Tive na última quinta-feira uma agradável visita à minha pneumologista. Fazia quase um mês que eu não batia nenhum raio-x do pulmão e, portanto, que eu não acompanhava clinicamente a evolução do meu querido derrame pleural. Já estava em tempo de fazer um check-up.
É incrível a capacidade humana de adaptação: a gente se acostuma. Tenho um cateter subcutâneo no tórax, do lado direito, que me impede, por exemplo, de deitar de bruços. Desde há muito apenas durmo de papo para cima ou no máximo de lado, e sinceramente não me faz mais falta. Poder dormir já é motivo suficiente para se dar graças a Deus. O resto é luxo.
Tinha que fazer uma análise mais clínica dos meus pulmões, eu dizia. Do ponto de vista dos sintomas, eu não tinha do que me queixar já há algumas semanas. Não respiro como atleta e ainda não posso voltar a fazer atividades físicas, mas é claro que eu percebia conseguir encher os pulmões e respirar fundo, e – principalmente – percebia que não estava mais sufocando. Não precisei mais voltar às pressas e dispnéico à emergência do hospital. Se me era difícil dizer se estava de fato melhorando, eu tinha pelo menos a certeza de que, piorando, não estava.
Abandonara já há alguns dias o travesseiro elevado, já contei aqui. Dormia na horizontal. Com o passar dos dias, a posição não se me foi tornando incômoda, como soía acontecer no início do tratamento… em suma, fui a uma consulta na semana passada, no décimo-quinto dia do ciclo de QT, e não tinha queixas a fazer à doutora. Ela pediu a radiografia. E ficou muito feliz quando viu o resultado.
O líquido pleural acumulado reduzira significativamente. Ela pôs lado-a-lado a imagem atual com uma que eu tirara numa das vezes em que cheguei pior no hospital, e o contraste entre ambas era impressionante. Viam-se enfim pulmões, pulmões límpidos, cheios, senhores do seu espaço. Após olhar para a radiografia e me auscultar, sentenciou: para ela, clinicamente, não havia mais derrame do lado direito, somente à esquerda. E mesmo o da esquerda estava muito menor do que eu já tivera em qualquer um dos lados.
Foi decerto uma alegria. Os médicos, já contei aqui, haviam dito unanimemente, ainda em dezembro, que o meu derrame pleural era decorrente do linfoma, por conta dos gânglios aumentados da região do mediastino, e que neste caso ele cederia rapidamente à medicação quimioterápica. Nada aconteceu nos primeiros ciclos. Já no terceiro o derrame parara de piorar, eu percebera, mas foi necessário aguardar a quarta aplicação de QT para que se pudesse observar uma verdadeira melhora. Mas graças a Deus ela chegou.
Ainda conversamos um pouco. Minha médica contou-me de um seu paciente, um rapaz, André de cujo sobrenome esqueci, com o qual ela estava preocupada. André tem alguma doença pulmonar, tuberculose ou pneumonia, e estava simultaneamente com uma disfunção hepática que a preocupara. Ele tinha demorado para lhe levar os exames, o que agravara sua situação. Eu entendo André; se eu não tivesse ficado internado em dezembro, provavelmente não faria os exames todos com o denodo que os meus médicos me devotaram durante o tempo que passei no hospital. A gente não quer estar doente, e tende a não acreditar que está doente; é comum fazer pouco caso da própria saúde…
Sandra – é o nome da minha pneumologista – pediu orações pelo André, pedido que eu refaço aqui aos que me lêem e acompanham minha caminhada. Ficar doente é ter os olhos abertos a uma realidade que antes ignorávamos; quando a gente passa a freqüentar muito hospitais, percebemos que há mais doentes no mundo do que gostaríamos. Que a Santíssima Virgem, Aquela que é Salus Infirmorum, não cesse jamais de olhar por nós.
Domingo último, o meu hemograma revelou que a minha imunidade enfim baixara. Ele atravessou incólume o terceiro ciclo de QT, e resistiu bravamente até quase aos umbrais do quinto; mas terminou cedendo. Três mil e poucos leucócitos, um pouco abaixo do limite inferior de 3500 que se costuma tomar por referência. Comecei a tomar o Granulokine; amanhã tomo a terceira e última dose, e no dia seguinte refaço os exames. A julgar pela minha experiência anterior com a droga, na quinta-feira a contagem de glóbulos brancos estará exuberante.
E precisa estar. Quinta-feira é a minha quinta QT. Só faltam mais duas; o sistema imunológico precisa suportar ainda mais um pouco. Já cheguei até aqui, e repito o que sempre digo às pessoas com quem me encontro: keep praying! Continuai rezando! Afinal, o que seria de nós – falou-me dia desses uma amiga a quem eu contava da importância das orações que eu recebia – se não tivéssemos quem por nós rezasse? Eu não passo de um pecador miserável e ingrato. A minha sorte é que a caridade alheia – a vossa caridade! – vem suprir as lacunas das minhas misérias e fraquezas. Que o bom Deus vos recompense abundantemente; não cesso de o dizer, porque a minha dívida para convosco só aumenta a cada dia.
Quinto ciclo! Mais um pouco de quimioterápicos, mais uma dose de náuseas e dores de cabeça, mais uma rodada de remédios amargos, de punções e curativos, de tontura e fraqueza… mais um pouco de fel a sorver até o fim. Que eu entorne o cálice com o rosto sereno, Senhor: por um pouco menos de amargura no mundo. E em breve o mel nunca terá sido tão doce aos meus lábios experimentados no amargo. E em breve, muito em breve, o mundo será de uma beleza arrebatadora. E o sorriso meio escondido que se desenha em meus lábios hoje já anuncia o que está pra chegar. Em breve!