“O povo e a massa” – D. Fernando Rifan

O povo e a massa

Dom Fernando Arêas Rifan*

Estamos na Semana maior do ano, a Semana Santa, na qual recordamos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, Nosso Senhor. Sua aparente derrota no Calvário é suplantada pela vitória da sua gloriosa Ressurreição, que celebraremos na Páscoa. Em Jesus Cristo, Deus feito homem, morto e ressuscitado para a nossa salvação, o coração humano encontra a solução para todos os seus problemas, a resposta a todas as suas dúvidas e a plena realização de todas as suas esperanças. Com ele aprendemos a alegria do amor gratuito, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte. Ali encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de salvação (cf. Bento XVI, Porta Fidei).

A Semana Santa é cheia de lições para nós: o amor infinito e gratuito de Jesus por nós, pecadores, sua paciência sem limites, seu desejo de reconciliar com Deus a humanidade pecadora, pela qual ofereceu seu sacrifício, a crueldade dos carrascos, a inveja dos fariseus e doutores da lei, a fraqueza e covardia de Pilatos, a louca avareza de Judas, a atitude medrosa dos discípulos em fuga, a fortaleza de Nossa Senhora, a coragem das santas mulheres, a oração comovente do Bom Ladrão e o triunfo da sua Ressurreição. Quanta matéria para reflexão!

Mas, ocorre-nos uma questão intrigante: a mudança repentina do “povo” que pediu a morte de Jesus, depois de tê-lo aclamado rei no Domingo de Ramos. Como pode ocorrer uma mudança assim em cinco dias? Gritaram “hosana ao Filho de Davi” no Domingo e “crucifica-o” na sexta-feira seguinte?! Será que foi o mesmo “povo” ou foi outro? Ou houve alguma mudança que transformou sua mentalidade e comportamento?

Na verdade, não foi o verdadeiro povo que preferiu Barrabás a Jesus e pediu a sua morte. Foi a massa, manobrada pela aristocracia do templo, à qual se juntaram, para pressionar, os partidários de Barrabás, enquanto os seguidores de Jesus, o povo simples e bom, permaneceram escondidos de medo. Portanto, a vox populi realmente não foi válida, porque não correspondeu à realidade de “voz do povo” (cf. Bento XVI, Jesus de Nazaré II). Ou pode ser até que as mesmas pessoas, que antes eram povo, então se tornaram massa!

Como assim? Qual a diferença? O povo raciocina, a massa não. O povo caminha, a massa é conduzida. O povo segue racionalmente, a massa é manipulada cegamente. O povo percebe os embustes, a massa é alvo fácil de quaisquer demagogos e propagandistas. “O povo vive, a massa é inerte e não se move se não do exterior, fácil joguete nas mãos de quem quer que lhe explore os instintos e as impressões, pronta a seguir, alternadamente, hoje esta bandeira e amanhã aquela” (Pio XII). Assim, o povo aclamou espontaneamente Jesus no domingo de Ramos. A massa, manipulada, pediu sua morte.

Sejamos nós o povo de Deus, racional e consciente, discípulos convictos de Jesus Cristo, firmes na fé e na doutrina cristã, e não a massa manobrável por pressões, sentimentos e propaganda, fácil presa das emoções, do medo, das seitas, dos formadores de opinião, da acomodação e do argumento da maioria.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

Dai-nos a bênção, ó Virgem Mãe…

No dia da Imaculada, fui ao Morro da Conceição, aqui em Recife, onde existe uma festa muito antiga e muito conhecida. Lembro-me de que meus pais iam ao morro quando eu era pequeno e me levavam; deixei de ir quando entrei na adolescência (por não ter “mais paciência” para essas coisas) e, após reencontrar a Fé da minha infância, não tinha ainda voltado ao morro na festa da Imaculada. Fui lá este ano, pela primeira vez depois de uns dez anos… é bonito ver “a fé do povo”, uma fé simples, mas viva, manifestada nas procissões, nas pessoas que assistem à Santa Missa, nas imagens da Virgem compradas, nas promessas pagas (pessoas vestidas de azul e branco), nas músicas cantadas: “Dai-nos a bênção, ó Virgem Mãe! / Nossa Senhora da Conceição…”.

Primeiro, fui com meus pais aos pés da Virgem Santíssima. Renovar-Lhe o meu afeto e a minha consagração, colocar-me – mais uma vez – a Seu serviço e a Seu inteiro dispôr, como escravo inútil (que, mais que isso, não posso ousar ser). Depois, desci até o Sítio da Trindade, aos pés do Morro, de onde ia sair a procissão – lá os meus pais me deixaram, pois não tiveram coragem de acompanhar o povo. Fui eu, representando a família.

Encontrei um jovem sacerdote de batina e barrete – tinha que ser o pároco, de quem eu já tinha ouvido falar: o padre Josivan. “Padre, sua bênção. O senhor é o pároco?”. Sim, era ele. Um amigo sacerdote de outro estado – que estudou com o pe. Josivan no seminário – sempre me perguntava dele, e eu sempre respondia que, embora soubesse onde fica o morro, não conhecia o pároco. Ontem, mandei-lhe lembranças… mas a procissão já se preparava para sair. Acompanhada no trajeto pela polícia militar, pelo padre, por alguns grupos de movimentos da Igreja (terço dos homens, Legio Mariae, etc), seguia a Virgem SSma. em direção ao morro, e eu A ia seguindo, terço em punho, recitando-Lhe o Santíssimo Rosário.

Mais ou menos uma hora depois, chegamos ao alto do morro, onde a imagem da Virgem foi colocada no palco (preparado para a missa campal) e iniciou-se a Santa Missa, celebrada por Sua Excelência Reverendíssima Dom José Cardoso Sobrinho. Na homilia, a explicação dos textos bíblicos recém-proferidos: como Deus prenunciou a vitória da Virgem Maria lá no Gênesis, e como o Anjo chamou a Virgem Santíssima de “cheia de Graça” – dando assim testemunho da Sua Imaculada Conceição. Uma bela homilia (as aspas não são literais, porque cito de memória; mas, as idéias, são essas sim): “o Papa [Paulo VI] disse que o culto à Virgem Maria é essencial ao cristianismo. Portanto, quem rejeita a Virgem Maria está rejeitando o Cristianismo, porque rejeita uma parte que lhe é essencial”; “não precisamos ter escrúpulos ao rezar à Virgem Maria, pensando que talvez estejamos dando mais atenção a Ela do que a Jesus: não, meus irmãos, isso não existe”; “o católico que se esforça para viver a sua Fé é, automaticamente, um bom cidadão; o bem da sociedade, portanto, alcança-se quando se vive fielmente a Doutrina da Igreja”; “foi por Maria que Jesus veio até nós, e é por Maria que nós devemos ir a Deus”.

Enfim! Após a Santa Missa, voltei para casa, cansado, mas feliz. Como toda festa pública, existe o “lado profano” da festa do Morro – os bares abertos com músicas de baixíssimo nível, as pessoas que lá iam para “se divertir” e não para rezar, etc. -, mas alegrei-me ao descobrir que ainda é possível rezar à Nossa Senhora da Conceição, acompanhando o povo, participando das celebrações, ajoelhando-se aos pés da imagem da Imaculada. Que Ela nos abençoe a todos; que, por Seus méritos, digne-Se Ela conduzir-nos por este mundo com os olhos fitos na Eternidade, para que, caminhando entre as coisas que passam, não abracemos senão aquelas que não passam.

Nossa Senhora da Imaculada Conceição,
Rogai por nós!

P.S.: ontem foi publicada no Veritatis Splendor a História do Dogma da Imaculada, por frei Pascual Rambla; para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a Imaculada Conceição da Virgem Maria.

P.S. 2: um grupo de romeiros que se dirigia – a pé – ao morro da Conceição para as festividades de ontem foi vítima de um acidente na madrugada da segunda-feira; sete deles morreram. Que Nossa Senhora da Imaculada Conceição possa receber no Céu aqueles que partiram da terra enquanto se dirigiam para a festa d’Ela. Requiescant in pace.