às crianças que vivem com casais do mesmo sexo [couples of the same sex], enfatizando que os direitos e necessidades destes pequeninos devem ser sempre priorizados.

[Os pontos acima destacados foram cotejados com a versão italiana, e quase não foram encontradas diferenças significativas: o texto na língua de Dante traz “accettando e valutando il loro orientamento sessuale”, “il mutuo sostegno fino al sacrificio costituisce un appoggio prezioso per la vita dei partners” e “coppie dello stesso sesso”. Digo “quase” porque, embora eu seja amador no italiano, ao que parece o verbo valutare não tem a conotação positiva que possui o “valorizar” português, que em italiano mais bem se diria valorizzare.]

É bem evidente que o texto pode ser catolicamente compreendido, às vezes com muita tranquilidade (é óbvio que as pessoas homossexuais possuem dons e qualidades), às vezes com menos (a única ótica sob a qual se pode “valorizar” – em aceitando essa tradução – uma orientação sexual objetivamente desordenada é a mesma segundo a qual se pode dizer “positiva” a concupiscência: é um dado da individualidade humana a partir de cuja mortificação os cristãos se santificam…). No entanto, preocupa, e muito, que os riscos da instrumentalização ideológica de um tal texto não tenham sido percebidos – ou tenham sido placidamente aceitos… – pelos seus responsáveis. Era evidente para além de qualquer evidência que o resultado da divulgação deste Relatio seria uma proliferação de manchetes do tipo «Documento do Vaticano defende mudança da Igreja em relação aos gays» mundo afora.

E assim fica difícil, tanto para os católicos que desejamos ser fiéis à Doutrina da Igreja quanto também (e talvez até principalmente) para os homossexuais que se esforçam todos os dias para vencer as suas más inclinações e levar uma vida como a a qual lhe chama o Evangelho de Jesus Cristo. Ora, para quê fugir do pecado? Para, depois, os pastores capitularem diante do lobby homossexual e dizerem (ou deixarem que os órgãos de mídia digam) que, bem, na verdade não era bem pecado e, portanto, se se quiser viver de tal ou qual maneira, bem, tudo bem? Sinceramente, isso é vergonhoso. É uma ofensa aos homossexuais sérios, aos quais este blogueiro desde já pede perdão e garante as suas pobres orações.

4. Como é bem óbvio, o documento não tem o menor peso doutrinal. Na verdade, não se trata nem de um documento stricto sensu, i.e., de um texto emanado de uma autoridade católica que tenha por destinatário uma porção do [ou todo o] povo de Deus; é, como o próprio nome diz, um relatório, uma ata de reunião, uma coletânea de assuntos tratados durante as assembléias sinodais. A própria Santa Sé julgou por bem precisá-lo, depois que uma enxurrada de protestos – dentre os quais o não menos relevante é o do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé vociferando “indigno! Vergonhoso! Completamente errado!” – expôs o descontentamento generalizado. Mesmo entre os leigos, aqui e alhures, não faltou quem celebrasse o documento por um lado e, pelo outro, deplorasse-o enfaticamente. Só dois comentários.

Um, havia sinceramente alguma dúvida de que as coisas iriam se passar dessa maneira? Não era patente que, por um lado, a mídia – ávida por humilhar a Igreja – anunciaria vitoriosa uma mudança (ou sinal de mudança) na doutrina católica e, pelo outro, os católicos protestariam enfaticamente contra esta visão dos fatos? Não era óbvio que se iria instaurar esse conflito entre os católicos e os órgãos de imprensa? A troco de quê indispôr a Igreja com a opinião pública? Por qual motivo se desejou (ou se permitiu) esse deplorável espetáculo?

Dois, como muito bem disseram uns amigos, é incrível como os liberais dentro da Igreja parecem não perceber que o objetivo do mundo é coagir a Igreja à aceitação das imoralidades contemporâneas para, depois, relegarem-Na à irrelevância – como fizeram com a igreja anglicana. E é incrível também a desonestidade dos revolucionários que, no afã de fazer avançar a sua agenda impossível, pretendem que um documento “ata-de-condomínio” se sobreponha a uma miríade de outros documentos indiscutivelmente doutrinais que apontam a Doutrina da Igreja mil-vezes repetida sobre o homossexualismo…

5. Resumo da ópera. Segue o Sinodo Straordinario Sulla Famiglia, até o próximo domingo (19); e as boas conseqüências que dele poderiam advir – e as questões sérias do mundo moderno que lá poderiam ser tratadas – ficam completamente soterradas por essa estirpe de polêmica estéril e daninha, tão sobejamente anunciada e, no entanto, em relação a qual as autoridades da Igreja parecem agir com a mais angustiante leniência. É desalentador. No meio das trevas e da tempestade, contudo, no meio da fumaça de Satanás que irrita os olhos e conduz os homens a despencarem no abismo do erro e da mentira, importa aferrar-se com segurança e determinação à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que permanece firme e inabalável – diz o lema cartuxo – enquanto o mundo dá voltas. Não passarão as palavras d’Aquele por Quem céus e terras foram criados. Deus vê…! Do Alto há-de vir o nosso socorro. Do Céu há-de orvalhar a Justiça de Deus; e, sobre os justos, Ele há-de fazê-la chover em profusão.

Por que dizemos que certas músicas influenciam o sexo livre?

Com relação à polêmica envolvendo o professor de Filosofia que ousou colocar “Valesca Popozuda” e “grande pensadora contemporânea” na mesma frase sem que os dois termos estivessem ligados por uma relação semântica de veemente oposição, uma amiga apontou com muita pertinência que a funkeira pode até não ser estritamente uma “pensadora”, mas sem dúvidas populariza certas concepções de mundo que são abraçadas e defendidas por muitos pensadores contemporâneos.

Parece-me claro que a música tem um poder de penetração popular muito maior na nossa sociedade do que a literatura ou a dissertação acadêmica. É muito mais fácil atingir as massas com uma canção que vire sucesso do que com um artigo de opinião, ainda que magistralmente escrito. É comum ver as canções populares unicamente como meios de entretenimento; no meu entender, é preciso encará-las também sob o ponto de vista de veículos transmissores de idéias. Um libelo apaixonado em defesa de uma determinada posição pode, é claro que concedemos, fundamentar o seu ponto de vista de uma maneira muito mais sólida do que a sua mera exposição desarticulada numa canção; mas uma música pode muito facilmente tornar conhecida uma idéia, popularizar um pensamento.

Alguns podem dizer que simplesmente expôr um pensamento não pode ser confundido com defendê-lo e nem muito menos com tentar convencer os que tomam conhecimento dele a adotá-lo. Aqui é preciso dizer: mais ou menos. Se é certo que há uma diferença muito grande entre a exposição argumentativa com vistas à persuasão de algo e a mera afirmação (às vezes até indireta) deste algo, não é menos certo que há outros fatores a serem levados em consideração aqui, como por exemplo:

1) Há uma tendência a enxergar com naturalidade os valores que são predominantes na nossa experiência de mundo. Se nós nunca vemos ao nosso redor um determinado comportamento, é pouco provável que tenhamos por conta própria a iniciativa de adotá-lo. Ao contrário, provavelmente o olharemos com desconfiança e de forma crítica quando e se nos depararmos com ele alguma vez. Por outro lado, se algo acontece à nossa volta o tempo todo – se algo é freqüente na nossa vizinhança, na nossa escola, no nosso trabalho, etc. -, é bastante provável que nos envolvamos de algum modo com isso. E as músicas que escutamos desempenham – pelo menos – o indiscutível papel de aumentar o leque dos lugares onde tomamos contato com uma dada visão de mundo: ela se nos torna mais familiar porque a encontramos no nosso ambiente de trabalho, nos jornais que lemos, nas conversas dos corredores universitários e também nas músicas que ouvimos no rádio do carro em meio aos engarrafamentos de cada dia ou que os nossos amigos põem para tocar nas festinhas e happy hours de que participamos.

2) A maior parte das pessoas não pauta o próprio comportamento por investigações filosóficas de ordem moral. Nós infelizmente não nos preocupamos muito com isso e tendemos a fazer aquilo que “está à disposição”. Os estilos de vida mais austeros podem ser defendidos com a maior clareza do mundo pelos maiores gênios da humanidade: a maior parte de nós escolherá o caminho mais fácil se ele se nos apresentar como uma opção entre outras. Isso porque para fazer a coisa certa é exigido do homem um esforço consciente e permanente, enquanto que para fazer a coisa errada basta que ele se deixe arrastar pelos seus instintos. Diziam os antigos que a ocasião fazia o ladrão, e o que se esconde por trás do antigo ditado é essa verdade bem simples: certas coisas não precisam de uma apologia para convencer os homens a realizá-las. Assim, não é preciso que um estilo de vida pouco virtuoso seja defendido para que os homens o adotem: basta que ele esteja aí. E que maneira mais fácil de tornar presente um determinado comportamento do que transformá-lo numa música que toca o tempo inteiro e que fica na nossa cabeça muito tempo depois de a termos ouvido, que nos pegamos cantando sem perceber ao longo do dia etc.?

3) O poder de penetração de uma música é muito maior do que o de um artigo científico, e isso muitas vezes compensa a informalidade que a primeira tem em relação a este. Para alguém gravar uma idéia exposta num texto acadêmico é preciso lê-lo com atenção, é preciso que o autor do texto a exponha diversas vezes e de muitas maneiras distintas etc.; ora, com extrema facilidade uma música é literalmente decorada, de uma ponta a outra, com as mesmíssimas palavras usadas pelo seu compositor. Se algo vai ser repetido incontáveis vezes, em situações as mais distintas possíveis – no carro, no chuveiro, no happy hour – e por um intervalo de tempo consideravelmente longo, é natural que as idéias presentes nessa repetição prolongada impregnem com maior facilidade o espírito de quem a ela é exposta do que as que constam numa palestra que se assistiu somente uma vez ou num artigo que se leu enquanto se aguardava a sua vez num consultório. A insistência no tema supre a sutileza com a qual ele é apresentado.

Voltando às músicas da Valesca Popozuda: o teor sexual de muitas de suas canções é bem conhecido. Nós sustentamos que isso é um claro incentivo à sexualidade livre. Contra os que dizem que uma música não tem o poder de forçar ninguém a fazer nada contra a sua vontade (o que é verdadeiro) e que praticamente nenhuma letra de música é um discurso proselitista em defesa de posição alguma (o que também é verdadeiro), nós respondemos com o que foi exposto acima: o incentivo de que falamos aqui não se dá a nível de coerção nem de argumentação racional. Ele se processa quando um determinado comportamento censurável é apresentado ao homem de tão variadas formas e com tamanha regularidade que passa a ser encarado por ele com naturalidade. E alguém que perceba uma coisa como natural está mais propenso a realizá-la.

Há um sem-número de intelectuais modernos que defendem o hedonismo. Nem a capacidade argumentativa de todos eles juntos seria capaz de arrastar mais pessoas a um estilo de vida hedonista do que as músicas indecorosas que tocam nas nossas rádios e nas nossas festas. Para que uma pessoa deixe a sua vida ser guiada pela busca ao prazer não é preciso que ela se convença racionalmente de que esta é a melhor opção filosófica possível: basta que ela perceba que o sexo é uma coisa prazerosa, que é socialmente bem aceito em seus círculos de relações sociais, que dele não decorre nenhuma responsabilidade, que é fácil de ser obtido. Basta, em suma, que ele esteja imerso em um ambiente que exala sexualidade de tal maneira que ela seja percebida como uma coisa simples, banal e corriqueira.

Para isso contribuem sem dúvidas os nossos “filósofos” e “intelectuais” contemporâneos. Mas contribui também, e enormemente, a atuação social de cantores como a que iniciou a polêmica dos últimos dias. Antigamente, os grandes pensadores influenciavam as multidões. Hoje elas são muito mais influenciadas pelas músicas que artistas de qualidade questionável despejam na nossa sociedade decadente. Se o povo se deixa guiar por funkeiros, então a sra. Valesca faz as vezes, sim, dos “grandes pensadores contemporâneos”, e é até justo chamá-la dessa maneira. Quem não merece ser chamado de “pensante” é o povo que se presta a tão deplorável papel.

«O Brasil não é assim» – comunicado sobre discurso de ódio proferido na abertura da Feira do Livro de Frankfurt

[Reproduzo comunicado que recebi por email de um amigo que está em Frankfurt. O discurso ao qual ele se refere é este aqui. Este “brasil” do «genocídio, impunidade e intolerância» pode até ser um retrato agradável à classe intelequituau, mas não é, com certeza, o meu país. Faço coro à indignação e ao repúdio dos amigos que estão na Feira do Livro. A Terra de Santa Cruz é maior do que os injuriosos modelos reducionistas nos quais a querem confinar. Cumpre aos verdadeiros filhos d’Ela levantarem-se em defesa da sua honra, quando a aleivosia de alguns dos seus filhos ingratos os leva a atacá-la de maneira tão vil e covarde.]

Foi distribuído hoje [ontem, 10 de outubro], na sala de imprensa da Buchmesse (Feira do Livro de Frankfurt), o seguinte comunicado do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, presente no Pavilhão do Brasil deste ano:

Comunicado de imprensa do

Instituto Plinio Correa de Oliveira (IPCO)

sobre lamentável discurso na Abertura Solene da

Feira do Livro de Frankfurt

  

Instituto Plinio Corrêa do Oliveira (IPCO), participante da Feira do Livro de Frankfurt 2013, conservou consternado silêncio após um dos discursos de abertura dessa magna exposição pronunciado pelo escritor Luiz Ruffato. Entretanto, em vista das repercussões negativas causadas por tal pronunciamento o Instituto considera seu dever dar uma explicação aos participantes desta Feira a respeito das palavras denegridoras da História do Brasil e de seu povo. Não podemos ver nessas palavras penetradas de paixão senão o espírito de luta de classes e de aversão social semelhantes às que animavam os espíritos afeitos à defunta União Soviética.

O orador abusou da boa vontade do público alemão, pois esse discurso jamais poderia ter sido pronunciado em terras brasileiras. O arguto espírito nacional o repudiaria imediatamente por negar a verdade conhecida por todos. Os ânimos de concórdia e de mútua compreensão tornaram os brasileiros reconhecidos por todos os outros povos como sendo cordato, compreensivo e bondoso. Os europeus em particular vêm em nossa Pátria um refúgio onde encontram simpatia e bondade. A mais numerosa nação católica do mundo deve esse caráter às bênçãos que a Providência continuamente cumulou sua existência.

Ruffato aproveitou-se da compreensão do povo alemão num momento de congraçamento de sua amizade. Mas este grande povo não se deixa iludir por uma retórica que ele tão bem conheceu e que era a oratória perpassada de ódio dos líderes de Pankow. Ela os atormentou nos tempos em que outros alemães, seus irmãos ou seus pais, divididos por um Muro, gemiam sob implacável ditadura.

“Nascemos sob a égide do genocídio … a assimilação (nacional) se deu através do estupro das nativas e negras pelos brancos colonizadores”.

A afirmação finge desconhecer a dedicação portuguesa à formação da nacionalidade, trazendo para a Terra de Santa Cruz instituições e costumes de uma nação heróica e profundamente cristã. O orador passa sob silêncio os ingentes esforços dos bravos Jesuítas cujo trabalho ingente junto aos selvagens levou-os e abriu-lhes as portas da civilização européia – superior a todas as outras. Outras ordens religiosas, atuantes nos séculos subseqüentes, confirmaram e ampliaram a ação daqueles que vieram com os heróicos sacerdotes Manuel da Nóbrega e o Beato José de Anchieta. Seria uma infâmia cometida contra sua memória julgar que permitissem um regime de “estupros e genocídio” na terra que regavam com seu suor e seu sangue.

Ao contrário do que afirmou Ruffato, a miscigenação foi generalizada nas diversas classes sociais. É fato conhecido que as principais famílias tradicionais da elite paulistana têm origem no cacique Tibiriçá, cujos restos mortais estão enterrados em lugar de honra na Catedral de São Paulo.

O Instituto Plínio Corrêa de Oliveira dirige-se com este comunicado de imprensa sobretudo aos alemães. Eles sabem que o Brasil não é um país da intolerância e da opressão. O brasileiro repudia o ódio. Este existe em grupelhos tomados por ideologias materialistas. Mas poderiam se perguntar se novos males, agindo sobre seu povo, tê-lo-iam levado à condição odienta. Não. Essa condição é imaginada pelos que se alimentam de utopias, em particular da utopia da luta de classes. O Brasil não é assim. O Cristo Redentor, cuja imagem paira benfazeja e protetora sobre o Rio de Janeiro – e sobre todo o Brasil – protege nosso povo contra essa utopia.

O retrato do Brasil que foi apresentado em 8 de outubro, na abertura solene da Feira do Livro de Frankfurt 2013, é distorcido e falso.

Extra! Extra! O Papa NÃO vai criar uma mulher cardeal!

Não que isso fosse realmente necessário, mas o Vaticano desmentiu a história louca publicada recentemente por El País de que o Papa Francisco iria “nomear” (sic) uma mulher cardeal. Excelente a colocação incisiva do pe. Lombardi:

“Não se pode ter El País como uma fonte do Vaticano”, assinalou o porta-voz da Santa Sé.

E – acrescento eu – nem tampouco o resto da mídia ávida por novidades na qual o próprio Papa já mandou recentemente que não acreditássemos.

Apenas a título de curiosidade, um «Cardeal» não é um grau do Sacramento da Ordem “acima” do de Bispo. A Ordem só tem três graus: o diaconato, o presbiterato e o episcopado, e mais nada. O Colégio Cardinalício é uma espécie de “para-hierarquia”.

Embora historicamente já tenha havido cardeais leigos, o Código de Direito Canônico vigente (Cân. 351) prescreve que só podem ser escolhidos para cardeais os que forem «pertencentes pelo menos à ordem do presbiterado», e acrescenta que «os que ainda não forem Bispos, devem receber a consagração episcopal». Como mulheres não podem ser ordenadas, tampouco podem ser cardeais.

Uma modificação no CIC para retirar essa exigência seria despropositada e inaudita, porque mesmo os antigos cardeais leigos recebiam a tonsura e as ordens menores – donde a história do Juan Arias sempre foi sem pé nem cabeça de uma ponta a outra.

O Papa Francisco e o aborto: a esquizofrenia da grande mídia

Ontem correram o mundo notícias “bombásticas” sobre as críticas que o Papa teria feito à forma como a Igreja transmite a sua Doutrina Moral. Citando uma entrevista do Romano Pontífice a uma revista jesuíta, as matérias que pulularam na internet foram as mais disparatadas possíveis. Exemplo:

Para Papa, Igreja não pode interferir espiritualmente na vida dos gays
– Papa abre Igreja aos gays, aos divorciados e às mulheres que abortam
– Igreja insiste demais em homossexualidade e aborto, diz papa
Papa critica obsessão da igreja por aborto, casamento gay e contracepção
Et cetera, et cetera, et cetera.

As causas mais gerais dessa loucura generalizada se encontram no diálogo de surdos entre a Igreja e a Imprensa que o prof. Carlos Ramalhete apontou com extrema perspicácia ontem mesmo. A leitura do texto dele é recomendadíssima, para que se possam evitar perturbações provocadas pela situação atual e por outras idênticas a ela que já apareceram e sem dúvidas ainda haverão de aparecer enquanto houver jornalismo medíocre no mundo.

Quanto ao caso concreto, é importante dizer quanto segue:

1. A íntegra da entrevista de Sua Santidade pode ser encontrada aqui.

2. A frase que provocou celeuma – sobre não se poder «insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos» – não se encontra solta no tempo e no espaço, como se o Papa estivesse estabelecendo diretrizes de ação para a Igreja em geral e para todas as situações possíveis. Como se trata de uma entrevista, o Papa Francisco está dando uma resposta para uma pergunta específica, e portanto é óbvio que o alcance de suas palavras deve estar circunscrito ao contexto dela. É evidente que elas não servem para guiar toda e qualquer ação dos católicos, pela simples razão de não ter sido isso o que foi perguntado a Sua Santidade.

3. A pergunta à qual o Papa Francisco responde é a seguinte:

[E]xistem cristãos que vivem em situações não regulares para a Igreja ou, de qualquer modo, em situações complexas, cristãos que, de um modo ou de outro, vivem feridas abertas. Penso nos divorciados recasados, casais homossexuais, outras situações difíceis. Como fazer uma pastoral missionária nestes casos? Em que insistir?

4. O Papa, portanto, não está falando da ação evangelizadora da Igreja simpliciter – e nem muito menos da apologética! -, e sim da «pastoral missionária» a ser feita junto a cristãos específicos – grifo, a cristãos específicos – que sofrem com problemas de ordem moral. O Papa, assim, não está falando do combate contra o Movimento Gay internacional ou contra a Indústria do Aborto, e sim do diálogo com cristãos arrependidos de seus atos. Veja-se:

Penso também na situação de uma mulher que carregou consigo um matrimónio fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar e agora está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente arrependida. Gostaria de avançar na vida cristã. O que faz o confessor?

Ora, o que isso tem minimamente a ver com o movimento feminista que pleiteia um “direito” ao assassinato de seres humanos inocentes ou com a Planned Parenthood? Absolutamente nada. Carece totalmente de sentido, portanto, fantasiar que o Papa pretenda banir o movimento pró-vida católico, sacramentar o “casamento” homossexual, abolir a Moral da Igreja ou qualquer outro disparate do tipo.

5. Ainda: não se trata de pretender converter os pecadores sem lhes apontar os seus pecados, e sim de acolher os penitentes que, já arrependidos de suas faltas, buscam sinceramente a graça de Deus; e fazê-lo sem que seja necessário ficar remexendo em feridas passadas dolorosas. A situação concreta que o Papa apresenta, como vimos, é a de uma mulher que no passado abortou e agora está sinceramente arrependida. É óbvio que numa situação dessas (e em outras análogas) o confessor não pode «insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos». É óbvio que esta mulher precisa sentir-se perdoada por Deus, e não ainda mais atormentada pelo seu pecado passado e do qual já se arrependeu, sem no entanto conseguir se perdoar.

6. Mais: não se trata de deixar de falar de temas morais, mas sim de harmonizá-los com a totalidade do ensino da Igreja. Porque, caso contrário, eles podem parecer regras arbitrárias e sem sentido. O que o Papa diz está corretíssimo: «o anúncio do amor salvífico de Deus precede a obrigação moral e religiosa». E ainda: «A mensagem evangélica não pode limitar-se, portanto, apenas a alguns dos seus aspectos, que, mesmo importantes, sozinhos não manifestam o coração do ensinamento de Jesus». É claro que é assim. Não fosse a Moral radicada na obediência a um Deus que é amor, ela se transformaria em um conjunto de imposições tirânicas e desprovidas de sentido. Não existe Moral sem Deus, e desvincular aquela Deste é um erro que obviamente não pode dar frutos de conversão.

7. Estas palavras do Papa, por fim, que falam por um lado da melhor maneira de acolher cristãos já arrependidos de seus pecados e, por outro, de não apresentar a Moral Católica desvinculada da totalidade da Mensagem Evangélica para não a desacreditar, não mudam em um átimo o dever da Igreja de continuar fazendo incansável guerra contra os promotores de pecados. Pretender que se deva agir com estes últimos da mesma forma que o Papa manda acolher os pecadores arrependidos é um completo nonsense e uma falsificação grosseiríssima das palavras de Sua Santidade.

E a maior prova de que o Papa não tem (e nem poderia ter) a menor intenção de alterar a forma de pregação da Igreja está nas palavras que ele próprio dirigiu hoje (sexta-feira, 20 de setembro, um dia depois da veiculação da entrevista supracitada) aos participantes de um encontro promovido pela Federação Internacional das Associações de Médicos Católicos. O original italiano desse discurso do Papa Francisco está aqui. Uma repercussão em português pode ser encontrada aqui. Desta última, destaco:

O Papa referiu-se esta sexta-feira em termos muito claros ao drama do aborto e ao direito à vida, deixando muito claro que a protecção da vida é “uma verdadeira prioridade do magistério, particularmente no caso da vida indefesa, isto é, os deficientes, os doentes, os nascituros, as crianças, os idosos”.

Numa audiência uma delegação de médicos católicos, Francisco foi mais longe e disse que as crianças que são “condenadas ao aborto” têm “o rosto do Senhor”, tal como os idosos cujo direito à vida não é respeitado.

E é exatamente isto o que está no original: «Per questo l’attenzione alla vita umana nella sua totalità è diventata negli ultimi tempi una vera e propria priorità del Magistero della Chiesa, particolarmente a quella maggiormente indifesa, cioè al disabile, all’ammalato, al nascituro, al bambino, all’anziano, che è la vita più indifesa». “Por isto, a atenção à vida humana na sua totalidade se tornou nos últimos tempos uma verdadeira e própria prioridade do Magistério da Igreja, particularmente àquela mais indefesa, isto é, ao inválido, ao doente, ao nascituro, à criança, ao ancião – que são as vidas mais indefesas”. E ele ainda vai mais longe:

O terceiro aspecto é um mandato: sede testemunhos e difusores desta “cultura da vida”. O vosso ser católico comporta uma responsabilidade maior: antes de tudo com relação a vós mesmos, pelo empenho de coerência com a vocação cristã; e depois diante da cultura contemporânea, para contribuir a reconhecer na vida humana sua dimensão transcendente, marca [impronta] da obra criadora de Deus, desde o primeiro instante de sua concepção. Este é um empenho da nova evangelização que muitas vezes exige andar contra a corrente, pessoalmente [pagando di persona].

E termina:

Nunca deixem de rezar ao Senhor e à Virgem Maria para terem sempre a força de cumprir bem o trabalho de vocês, testemunhando com coragem – com coragem! Hoje se exige coragem! -, testemunhando com coragem o “Evangelho da Vida”. Muito obrigado!

Não se trata de “deixar de lado” a pregação moral da Igreja, e sim de saber que esta é uma «prioridade do Magistério». Não se trata de “falar menos” nestes assuntos, e sim do «mandato» de agirmos «contra a corrente», «testemunhando com coragem o Evangelho da Vida». Ora, isso é rigorosamente o oposto do que se alardeou ontem na mídia irresponsável!

E o castigo para a leviandade da imprensa é a contradição, que chega às raias da esquizofrenia; ontem diziam que o Papa criticara a «obsessão da Igreja com o aborto», hoje anunciaram que o Papa disse ser «a defesa da vida uma verdadeira prioridade do Magistério». E continuarão dizendo ora uma coisa e ora o seu contrário, mesmo de um dia para o outro, porque a preocupação de certa mídia sensacionalista não é (e nem nunca foi) com a verdade dos fatos ou com a coerência do seu discurso, mas tão-somente com o “novo”, com o “sensacional”, com o “bombástico”. Esta é a função desta mídia. Engana-se quem pensa que o objetivo dela é informar alguém de alguma coisa.

Do nosso lado, enganar-nos-emos ainda mais terrivelmente se lhe prestarmos ouvidos. Confudir-nos-emos e nos perderemos, porque a missão dela é confundir e dispersar. Não caiamos nesta armadilha tão tosca e pueril! Os nossos olhos devem estar fitos no Eterno, e não nas inconstâncias esquizofrênicas dos meios de comunicação.

O Eterno e o Tempo da Imprensa – Carlos Ramalhete

[Fonte: Facebook]

O Eterno e o Tempo da Imprensa

A desculpa para escrever este texto – que publico sem revisão por falta de tempo – é a enésima vez que um Papa (ou Bispo, ou padre, ou leigo católico conhecido como tal) diz uma coisa e a imprensa faz uma tempestade alucinada num dedal d’água, berrando aos sete ventos que “o Vaticano/Papa/Bispo mudou e agora é a favor de camisinhas/aborto/sodomia”.

Isto sempre acontece, e é sempre seguido por leigos nem-tão-engajados-assim, modernistas de direita e outras figuras da periferia católica rasgando as vestes, como se o absurdo que a imprensa disse fosse verdade. E o Papa, Bispo, padre ou leigo engajado passa a ter mais trabalho para lidar com aqueles que com os judeus, pagãos, protestantes e orientais, que normalmente prestam mais atenção no que ele tenha a dizer quando querem saber qual é a dele.

Isto acontece por uma razão simplíssima: o universo mental e o modo de lidar com a realidade da Igreja e da imprensa simplesmente não poderiam ser mais diferentes. Infelizmente, todavia, há muita gente que raciocina de modo mais semelhante ao da imprensa que ao da Igreja se manifestando nesta ocasião e em outras semelhantes.

Vejamos quais são estes modos de ver o mundo, estes universos mentais tão díspares.

A imprensa é heraclítica. Para ela, só há mudança, devir, novidade. A novidade é a notícia, e é ela, e só ela, que interessa. O resultado é evidente quando se examina qualquer jornal, revista, noticiário, etc.: o que permanece não é notícia. Diz o ditado que quando um cachorro morde um homem, isso não é notícia; só é notícia o homem que morde o cachorro, justamente por ser diferente, **novo**. Os milhares de crianças que nascem saudáveis não são notícia, mas se nascer um bebê com quatro braços, a imprensa em peso vai noticiar. A mais séria de modo comedido, a mais popularesca fazendo comparações com divindades hinduístas. Do mesmo modo, na política é notícia o que muda, o que sai do padrão. Na vida cotidiana, o crime, o incêndio, a tragédia.

A Igreja, por outro lado, é a portadora de uma mensagem eterna. Para a Igreja, estamos há dois mil anos na Plenitude dos Tempos; a Revelação já foi toda dada e concluída, e nada mais acontecerá de realmente importante até o fim dos tempos. Em outras palavras, a eternidade penetrou no tempo, dando-nos todos a possibilidade de adentrar a eternidade. E o papel da Igreja é este: ajudar-nos a adentrar a eternidade.

Vale notar os dois lados desta equação da vida eclesial: um é a eternidade, que não muda jamais. A verdade, que é sempre a mesma. A natureza humana, que é sempre a mesma. O outro é a aplicação disto a cada um de nós. A Igreja conhece o ser humano como ninguém mais, sabe perfeitamente como cada coisa nos afeta, o que nos faz bem, o que nos faz mal, etc. Mesmo alguém que não tenha Fé pode perceber isto; afinal, dois mil anos prestando atenção no ser humano fatalmente a levariam a acumular algum conhecimento!!!

Os seguidores de religiões naturais tradicionais (como o hinduísmo, o budismo e algumas formas do islã), bem como os judeus ortodoxos, aliás, concordam em quase tudo com a Igreja no tocante ao ser humano, justamente por terem se dedicado, ao longo dos séculos, a estuda-lo.

Um clérigo católico experiente (padre, Bispo ou Papa) e ortodoxo há de ter passado algumas décadas a cuidar desta equação, a ajudar individualmente pessoa após pessoa a se tornar alguém melhor. Ele há de ter tido notícia de horrores inimagináveis, ouvidos no confessionário. Ele há de ter visto pessoas que caem após anos e anos de melhora. Não apenas a feiúra dos nossos desejos desabridos, mas a **falta de originalidade** deles está profundamente gravada na maneira dele de ver o mundo.

O primeiro sodomita, pedófilo, adúltero ou zoófilo há de espantar o padre recém-ordenado, que só havia estudado aquilo num compêndio de teologia moral. Ao longo dos anos, contudo, o que lhe salta aos olhos é a semelhança entre todos eles, o modo como toda tentação é parecida. É nesta hora que lhe é valioso o compêndio de teologia moral, que lhe lembra que por mais que um furto e um adultério sejam tão semelhantes, o efeito deles sobre a alma humana é diferente.

Trata-se, assim, de alguém que dedicou a vida a ajudar pessoas presas no tempo, pessoas que acham que aquela tentação – que é exatamente igual à do próximo! – é uma novidade absoluta, a adentrar a eternidade e deixa-la para trás. Para isto, ele tem um arsenal de técnicas mais que comprovadas pelo tempo, a serem aplicadas na direção espiritual e no aconselhamento. Sempre pessoa a pessoa, sempre tendo a eternidade como objetivo.

Mas, afinal, o que levaria alguém a querer melhorar? O que levaria alguém a buscar a santidade – que nada mais é que a sanidade! –, ao invés de buscar mais dinheiro, mais sexo, mais Aifones do último tipo, ou sei lá o que se vende hoje em dia como desejável?!

Mysterium Fidei, este é o Mistério da Fé.

A Fé é uma graça divina. Em bom português, isto significa que ela é um presente de Deus ao homem, não uma decisão humana. A decisão – que existe! – é simplesmente de aceitar, ou não, a Fé que Deus oferece. Contra esta decisão há todo tipo de apego ao temporal (dinheiro, poder, sexo, Aifones… basicamente, tudo o que se perde na morte). A favor, contudo, há a perfeição divina. Há a ação dos Santos. Há os milagres (hoje, dia de São Januário, é o dia de um milagre que se repete regularmente há coisa de dezessete séculos!). Há a Verdade.

Parece um jogo ganho de antemão, mas sabemos todos – e mais ainda o sabe quem sentou por horas a fio, dia após dia, ano após ano, em um confessionário, ouvindo a horrenda banalidade do mal que se repete de coração em coração – que é tão fácil trocar nossa herança por um prato de lentilhas. Ou por um belo par de seios, ou por um empreguinho legal, ou um carro novo.

O que nos há de atrair a Deus, contudo, é sempre Ele mesmo. Em última instância, estamos falando de corresponder ao amor divino, um amor eterno, que ama cada indivíduo e ajuda – através da Igreja – cada indivíduo a se livrar daquilo que o torna menos ele mesmo. O pecado, afinal, é a negação de si mesmo. Quando eu peco, estou sendo falso em relação a mim mesmo. Se eu traio minha mulher, estou sendo menos o marido dela (que eu sou!) e mais um adúltero genérico, exatamente igual a todo e qualquer patético frequentador de casas de suingue ou bordéis.

Para a imprensa, contudo – e aí voltamos ao tema deste texto, que já parecia esquecido –, nada disso existe ou importa. Existe apenas a titilação da novidade, inclusive e especialmente a falsa novidade da última apresentação da mesma tentação velha e desgastada.

No momento, estamos na transição entre a titilação da sodomia – que está rapidamente deixando de ser titilante pelo excesso de repetição, a não ser que se trate de lesbianismo (mocinhas núbeis se esfregando têm para o vulgo um apelo bastante maior que o de rapazes fazendo o mesmo) – para a da pedofilia (que está passando de coisa medonha a coisa excitante do momento).

Mas tanto faz. Tanto uma quanto a outra são a mesma coisa, a mesmíssima e velhíssima prática de desviar-se do fim de um ato para arrancar dele um prazer que deveria ser a recompensa, não o objetivo. No fundo, dá no mesmo fornicar, entregar-se à sodomia, pedofilia ou zoofilia ou simplesmente, como faziam os romanos, comer e vomitar para poder comer mais. Ou comer produtos “diet” em megadoses, como se faz hoje em dia. É a mesma busca do prazer sem suas consequências, da recompensa sem o prêmio.

Quando, então, a imprensa e o clero – no momento, o Papa Francisco – tentam se comunicar, o que temos é um diálogo de surdos.

O Papa vai responder às perguntas que lhe são colocadas a partir do ponto de vista da eternidade (“sub species aeternitatis”), enquanto a imprensa vai buscar basicamente **novidades**. Ora, por definição, não há novidades. A Revelação se concluiu com a morte do último dos apóstolos (aos curiosos, trata-se de S. João, no final do Século I; ele era adolescente quando da Crucifixão).

Desta forma, a imprensa vai buscar sempre os pontos em que a maluquice daquele momento, daquele segundo, daquela etapa microscópica dos interesses demagógicos e vacilantes de uma sociedade em decadência está em conflito com a eternidade, e tentar vender a falsíssima idéia de que há alguma novidade, de que a Igreja “finalmente mudou”, como se isso fosse possível. Há alguns dias, era um burocrata da Santa Sé que deu vazo a delírios da imprensa, torcendo suas palavras para usá-las como se ele negasse o celibato dos sacerdotes (e, mais ainda, como se esta suposta negação mudasse algo na doutrina da Igreja!). Agora, é uma série de delírios interpretativos absoluta e completamente bizarros acerca de algumas declarações do Santo Padre em uma entrevista, ignorando não só o contexto mas as próprias palavras dele para falar sandices acerca de aborto, sodomia e o que mais vier.

Temos, assim, de um lado, um clérigo falando da Eternidade. Do outro, um jornalista buscando a titilação do momento, o devir, a mudança.

Ora, como poderia haver algum diálogo?! Como poderia haver alguma comunicação??!!

A imprensa vai, sempre, tentar torcer as palavras dos clérigos. Não é por maldade, mas porque o “radar” deles só registra mudança, movimento. E os falsos positivos do radar são muitos; não sei você, caro leitor, mas em todos os temas que domino por força dos estudos ou da ação profissional, ao ver o que é publicado nos jornais a respeito, fico chocado com a má qualidade das informações.

Ao tratar da Igreja, então, que se lhe é tão radicalmente contrária em sua visão de mundo, é praticamente impossível que a imprensa faça uma leitura que tenha algum sentido. Tudo, sempre, vai retornar àquilo em que o fabulário geral do delírio cotidiano se afasta mais visivelmente do que é Eterno: no momento, é aborto, sodomia e camisinhas; daqui a alguns anos, pedofilia e zoofilia entrarão no jogo.

O que a Igreja prega, contudo, não é nem aborto, nem camisinhas, nem sodomia. Nem – por mais incrível que isso possa parecer a meus queridos coleguinhas jornalistas – a negação deles. A Igreja prega o Eterno. Estes temas, tão titilantes e palpitantes para o jornalista que simplesmente não consegue entender como cargas d’água alguém pode diferir da sabedoria coletiva do PSOL e das Organizações Globo, para a imensa maioria dos católicos mais sérios e comprometidos com a Fé, simplesmente não se registram no radar.

Eu mesmo, por exemplo, sou casado. Não tenho a menor intenção de cometer adultério, e creio que não fosse sequer saber como se usa uma camisinha (tomei jeito antes delas virarem coisa normal) se resolvesse cometê-lo. Tanto melhor: assim tenho ainda mais razões para não o cometer!…

A sodomia simplesmente não me atrai. Como, contudo, eu tenho cá minhas tentações, quem seria eu para brigar com alguém, ou mesmo para simplesmente tratá-lo de modo diferente, por ele ter esta tentação?! Simplesmente não é da minha alçada.

Aborto, para mim, é exatamente igual a qualquer outra forma de homicídio: espero sinceramente jamais sofrer esta tentação, e espero ter forças para perdoar quem nela caia.

Nenhum destes temas jamais foi objeto de uma homilia que eu tenha ouvido numa Missa, por ser, para qualquer católico, algo evidente. Ao contrário, as boas homilias que ouvi, as que me fizeram sentar mais reto no banco para prestar mais atenção, falaram de como lidar com o que nos tenta, de como Deus Se nos revelou e Se nos revela, dos Sacramentos, dos Mandamentos, do amor conjugal de Cristo pela Igreja, etc.

Reduzir a Igreja à sua oposição a este ou aquele tema titilante da moda é simplesmente perder a Igreja de vista. É mais que evidente que isto ou aquilo é errado. Não é por a sociedade pregar isto ou aquilo como certo, contudo, que eles são errados: é por serem armadilhas velhíssimas, enferrujadas e cheias de teias de aranha, com as quais nós tentamos fugir da Eternidade que nos chama, e que é tão maior que tudo isso.

Quem, assim, reclama do Papa ou de qualquer clérigo por não tratar a imprensa como a imprensa quer ser tratada, por não cair em uma guerrinha imbecil de “pundits” e frases de efeito, simplesmente não entendeu a que vem a Igreja. E quem usa as imbecilidades que a imprensa publica sobre a Igreja para rasgar as vestes e entregar-se a escândalo farisaico, por vezes até condenando abertamente o Santo Padre, deveria calar a boca e voltar-se à eternidade. Num confessionário, e depois numa igreja vazia e sem luzes elétricas, de joelhos diante do Santíssimo. Do Eterno. De Deus, que não passa.

Na Festa de São Januário do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2013,

Na Quinta São Tomás, no Carmo de Minas,

Carlos Ramalhete,

Um pobre pecador, que mendiga uma sua Ave-Maria

Sobre a posição do Pe. Paulo Ricardo a respeito da Reforma Litúrgica

Muitas pessoas questionaram os recentes programas de internet em que o pe. Paulo Ricardo tratou do Missal de Paulo VI; eu, ao contrário, gostei muitíssimo que ele o tivesse feito, e achei inclusive que foi providencial. Afinal de contas, é uma coisa muito boa que assuntos como este não sejam somente característicos de grupos restauracionistas radicais que perderam o passo da Igreja. Como comentei então junto a alguns amigos, as pessoas que começam a se interessar pela Liturgia da Igreja vão, mais cedo ou mais tarde, se deparar com a história da Reforma Litúrgica. Ora, é melhor que elas tomem contato com o assunto dentro do ambiente equilibrado das aulas do pe. Paulo, e não em sites da FSSPX e quetais.

Os dois programas do Padre Paulo onde o assunto foi abordado são os seguintes:

  1. O missal de Paulo VI e a reforma da reforma litúrgica de Bento XVI
  2. O Missal de Paulo VI e a hermenêutica da continuidade

A maior parte dos meus leitores já teve ter ouvido as duas aulas acima. Sobre elas muito já disse, inclusive coisas que não correspondem à verdade: principalmente da primeira aula, foram retiradas de contexto diversas passagens da fala do padre, fazendo com que ele parecesse um fanático rad-trad vomitando impropérios contra o Novus Ordo Missae, em nada distinguível de um Lefebvre raivoso dizendo que «a maioria destas Missas são sacrílegas e (…) diminuem a fé, pervertendo-a». Ora, Lefebvre estava errado, como é capaz de o perceber qualquer pessoa que, por exemplo, tenha a Auctorem Fidei diante dos olhos. Na conhecida Bula, o Santo Padre Pio VI diz o seguinte:

LXXVIII. (…) In quanto per la generalità delle parole comprenda e assoggetti all’esame prescritto anche la disciplina costituita e approvata dalla Chiesa, quasi che la Chiesa, la quale è retta dallo spirito di Dio, potesse stabilire una disciplina non solamente inutile e più gravosa di quello che comporti la libertà cristiana, ma addirittura pericolosa, nociva, inducente nella superstizione e nel materialismo;

FALSA, TEMERARIA, SCANDALOSA, PERNICIOSA, OFFENSIVA DELLE PIE ORECCHIE, INGIURIOSA ALLA CHIESA E ALLO SPIRITO DI DIO, DAL QUALE LA CHIESA STESSA È REGOLATA; PER LO MENO ERRONEA.

Traduzo o que é mais relevante: “(…) como se a Igreja, que é regida pelo Espírito de Deus, pudesse estabelecer uma disciplina não somente inútil e danosa à liberdade cristã, mas ainda perigosa, nociva, que conduzisse à superstição e ao materialismo: [tal proposição é] FALSA, TEMERÁRIA, ESCANDALOSA, OFENSIVA AOS OUVIDOS PIOS, INJURIOSA À IGREJA E AO ESPÍRITO [SANTO] DE DEUS, PELO QUAL A IGREJA É CONDUZIDA; [E] PELO MENOS ERRÔNEA”.

A tese, portanto, segundo a qual a Igreja pudesse estabelecer uma disciplina – por exemplo, um Rito para a celebração do Santo Sacrifício da Missa – que fosse nociva à Fé é condenada pelo Magistério, é «falsa» e «escandalosa», é «injuriosa à Igreja» e «pelo menos errônea». Não há o que discutir aqui. A esta mesmíssima conclusão chegaram inclusive pessoas que, convencidas da nocividade da Reforma Litúrgica, usam-na como argumento em favor do sedevacantismo. Os que acreditamos que o Papa Francisco é – de fato e de direito – o Sumo Pontífice gloriosamente reinante (e que igualmente o foram Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI) precisamos, portanto, sustentar ao mesmo tempo que o Rito com o qual a Igreja virtualmente inteira oferece nos dias de hoje ao Deus Altíssimo o Sacrifício da Missa é vere et proprie um Rito Católico, santo e santificante.

Santo, porque é um rito católico, que expressa a Fé Católica, como não poderia deixar de ser diferente: afinal de contas, lex orandi, lex credendi, e a Igreja obviamente reza de acordo com aquilo em que Ela crê. Santificante, porque capaz de produzir nas almas a Graça própria dos Sacramentos e alimentar a Fé dos que dele participam piedosamente. O Pe. Paulo Ricardo tem absoluta consciência disso. A análise dele situa-se em outro nível.

Qual é então o «problema» com o Missal de Paulo VI? Ora, um «rito» é um conjunto de palavras, gestos e símbolos que expressam alguma coisa: no caso, que expressam a Fé Católica. O Rito dos Sacramentos – qualquer Rito dos Sacramentos, não somente o de Paulo VI – em um certo sentido está para os Sacramentos em si assim como o significante está para o significado: é um conjunto de signos que expressam uma realidade. Além disso, no caso dos Ritos Católicos, eles não somente expressam a Fé Católica como também realizam os Sacramentos: «Ego te baptizo in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti» não somente se refere ao Batismo Católico como de fato confecciona o Santo Batismo, realiza-o. Há, portanto, logo de cara, duas coisas:

  1. a capacidade intrínseca do Rito de confeccionar os Sacramentos que ele realiza; e
  2. a sua expressividade das realidades invisíveis que ele traz à existência.

Quanto à primeira, qualquer Rito católico existente ou possível, por definição, se rito católico é, é perfeito e tem o exato mesmo valor. Aqui não há nuances possíveis: ou o Sacramento é válido ou é inválido, ou a forma é suficiente para confeccionar o sacramento e, portanto, ele existe; ou é insuficiente e não o realiza. Aqui não há matizes e não há graus: ou a fórmula sacramental produz o Sacramento ou não o produz, et tertium non datur.

Já quanto à segunda, nenhum Rito católico que exista, tenha existido ou possa um dia existir está perfeito no sentido de que não possa ser jamais melhorado, e isso também por definição. As realidades sobrenaturais que trazemos à existência por meio da Liturgia Católica transcendem totalmente a capacidade de expressão daquelas palavras, gestos e símbolos de que se compõem os ritos católicos. Podemos sem dúvidas expressá-las, mas jamais esgotá-las, e se elas nunca se esgotam então isso significa que sempre é possível exprimi-las mais e melhor.

É dentro dos limites deste segundo aspecto dos ritos que o padre Paulo Ricardo tece as suas considerações. A capacidade do Missal de Paulo VI de confeccionar os Sacramentos que ele se propõe a confeccionar está totalmente fora de discussão: é claro que ele realiza os Sacramentos, e o próprio fato do pe. Paulo continuar a celebrá-lo é por si só evidência mais do que suficiente de que ele sabe muito bem disso. No entanto – este é o ponto do sacerdote – houve um inegável empobrecimento da expressividade do Rito Romano com a Reforma de 1969, e é essa a história que o padre se propõe a contar.

Dado isso, o que pode ser feito? Como o próprio sacerdote disse de modo explícito, não se trata simplesmente de voltar à celebração da Missa com as rubricas de 1962 e nem muito menos de confeccionar novos livros litúrgicos, coisa que aliás o pe. Paulo sabe perfeitamente não ter competência para fazer. Trata-se, em primeiríssimo lugar, de conhecer um assunto que, infelizmente, durante muito tempo foi “propriedade” (de modo totalmente ilegítimo) de grupos tradicionalistas em guerra contra a Igreja de Roma. E é neste sentido, antes de qualquer coisa, que eu disse ter ficado contente com as considerações do padre Paulo: o próprio fato do assunto ganhar cidadania católica fora dos guetos dos que são contrários ao Concílio Vaticano II é por si só razão mais do que suficiente para se aplaudir a iniciativa do sacerdote de Cuiabá. Afinal de contas, citando o então Card. Ratzinger (que o padre Paulo citou no seu segundo programa):

Mas que se possa ter a impressão de que nada neste Missal [de Paulo VI] possa jamais ser alterado, como se qualquer reflexão sobre possíveis reformas ulteriores fosse necessariamente um ataque ao Concílio [Vaticano II] – semelhante idéia eu só posso chamar de absurda.

[But that the impression should arise as a consequence that nothing in this missal must ever be changed, as if any reflection on possible later reforms were necessarily an attack on the Council – such an idea I can only call absurd.]

RATZINGER, Joseph,
«The Spirit of the Liturgy or Fidelity to the Council: Response to Father Gy»,
Antiphon 11.1 (2007): 98-102.

Em segundo lugar, o conhecimento das riquezas da Liturgia Católica ajuda muitíssimo a melhor celebrar e a participar de modo mais frutuoso da Santa Missa, mesmo das celebradas segundo os livros litúrgicos atualmente em vigor. Afinal, entender a importância de certos aspectos litúrgicos próprios do catolicismo e que, não obstante serem pouco utilizados ou estarem obscurecidos pela praxis quotidiana, permanecem integralmente válidos dentro do Novus Ordo – coisas como a língua, a música, os paramentos, a posição do sacerdote, o significado da Missa como um todo e de diversas orações que dela fazem parte, a forma de se receber a comunhão, etc. – ajuda-nos a valorizá-los quando os encontramos e a promovê-los quando eles estão ausentes. Era isso, aliás, o que fazia o Papa Bento XVI, que não celebrou jamais enquanto Papa a Missa Tridentina mas soube se utilizar dos elementos previstos no Missal de Paulo VI para impulsionar a sacralidade litúrgica – esta, sim, que não pode jamais faltar, seja qual for o rito em que se celebre.

Por fim, em terceiro lugar, isso fomenta a – por que não? – sadia discussão sobre o assunto. É preciso abandonar a histeria que se construiu em torno da Reforma Litúrgica, é preciso combater com coragem esta idéia – que o Card. Ratzinger chamava “absurda” – de que quaisquer reflexões sobre possíveis reformas no Missal de Paulo VI sejam por si sós um ataque ao Concílio. É portanto justo e conveniente que a pessoas equilibradas, em perfeita sintonia com a Igreja, seja concedido o direito de estudar o Missal de Paulo VI e inclusive propôr alterações a ele, sem que lhes seja lançada à face a pecha de tradicionalistas cismáticos inimigos da Igreja. O padre Paulo, corajosamente, reivindicou de modo perfeitamente legítimo o exercício desse direito: que o sigam os que se julgam capazes de colaborar nesta seara! Ao contrário, transformá-lo em um revoltoso desobediente em nada distinguível dos mais radicais tradicionalistas é, além de uma inverdade e uma injustiça, um enorme desserviço que se presta tanto à Igreja Católica quanto à Sua Sagrada Liturgia.

Carta aos bispos

23 de agosto de 2013,
Festa de São Lino, Papa,
e de Santa Rosa de Lima,  primeira santa latino-americana

Excelentíssimos senhores bispos,

O Papa Francisco tem instigado os católicos a promoverem uma «cultura do encontro», que ele entende como contrária a esta cultura «eficientista» e «do descarte» que hoje está aí (cf. Homilia do Papa Francisco na Catedral de São Sebastião, Rio de Janeiro, Sábado, 27 de Julho de 2013). Para uma verdadeira cultura do encontro, diz o Papa, é mister anunciar com coragem a Fé Católica, com «a certeza humilde e feliz de quem foi encontrado, alcançado e transformado pela Verdade que é Cristo, e não pode deixar de anunciá-la» (cf. id. ibid.). Para a mais perfeita promoção dessa cultura, portanto, em obediência à Doutrina do Evangelho e com os olhos fitos em Cristo, Bom Pastor, queremos expôr aos senhores bispos as considerações a seguir.

Consideramos que a máxima “Ecclesia semper reformanda” recentemente lembrada pelo Papa Francisco tem muito a nos dizer, a nós católicos do Terceiro Milênio, e é por estrita fidelidade a este tão importante princípio que precisamos enfrentar corajosamente todas as tentações eclesiais modernas. Em particular, é urgente enfrentar a tentação de retrocedermos a modelos fracassados de Igreja que, no passado, tanto mal provocaram à Esposa de Cristo e a tantas almas pelas quais o Divino Redentor derramou o Seu Preciosíssimo Sangue.

Diante do novo horizonte eclesial que à nossa frente se nos descortina, julgamos da mais alta necessidade que não desperdicemos este tempo favorável que a Divina Providência nos concedeu com retrocessos teológicos e pastorais que, à semelhança do antigo inimigo do gênero humano, rondam as nossas Igrejas Particulares procurando a quem devorar. Temos a consciência de que uma verdadeira «cultura do encontro» deve conduzir os homens e mulheres de hoje a um encontro com Cristo, sem o qual todos os nossos esforços serão vãos e enganosos.

Confiantes nas palavras do Divino Salvador que mandou aos Seus Discípulos anunciarem “de cima dos telhados” a Boa Nova que Ele lhes confiara, nós queremos fazer chegar aos senhores bispos essas nossas reflexões, a fim de que o ar puro do Evangelho da Luz possa vencer os miasmas pestilentos das catacumbas onde velhas raposas que perderam o bonde da história conspiram contra a Igreja Santa de Deus.

1. O Ministério dos bispos à luz do Concílio Vaticano II

Os bispos, enquanto sucessores dos Apóstolos, detêm em união com o Romano Pontífice o «supremo e pleno poder sobre toda a Igreja» (Christus Dominus, 4). Nestes nossos tempos em que o relativismo cresce assustadoramente a ponto de um sem-número de homens e mulheres não serem capazes de encontrar nenhuma referência espiritual segura em meio a um mundo em constantes e céleres transformações, julgamos da mais alta importância que a Unidade da Igreja de Cristo resplandeça com tanto mais vigor e solidez quanto mais fluidos e caóticos forem os valores atualmente em voga.

Esta Unidade da Igreja se manifesta na união afetiva e efetiva de cada Igreja Particular com a Sé Apostólica, e de cada Bispo individual com o Bispo de Roma. A unidade da Igreja depende da unidade do Episcopado, e essa exigência é tão grande que não pode existir verdadeira Igreja Católica onde falte aquela comunhão com a Sé de Roma, princípio e fundamento da unidade. A esse respeito, o Concílio Vaticano II assim nos ensina: «para que o mesmo episcopado fosse uno e indiviso, [Cristo] colocou o bem-aventurado Pedro à frente dos outros Apóstolos e nele instituiu o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e comunhão» (Lumen Gentium, 18).

Observamos com apreensão uma certa tendência à alforria em algumas Igrejas Particulares, que imaginam ser condição necessária à realização da catolicidade da Igreja sacudir dos ombros o jugo do Romano Pontífice. Os que procedem dessa maneira, além de atentarem gravemente contra a Unidade da Igreja de Cristo, esquecem-se de que foi o próprio Cristo quem disse aos Apóstolos: «quem Vos ouve é a Mim que ouve, e quem Vos rejeita é a Mim que rejeita». Enganar-se-iam os purpurados que orgulhosamente pensassem que a gravidade dessas palavras pesa somente sobre os cristãos leigos e não sobre cada um deles igualmente. Afinal, antes de serem pastores pelo Sacramento da Ordem, são também e principalmente cristãos pelo Batismo, aos quais Cristo chama à obediência da Fé. Também os bispos devem encarnar o discipulado de Cristo, e nada mais estranho aos discípulos de Nosso Senhor do que a insurreição contra os fundamentos da Igreja de Deus. De fato, o bispo, «a quem é confiada uma igreja particular, apascenta em nome do Senhor as suas ovelhas, sob a autoridade do Sumo Pontífice» (CD, 11) e jamais à revelia desta autoridade suprema.

Ao invés, portanto, de perderem tempo com semelhantes quimeras, que sejam os bispos verdadeiros discípulos para, obedientes Àquele que Se fez obediente até a morte, aprenderem d’Ele que é manso e humilde de coração. E, em obediência ao Concílio Vaticano II, esforcem-se por serem missionários zelosos pela pureza da Fé do povo a eles confiados, segundo o que ensina o já citado decreto Christus Dominus: que se interessem «particularmente por aquelas regiões em que não foi ainda anunciada a palavra de Deus ou em que, sobretudo por causa da escassez de sacerdotes, os fiéis correm perigo de se afastarem da prática dos mandamentos e até de perderem a fé» (CD 6). A prática dos mandamentos inclui a submissão filial devida às autoridades da Igreja, da qual nem mesmo os próprios bispos estão dispensados. Sejam, portanto, eles próprios os primeiros a darem este testemunho profético tão necessário no mundo de hoje.

2. A colegialidade necessária no século XXI

O Primado do Bispo de Roma é instituição de direito divino; a este respeito, quis o Vaticano II propôr novamente à crença dos fiéis esta santa «doutrina sobre a instituição perpétua, alcance e natureza do sagrado primado do Pontífice romano e do seu magistério infalível» (LG 18).

O Colégio dos Bispos, como aquele Colégio Apostólico original, só existe verdadeiramente em estreita união com o fundamento da unidade da Igreja: São Pedro e seus sucessores. Ainda sobre este assunto, quis o Concílio expressar-se deste modo claro e inequívoco: «o colégio ou corpo episcopal não tem autoridade a não ser em união com o Romano Pontífice, sucessor de Pedro» (LG 22). Queiram, assim, os bispos, em obediência ao Concílio Vaticano II, esforçarem-se por fomentar esta sagrada «união com o Romano Pontífice» da qual depende em absoluto a autoridade episcopal que eles detêm. Mais uma vez, sejam os bispos generosos em darem constantes e efetivas mostras da sua submissão ao Bispo de Roma, afastando mesmo toda aparência de uma “colegialidade” entendida como independente ou mesmo contrária aos interesses da Sé Apostólica.

Conscientes de que somos aquelas «pedras vivas» das quais é constituída a Igreja de Deus, temos a íntima convicção de que a necessária renovação da Igreja passa necessariamente pela renovação das almas individuais. Não existem “estruturas eclesiásticas” passíveis de serem reformadas sem a conversão do coração dos membros da Igreja – não só leigos, mas também bispos – no sentido de obedecerem cada vez mais perfeitamente aos ditames do Divino Mestre, principalmente àqueles que são mais contrários ao espírito dos tempos. E entre os aspectos da vida eclesial que hoje mais necessitam de um retorno às origens do Cristianismo, parece-nos urgente a redescoberta e vivência daquele antigo adágio dos Santos Padres: «ubi Petrus ibi Ecclesia».

Que se esforcem, portanto, os bispos para exercerem responsavelmente a sua colegialidade, exercendo o poder que lhes compete por direito divino «juntamente com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça» (CD 4), pois só dessa maneira se dará a tão almejada e necessária renovação da Igreja Católica.

3. O cinquentenário do Concílio Vaticano II

O Papa Francisco nos ensinou recentemente que o Vaticano II «foi um Concílio sobre a fé, por nos ter convidado a repor, no centro da nossa vida eclesial e pessoal, o primado de Deus em Cristo» (Lumen Fidei, 6). A fim de aproveitar a celebração do cinquentenário do Vaticano II para fomentar a frutuosa redescoberta dos tesouros que este Concílio legou à Igreja, gostaríamos de propôr aos senhores bispos três pontos conciliares que, em nossa opinião, precisam ser mais generosamente aplicados em nossas Igrejas Particulares.

Primeiro, sobre a Fé, que o Concílio «fez brilhar (…) no âmbito da experiência humana» (LF 6), gostaríamos de recordar, segundo as linhas mestras do Concílio, que «ao inculcar expressamente a necessidade da fé e do Baptismo (cfr. Mc. 16,16; Jo. 3,15), [Cristo] confirmou simultaneamente a necessidade da Igreja, para a qual os homens entram pela porta do Baptismo» (LG 14). De acordo com esta importante Constituição Dogmática, assim, Fé e comunhão eclesial não são duas realidades antagônicas ou mesmo independentes entre si, mas muito pelo contrário: é da absoluta necessidade da Fé «sem a qual é impossível agradar a Deus» que decorre a necessidade de se pertencer à Igreja de Cristo, «necessária para a salvação» (LG 14).

Que se esforcem, portanto, os bispos para anunciar o Evangelho da Verdade, conscientes de que alargar as fronteiras da Fé equivale a alargar os limites da Igreja Católica e Apostólica e, simultaneamente, colocar-se fora da comunhão com esta Igreja é o mesmo que atraiçoar a Fé que Cristo nos legou, pois «a unidade da fé é a unidade da Igreja» (LF 48). A este respeito, são muito incisivas as recentes palavras do Papa Francisco em sua já citada primeira carta encíclica: segundo ele nos ensina, a Fé «tem uma forma necessariamente eclesial, é professada partindo do corpo de Cristo, como comunhão concreta dos crentes» (LF 22); e ainda, «danificar a fé significa danificar a comunhão com o Senhor» (LF 48). Que tenham portanto os bispos sempre a firme consciência de que só é possível confessar a Fé em Cristo em comunhão com a Igreja Católica, e que anunciar a Fé é simultaneamente convidar o ouvinte a tornar-se «participante do caminho da Igreja, peregrina na história rumo à perfeição» (LF 22).

Segundo, sobre a Liturgia, «que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, (…) [que] robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações, para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor» (Sacrosantum Concilium, 2), queremos meditar nessas palavras proféticas do Concílio: a Liturgia deve ser um «sinal erguido entre as nações» pela Santa Igreja, a fim de «reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos».

A Sagrada Liturgia, assim, transcende as comunidades individuais onde ela se realiza, pois contém em si o papel de ser um sinal entre as nações, convidando os que não crêem a se reunirem à sombra da Igreja de Cristo. Por esta razão, a catolicidade da Liturgia rejeita todos os particularismos aos quais por vezes as Igrejas Particulares são tentadas a reduzi-la. O nexo entre Liturgia e Fé – expresso no conhecido adágio «lex orandi, lex credendi» – deve resplandecer em cada celebração da Eucaristia, a fim de que ela seja «também abundante fonte de instrução para o povo fiel» (SC 33).

É com profunda consternação que encontramos não raras vezes celebrações eucarísticas totalmente desfiguradas por elementos estranhos à tradição litúrgica da Igreja, a ponto de sua identidade católica tornar-se irreconhecível sob uma profusão de símbolos que nada dizem a respeito da Fé. A este respeito, recordamos aquele (tão atual) lamento do Bem-Aventurado João Paulo II: «Como não manifestar profunda mágoa por tudo isto? A Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambiguidades e reduções» (Ecclesia de Eucharistia, 10).

Que os bispos velem para que as celebrações eucarísticas em suas Igrejas Particulares façam sempre refulgir a Fé Católica e a comunhão com a Igreja Universal, sem as quais a Liturgia perde a sua razão de ser. Sejam solícitos em atender aquele «veemente apelo» do Papa João Paulo II «para que as normas litúrgicas sejam observadas, com grande fidelidade, na celebração eucarística» (EE, 52), pois este mistério «é demasiado grande para que alguém possa permitir-se de tratá-lo a seu livre arbítrio, não respeitando o seu carácter sagrado nem a sua dimensão universal» (id. ibid.).

Por fim, em terceiro lugar, sobre o papel dos leigos, queremos recordar que é sua «vocação própria (…) procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus» (LG 31). Queremos, destarte, suplicar aos senhores bispos que não os queiram transformar em sucedâneos de sacerdotes, consumindo assim os seus esforços em um papel que não lhes compete realizar. Pois a maneira própria do leigo santificar o mundo não é assumindo papéis na Sagrada Liturgia ou tratando de assuntos da burocracia eclesiástica, mas sim realizando em Deus «os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo» (LG 34).

Sejam, assim, os bispos diligentes em fomentar o apostolado dos leigos não «ad intra», mas «ad extra»: que eles não sejam somente cristãos de paróquia, mas que possam espalhar o bom odor de Cristo em meio à sociedade, pois o Vaticano II nos ensina que «devem os leigos sanear as estruturas e condições do mundo, se elas porventura propendem a levar ao pecado, de tal modo que todas se conformem às normas da justiça e antes ajudem ao exercício das virtudes do que o estorvem» (LG 36). Desta maneira, «o campo, isto é, o mundo ficará mais preparado para a semente da palavra divina e abrir-se-ão à Igreja mais amplamente as portas para introduzir no mundo a mensagem da paz» (id. ibid.). A importância deste trabalho é demasiado grande para ser obscurecida por concepções equivocadas do que significa ser católico no mundo atual. Que os bispos, constituídos por Deus para cuidar do povo fiel a eles confiado, sejam sempre solícitos em ajudar os leigos a encontrarem o seu lugar na Igreja, que absolutamente não se confunde com aquele dos ministros ordenados.

Queiram estas considerações provocar nos senhores bispos uma reflexão sobre os desafios que a Igreja Católica enfrenta no Brasil no século XXI. Fazemos votos de que elas possam contribuir para aquela sadia renovação da Igreja recentemente pedida pelo Papa Francisco, e da qual a nossa pátria tem particular necessidade nos dias de hoje. E suplicamos à Bem-Aventurada Virgem Maria Aparecida, Mãe de Deus e da Igreja, que possa iluminar sempre o episcopado brasileiro, para a glória do Seu Filho e para o bem das almas das quais Ela é Rainha e Senhora.

– Jorge Ferraz, leigo católico

Indicações ligeiras: protestos, ATEA e JMJ

– A popularidade de Dilma e o Nordeste. «O Nordeste foi o grande laboratório do populismo do PT. Por meio de programas, como, por exemplo, Bolsa Família, que transfere muito pouco dinheiro para famílias pobres da região. Não houve na região nenhum programa de maciço incentivo à industrialização, a formação de mão de obra qualificada e fatores semelhantes. Com isso, o Nordeste se transformou na grande fonte de votos do PT e dos seus candidatos. Não é de se admirar que na pesquisa apresentada pelo Instituto Datafolha, Dilma tenha 45% das preferências dos votos nessa região».

– Quem paga? «Novo e oportuno exemplo dessa inversão vem agora do sr. Tarso Genro, que atribui a “grupos pagos de extrema direita” as depredações ocorridas em várias cidades do Brasil. Esse grotesco arremedo de intelectual e escritor sabe perfeitamente bem que os atos de violência ocorreram sobretudo nos primeiros dias, quando havia praticamente só radicais de esquerda nas ruas – estes sim, pagos pelo sr. George Soros e pelo Foro de São Paulo –, muito antes de que qualquer cristão, conservador ou patriota fosse “melar”, como disseram os esquerdistas, o tão bem planejadinho tumulto destinado a forçar um “upgrade” do processo revolucionário comunista».

– Vereadores do PT e PSOL pagam fiança em delegacia de Fortaleza para libertar agitadores presos em protesto. «Segundo informa o jornalista Roberto Moreira em seu blog, o vereador petista Ronivaldo Maia disse que o pagamento da fiança que libertou os agitadores, foi em solidariedade aos manifestantes. O parlamentar afirmou que foi acertado que haveria uma cota entre alguns vereadores para reembolsar o que fora pago por ele».

– A ATEA e a apologia ao assassinato de religiosos cristãos. E, por enquanto, ninguém denunciando isso para a Polícia Federal. Será um cristianismo masoquista? «Eles citam a imagem de um personagem que “irá caçar os que produzem a miséria e o atraso, ninguém escapará”. Os dizeres ainda incluem: “Uma nova era começou, e ela veio para ficar.” Tecnicamente, tudo normal, não fosse o fato da ATEA selecionar uma página em específico (e somente essa) onde o tal personagem mata um pastor que também é deputado federal, fazendo clara alusão a Marco Feliciano. No contexto de uma página de disseminação de ódio contra religiosos, fica evidente a mensagem da ATEA: “cristão bom, é cristão morto”».

Sobre as atrações na Jornada Mundial da Juventude. «Como já disse antes não contra que os artistas seculares participem do evento religioso, até acho muito bom para mostrar a todos que é possível viver a fé católica sem estar em um ambiente religioso. Sim, é possível ser ator e ser católico (Jim Caviezel é um exemplo disso), ser cantor e ser católico (Harry Connick Jr. e Elba Ramalho hoje mostram isso), ser advogado e ser católico (eu me incluo nessa), e tantos outros casos. A questão não está na sua atividade profissional ou ambiente, mas em seu testemunho de vida».

O pelagianismo e “essa coisa de contar”: entre a TL e o Papa Francisco

Uma seqüência de três posts do Rorate Caeli (aqui, aqui e aqui), aos quais desgraçadamente o Fratres in Unum fez eco do lado de cá do Equador (aqui), colocou recentemente o mundo católico em polvorosa. O motivo é que o Papa Francisco encontrou-se com um grupo de representantes da CLAR (Confederação Latino-americana e Caribenha de Religiosas e Religiosos) e, neste encontro, teria feito algumas declarações inusuais. O encontro é fato, mas as declarações são fofoca pura no sentido mais depreciativo da expressão. No entanto, como elas ganharam enorme repercussão (saindo até nas páginas da mídia secular, como o El Mundo), pode ser proveitoso analisá-las um pouco.

De todas as coisas que podem ser concluídas a partir da leitura do texto, a mais evidente é a sua inverossimilhança tanto maior quanto mais filo-modernistas são as palavras que a CLAR põe nos lábios do Papa Francisco. O apogeu deste delírio se encontra aqui (na tradução do Fratres):

Partilho com vocês duas preocupações. Uma é a corrente pelagiana que existe na Igreja neste momento. Há alguns grupos restauracionistas. Conheço alguns; coube a mim recebê-los em Buenos Aires. E nos sentimos como se tivéssemos voltado 60 anos atrás! Antes do Concílio… Sentimo-nos em 1940… Um relato, só para ilustrar esse grupo, não é para que riam disso, eu tive respeito, mas preocupa-me; quando eu fui eleito, recebi uma carta de um desses grupos, e eles disseram: “Sua Santidade, nós lhe oferecemos este tesouro espiritual: 3.525 rosários.” Por que eles não dizem: “nós rezamos pelo senhor, pedimos…”? Mas essa coisa de contar… E esses grupos voltam a práticas e disciplinas que eu experimentei – não vocês, porque vocês não são velhos – a disciplinas, a coisas que naquele momento aconteceram, mas não agora, elas não existem hoje em dia…

Que o Papa não tenha nenhuma predileção especial pelas disciplinas católicas pré-conciliares é uma coisa que me parece bastante evidente. No entanto, que ele fosse capaz de zombar das orações que fiéis lhe entregaram, é um absurdo sem nenhum cabimento. Não é plausível – absolutamente! – que o Papa tenha pronunciado essas palavras, por pelo menos quatro razões.

Primeiro, porque o hábito de contabilizar rosários (e missas, e comunhões, etc.) não é uma prática da década de 40. Chama-se “ramalhete espiritual” e nunca deixou de ser praticada, ao menos esporadicamente, pela totalidade do mundo católico sério. Por ocasião do conclave que elegeu o Papa Francisco foi criado um site especificamente para este fim, cujos resultados foram depois entregues aos cardeais em Roma: naquele momento, eram «37450 Missas, 121434 Pai Nossos, 661646 Ave Marias, 41038 Angelus, 41988 Terços, 13853 Vias Sacras, 20130 Adorações (horas), 17843 Jejuns (dias) e 29401 Sacrifícios». Ainda: que me conste, o Apostolado da Oração (que não tem nada de “grupo restauracionista”!) sempre teve a prática de produzir ramalhetes espirituais, e não é crível que o Arcebispo de Buenos Aires pudesse desconhecer este fato. O mais provável, certamente, é que a parte podre da vida religiosa, a cúpula da CLAR que se encontrou com o Papa, por não rezar e por estar acostumada a tratar com desdém aquelas velhinhas de fitas vermelhas, desconheça o fato de que o costume não é apanágio do mundo tradicionalista.

Segundo, porque o Papa já falou de “pelagianismo” antes, e o alvo da crítica pontifícia era exatamente o oposto do excesso de orações: era a falta delas! De fato, assim se expressou o Papa Francisco: «os cursos de auto-ajuda na vida podem ser úteis, mas viver a nossa vida sacerdotal passando de um curso ao outro, de método em método leva a tornar-se pelagianos, faz-nos minimizar o poder da graça». Estas palavras estão no site do Vaticano e, portanto, nós temos certeza de que o Papa as disse; já as da CLAR…

Terceiro, porque imaginar que o Papa – e justo o Papa Francisco! – pudesse exercer a maledicência diante uma comitiva oficial é mais do que inverossímil: é ultrajante à pessoa do Santo Padre, injurioso, inadmissível e não pode ser tomado a sério por ninguém. Como disse um amigo, tem toda a cara de ser intriga TL, que lamentavelmente o mundo tradicionalista recebe de braços abertos e divulga alegremente como se fosse a coisa mais fidedigna do mundo. Mais uma vez, estas supostas palavras do Papa Francisco estão em franca oposição às suas palavras reconhecidamente autênticas: há não muito tempo, ele disse com todas as letras que «as fofocas destroem a Igreja»! Acusá-lo de fazer em privado aquilo que ele condena em público é tremendamente ofensivo, e semelhante insinuação não deveria ser aceita por ninguém sem que fossem apresentadas provas bastante sólidas a seu favor. E o relato oficioso de uma comitiva da CLAR não atende aos critérios mínimos de confiabilidade exigidos para pôr em dúvida o caráter do Papa Francisco.

Quarto, porque quando a coisa começou a feder a presidência da CLAR veio a público dizer que não era bem assim: lamentou a divulgação do texto e acrescentou, como se fosse uma banalidade, que «não se pode atribuir ao Santo Padre, com segurança, as expressões singulares contidas no texto, mas apenas o seu sentido geral».

“Apenas o seu sentido geral”, certo. Esta declaração camaleônica pode significar qualquer coisa. Ela, no entanto, nos dá autorização para rejeitar, e com veemência, que o Papa possa ter menosprezado a piedade tradicional de tantos católicos que rezam por ele. Dá-nos autorização para descartar esta intriga que um grupelho da Teologia da Libertação parece empenhado (com a inacreditável ajuda da mídia tradicionalista!) em provocar. Entre a TL e o Papa Francisco, parece-me óbvio que todo homem de bem tem o dever moral de se colocar ao lado deste último.

E no sentido geral, será que é possível interpretar corretamente estas declarações? Será que se pode criticar esta prática tradicional de alguma maneira? Sim, por certo, e fazer esta meditação é sem dúvidas proveitoso para quem tem o costume de confeccionar ramalhetes espirituais. Para tanto, remeto à leitura deste post, do qual traduzo (rápida e livremente) apenas o finalzinho:

A oração não muda Deus, ela muda a nós. Todas as nossas orações vocais, por mais que remontem às grandes tradições da Igreja, precisam desta espécie de substrato [hinterland] se nós não quisermos moldá-las, involuntariamente, às nossas próprias paixões.

E é a isto que eu penso que o Papa se referiu quando falou de Pelagianismo no contexto de contar rosários. (…) Se a oração é um sistema preconcebido e humanamente controlável – com as numerosas parafernálias das ações racionais -, então em que medida ela pode ser uma relação com Deus, uma união de corações e mentes? Não há máquinas de rezar, como não há máquinas de amar. Estas coisas não funcionam desta maneira.

Esta reflexão, sim, este sentido geral, é razoável imaginar que o Papa Francisco possa ter feito. O tom de deboche que a CLAR empregou (certamente para indispôr bons católicos para com o Vigário de Cristo, criando atritos desnecessários dentro da Igreja de Deus), este não. Decerto não vem do Papa, e sim do ranço estrebuchante de uma teologia moribunda que, contra tudo o que esperava, está vendo no Papa Francisco o coveiro destinado pela Providência a lançar a última pá de cal sobre o seu caixão.

Last but not least, não deixem de ver a foto (ao que parece, oficial) do encontro. Notem duas coisas. Primeiro, a total falta de respeito dos membros desta comitiva, apresentando-se à paisana diante do Vigário de Cristo: sem uma legenda na foto ninguém diria que se trata de superiores religiosos. Segundo, a cara do Papa Francisco, o novo Papa-Sorriso, que ainda outro dia afirmou que «o cristão jamais é triste». Vejam o terrível efeito que a CLAR conseguiu provocar no Bispo de Roma.

papaclaruno

Rezemos pelo Papa, porque ele precisa desesperadamente de nossas orações. Rezemos com amor e confiança, com submissão filial ao Vigário de Cristo, sem nos deixarmos perturbar com o que dizem inimigos declarados da Igreja Católica. Rezemos à Santíssima Virgem, a quem o Papa tem tão especial devoção, para que Ela o ilumine sempre no governo da Igreja e não o entregue jamais nas mãos dos seus inimigos. Mesmo dos que o visitam em comitivas oficiais. Mesmo dos que dão crédito a fofocas.