Eu não sou lá o que se possa chamar de grande entusiasta da democracia – a despeito de ser forma de governo legítima, conforme ensina a Igreja Católica. Com relação à maneira específica como a “democracia” (aqui, as aspas são propositais, e servem precisamente para distinguir esta daquela legitimada pela Igreja à qual fiz referência acima) é exercida no Brasil, deixo de ser simplesmente um “não-entusiasta” para lançar-lhe mesmo duras críticas. Julgo até ser perfeitamente legítimo, aliás, discutir se aquilo que, no Brasil, costuma chamar-se “democracia”, tem as mesmas características daquele sistema que um dia o Aquinate considerou legítimo.
Mas isso é uma outra discussão, para a qual não tenho nem fôlego e nem envergadura. Limito-me a falar sobre os fatos concretos do nosso quotidiano. Ontem, eu assisti ao debate da Canção Nova com os presidenciáveis, e tive impressões muito negativas.
Não com relação ao debate – ao contrário, ele foi, na média, excelente. Tirando algumas aberrações (como a “Pastoral do Menor” colocando-se contra a redução da maioridade penal), muitas perguntas importantes foram feitas exatamente da maneira como deveriam ser feitas: “o senhor, como presidente, assinaria o PLC 122/06?”, “o senhor, no seu governo, vai colocar em prática as diretrizes do PNDH-3?”, “o senhor acredita que o valor da vida humana pode ser decidido em plebiscito?”, e diversas outras. A organização do debate está sem dúvidas de parabéns. O motivo das minhas impressões negativas reside justamente no fato de que, mesmo com toda a excelência da organização do debate, os candidatos estão – todos – muito aquém do mínimo que se pode esperar para que a licitude do apoio católico por meio do voto, a qualquer um deles, possa ser até mesmo levada em consideração e colocada em litígio. Do jeito que está, ninguém pode ser votado.
Sobre o aborto, o abortista Serra foi o único a dizer, claramente, que o respeito à vida humana não pode ser objeto de sufrágio popular. Curiosamente, foi ele próprio – ele, que disse não ser capaz de fazer um plebiscito para decidir sobre a legalização do aborto no Brasil – quem, quando Ministro da Saúde, autorizou – sem consultar ninguém! – a rede pública hospitalar a assassinar crianças caso elas tenham sido concebidas por meio de estupro… incoerências que, enfim, quedaram sem respostas, e fica então o eleitor católico na sincera dúvida entre o discurso do abortista quando em campanha ou os seus atos passados quando, efetivamente, teve poder para fazer alguma coisa.
Sobre a Lei da Mordaça Gay, tanto o Serra quanto o Plínio disseram não ter lido o projeto mas que, mesmo assim, eram-lhe, em linhas gerais, favoráveis. Sobre o PNDH-3, o Plínio teve aliás a capacidade de dizer que não via nada de errado no plano. O candidato do PSOL merece menção especial, porque ele tem feito questão de se apresentar como católico e, mesmo assim, colocar-se sistematicamente contrário a tudo aquilo do qual a Igreja é a favor, e favorável a tudo aquilo que a Igreja é contra. Chega a ser impressionante. O papel dele, como já foi notado por alguns mais astutos, é claramente o de deslocar o eixo de comparação entre os candidatos, por meio de um radicalismo tão caricato que, junto dele, a Dilma e o Serra apareçam quase que como ultramontanos.
A sra. Rousseff fez chacota dos católicos e não foi ao debate. E, por algum motivo que sinceramente escapa-me à compreensão, o católico Eymael – provavelmente a única opção aceitável para os católicos no primeiro turno – não foi convidado para o debate ou, dele, não quis participar. Quando não estão presentes nem o único candidato que poderia dar respostas tranqüilizadoras às questões apresentadas, nem a candidata favorita nas pesquisas que iria se comprometer terrivelmente a cada resposta que formulasse… qual foi o saldo, afinal de contas, do debate? Parece-me que é tudo mais do mesmo.
E isso reforça a minha desilusão para com a “democracia” brasileira: o voto é universal e tem o mesmo peso para todos, pouco importando a parcela de participação na sociedade que cada um tenha. Os debates, por melhores que sejam, terminam por gerar pouco ou nenhum fruto: e os resultados do pleito são, na verdade, decididos pela máquina publicitária da televisão que, na hipnotizadora propaganda eleitoral gratuita, pende obscenamente para o lado do partido que se encontra atualmente no governo. Resta esperar alguma coisa? É possível fugir da incômoda sensação de que tudo isso não passa de um gigantesco jogo de cartas marcadas?
Que Deus tenha misericórdia de nós, e salve o Brasil! Porque é óbvio que as eleições de outubro próximo não serão capazes de “salvar” absolutamente nada.