A nós não cabe senão continuar lutando

“Forçar conversões” é uma expressão que não tem o menor sentido. O ato de Fé é por definição um ato livre (este é aliás o fundamento positivo da liberdade religiosa) mediante o qual o intelecto, obedecendo à vontade movida pela graça, adere àquelas verdades reveladas por Deus e assim propostas pela Igreja. Não é portanto possível forçar ninguém a se converter; o que se consegue é, no máximo, um simulacro exterior sem nenhum compromisso de assentimento interno – e que, portanto, não é uma conversão verdadeira.

Ninguém pode ser, portanto, coagido a abraçar a Fé Católica: esta é uma verdade que, a despeito dos equívocos históricos por vezes cometidos por reis e imperadores, sempre integrou o patrimônio intelectual da Igreja. No entanto, os contornos do que se pode chamar aqui de «coação» são às vezes tênues. Sabe-se que ela não necessariamente precisa ser física, podendo se apresentar sob a forma de coação moral ou psicológica: isto é, é possível – note-se que digo apenas possível – que o consentimento interior de alguém que sofre intensa pressão social (digamos, de familiares) esteja tão viciado quanto o de um judeu que se fazia cristão-novo unicamente por medo do degredo.

O termo proselitismo tem, atualmente, a conotação negativa de uma pregação insistente cujo intento é coagir o destinatário a abraçar determinada mensagem. Basta notar o quanto a expressão em geral está ligada a determinada espécie de pregação protestante (geralmente neopentecostal ou da assim chamada teologia da prosperidade). A despeito de o uso do termo estar totalmente desvirtuado de sua acepção etimológica original (“prosélito” é meramente um neo-converso, sem nenhuma conotação de sectarismo ou coisa parecida), não se pode ignorar o fato de que, no seu emprego coloquial, o termo carrega uma não negligenciável carga negativa.

Não foi outra a razão pela qual Bento XVI, quando esteve no Brasil, disse que «[a] Igreja não faz proselitismo. Ela cresce muito mais por “atração”: como Cristo “atrai todos a si” com a força do seu amor» (Missa de abertura do CELAM13 de Maio de 2007). A rigor, a Igreja faz prosélitos sim; contudo – e este o sentido da declaração pontifícia -, Ela os faz livremente, e não por coação de nenhuma natureza.

O mesmo Bento XVI, dois dias antes, usava o termo exatamente neste sentido que se está aqui expondo: referiu-se às «pessoas mais vulneráveis ao proselitismo agressivo das seitas» e chamou a atenção para «certas formas de proselitismo, frequentemente agressivo» (Encontro com os bispos do Brasil11 de maio de 2007). Não há portanto margem para dúvidas: no discurso católico contemporâneo, o termo designa certa pressão psicológica empregada com vistas a dobrar a vontade de um terceiro e coagi-lo a “abraçar” determinado credo religioso – e não o mero fato de ajudar alguém a se tornar católico.

A conversão é ainda e sempre necessária. Por incontornável exigência filosófica, portanto, são também necessários os meios para a facilitar: chame-se-lhes proselitismo, apostolado, apologética. Todos esses, contudo, no seu sentido original e próprio, distantes do teor pejorativo que hoje detêm. Stat rosa pristina nomine. A nós não cabe senão continuar lutando. Independente do nome que dêem à batalha.

A laicidade do Estado versus o fanatismo dos ateus

A quinta-feira seguinte chegou e, com ela, a resposta da Gazeta do Povo à mobilização de milhares de internautas que, desde a última semana, haviam se polarizado entre o ataque estúpido e a defesa solidária ao professor Carlos Ramalhete por conta da sua última coluna publicada naquele jornal. Com relação ao desfecho deste affair (aguardado com expectativa pelos dois lados da polêmica!), os nossos mais sinceros agradecimentos à Gazeta do Povo porque, nela, o bom senso venceu o obscurantismo intolerante dos fanáticos que babando exigiam o fim da coluna do Ramalhete. O articulista segue escrevendo nas quintas-feiras. Parabéns ao jornal de Curitiba por não ceder à pressão dos neofascistas! Não nos esqueçamos de nos manifestar junto ao jornal apoiando esta sua louvável atitude.

Em uma excelente resposta à talvez mais tosca das acusações que ele sofreu ao longo desta semana – a de que as suas opiniões a respeito da adoção de crianças por duplas de homossexuais eram um atentado à laicidade do Estado -, o Ramalhete publicou hoje um texto chamado “Uma religião para todos?”, onde aborda o problema com a clareza de raciocínio que lhe é peculiar. Leiam-na. Cito apenas um trecho, do comecinho, para dar água na boca.

Religião, afinal, é isso: é a ligação, ou busca de ligação, do homem com a ordem de todas as coisas. Nossa sociedade, vendo-se como autora da ordem do mundo, criou esta forma religiosa: uma religião ateia, em que o homem é seu próprio deus.

Isso que o Carlos aborda vem ao encontro de várias coisas que eu já escrevi aqui no Deus lo Vult! sobre o assunto (p.ex., aqui e aqui, entre tantas outras). Ora, se o ateísmo é ou se propõe a ser uma resposta ao problema de Deus, então é lógico que ele é um fenômeno localizado no mesmo patamar das diversas expressões religiosas existentes mundo agora. Quando a pergunta “quem é Deus?” se coloca diante do homem, dizer “não há Deus” é uma resposta no máximo tão válida quanto qualquer outra que afirme “Deus é este” ou “Deus é aquele”. E o que vale para estas últimas deve também, por força de coerência, valer para aquela. A alegada laicidade do Estado, portanto, antes de oferecer suporte às pretensões totalitárias dos anti-católicos, na verdade serve para lhes dar um “cala-a-boca” e os reconduzir ao seu lugar. Evocar o Estado Laico na promoção de uma cultura atéia é simplesmente uma contradição boba, é uma usurpação indevida e perigosa do conceito de laicidade, é uma ameaça concreta à liberdade religiosa. No Brasil de hoje, os maiores inimigos do Estado Laico não são os cristãos e nem nenhuma outra religião tradicional: são os sacerdotes do ateísmo, porque estes contam com o apoio intelectual dos formadores de opiniões e com a amizade dos que detêm o poder.

Ainda esta semana, nas discussões sobre o artigo do Carlos Ramalhete, eu comentei no Facebook com uma garota que os ateus têm todas as características que gostam de execrar nos religiosos. Eles acreditam em coisas que não podem ser demonstradas (= que Deus não existe, que o ateísmo é a melhor resposta ao problema de Deus, etc.), agem com proselitismo na expansão de suas crenças (o que se expressa nos seus constantes ataques à religião), julgam-se detentores da verdade absoluta (no máximo tratando com uma pseudo-caridosa condescendência os religiosos tradicionais, que julgam possuir uma inteligência inferior), estão convencidos de que as suas concepções religiosas são as mais corretas e as melhores para o mundo e quando não conseguem vencer os seus oponentes nos argumentos apelam para o braço secular exigindo que o Estado venha em seu socorro e cale o dissidente. Ora, qual é sinceramente a diferença entre isto e a mais grotesca caricatura que os próprios ateus pintam de um fanático religioso queimando bruxas nas profundezas da Idade das Trevas? É espantoso que esta nova modalidade religiosa seja assim tão exaltada nos dias de hoje! Espantoso e aliás perigoso. Poucos fanatismos religiosos são mais daninhos à sociedade do que este fanatismo ateu típico dos nossos tempos.