Acho que foi no Facebook que eu vi recentemente alguém glosando um dito de Chesterton. Dizia o grande polemista inglês que haveria de chegar o tempo em que teríamos que provar aos nossos interlocutores que a grama era verde. E o comentarista facebookiano sentenciava que este fatídico dia enfim chegara.
As últimas manchetes sobre a família que li me provocaram uma sensação curiosa. Por um lado, as coisas lá ditas são de uma obviedade atroz; por outro, provoca-nos uma certa sensação de inesperado encontrá-las, ali, expostas assim em toda a sua clareza. Como se vivêssemos em tempos onde certas coisas óbvias se esforçam por serem mantidas escondidas, e de repente um raio de sol indomável encontra uma fresta para adentrar na sala que alguém se esmera por manter escura à força de grossas e pesadas cortinas.
Primeiro, alguém diz que a prostituição se encontra em processo de extinção. A notícia – que soa à primeira vista alvissareira – parece chocar-se com a nossa percepção imediata dos costumes degenerados do mundo ao nosso redor; mas a leitura do texto deixa claro que não se trata propriamente de uma extinção, e sim de uma metamorfose. A idéia do texto é a de que o sexo tornou-se tão fácil e tão banal que em breve não haverá mais razão para se lhe atribuir um preço de mercado e se lhe sujeitar a anacrônicas regras de comércio. É como se fosse uma versão em micro-escala da idéia comunista de fim do comércio por meio da distribuição universal dos bens de consumo, tendo no caso o sexo por commodity.
Lembro-me do “Admirável Mundo Novo” e da idéia lá retratada – incutida à força de condicionamentos hipnóticos desde a mais tenra infância nos habitantes daquela Londres futurista – de que o sexo é livre e ninguém tem o direito de se negar a ninguém. A imagem da sociedade descrita no livro é talvez a mais ilustrativa do fim do comércio sexual nos moldes em que trata o artigo acima; pode-se até constatar que a diferença entre ela e a em que vivemos hoje é mais de grau do que de essência. No entanto, ninguém hesita em classificar o romance de Huxley como uma distopia. E realçar o modo tão similar com que uma prática é socialmente aceita no nosso mundo evoluído e no pesadelo futurista é, de alguma maneira, trazer à luz um interessante paralelo entre a sociedade que estamos construindo e aquela onde nenhum de nós deseja chegar.
Depois eu encontro esta sentença entre aspas: “Divórcio eleva pobreza e afeta estabilidade”. Ninguém quer elevar a pobreza, é óbvio. Todo mundo quer que as pessoas sejam estáveis, é evidente. No entanto, parece que não há uma única pessoa – nem mesmo a responsável pela afirmativa categórica em apreço – que some dois e dois e chegue à conclusão de que o divórcio deve ser portanto combatido, quando menos por conta desses seus efeitos sociais deletérios que ninguém ousa chamar nem mesmo de indiferentes.
Contudo, existe o dogma de que o divórcio é uma conquista da humanidade, é um direito que deve ser defendido a ferro e a fogo; mesmo que às custas do aumento da pobreza e da menor estabilidade das famílias. Essa última parte não se diz às claras, para que não restem patentes os absurdos a que pode conduzir o peculiaríssimo raciocínio dos nossos formadores de opiniões – daqueles que vêm a público afirmando saber os rumos que devemos tomar para alcançarmos um mundo mais moderno, uma sociedade mais evoluída ou qualquer outro chavão destituído de significado do tipo. Mas dessa vez a manchete jornalística estampou em letras garrafais o que todo mundo se esforça por esconder. Dessa vez deu para ver claramente através da janela o rufião pateticamente escondido atrás da cortina.
Chego por fim a esta manchete luminosa: «Papa vê imagem de Deus em casamento entre homem e mulher». Na mídia secular, nos grandes portais de notícias brasileiros. Assim falou Pedro: «a imagem de Deus é o casal conjugal». E ainda: «Não apenas o homem, não apenas a mulher, mas ambos».
Inacreditavelmente, a matéria saiu sem a histeria costumeira. Sem nenhum comentário ideológico a mais do que notar discretamente que o Papa falou tudo isso «[s]em mencionar as novas formas de casamento entre dois homens ou duas mulheres». E fazer esse comentário prestou até um grande serviço à causa do óbvio, pois fez resplandecer – por contraste – a particularidade da instituição familiar sobre as tais «novas formas de casamento» tão ao gosto dos ideólogos hodiernos. Em um mundo onde se interpreta ausência como discriminação e onde qualquer discurso precisa se encher de irritantes e redundantes masculinos e femininos sob pena de ser conivente com o machismo patriarcal e opressor da sociedade judaico-cristã, a catequese do Papa Francisco – convenientemente iluminada pela lembrança jornalística de que as duplas gays não mereceram ser elevadas pelo Vigário de Cristo ao mesmo patamar sociológico onde se vê a imagem de Deus – rescende assim a uma agradável “heteronormatividade”, para pegar o termo emprestado aos bárbaros. Ficou bonito, mais uma vez.
A lufada de ar fresco nos pegou de surpresa e nos revigorou. O mundo se tornou de repente mais belo e mais esperançoso. Percebemos, de súbito, que a grama é verde e o sol brilha lá fora. E isso faz toda a diferença sim.