Tenho particular afeição pela festa que se celebra hoje porque penso que, nela, o mistério da Redenção resplandece com um fulgor particular. Hoje se celebra a Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria em corpo e alma; hoje a Igreja canta a Sua coroação como Rainha dos Céus e da Terra. É uma festa que deveria encher o povo cristão de alegria; uma festa que chega mesmo a exaltar aquilo que falta na da Ascensão de Nosso Senhor. Porque na Ascensão é Deus quem Se eleva, glorioso, ao Trono dos Céus que Lhe pertence desde toda a Eternidade; hoje, ao contrário, é uma criatura — é Maria Santíssima! — quem é elevada para ocupar um lugar que até então não ocupava.
Que o Corpo de Cristo não ficasse entregue à corrupção do sepulcro é uma coisa, não digo prosaica, mas até lógica, fácil de compreender e de aceitar: tanto que a aceitam, sem maiores dificuldades, mesmo os protestantes de todas as matizes. Agora que não conheça a corrupção o corpo de uma criatura, de uma filha de Eva…! Tal é uma coisa inaudita e portentosa, tal é a loucura extrema do amor de Deus — a que os filhos de Lutero viram as costas de maneira orgulhosa e farisaica. A Ascensão de Cristo é a glorificação do próprio Deus; a Assunção da Virgem, a divinização da criatura. O Criador ser glorificado é algo que os judeus vêem desde Jacó; a criatura ser divinizada, tal é algo que o mundo viu hoje pela primeira vez — e ainda não tornou a ver, não do mesmo modo, não na mesma medida.
Porque é na festa da Assunção da Virgem Santíssima que a graça de Deus brilha de uma maneira que desafia a nossa inteligência e chega mesmo a desconcertar. Morrer e ressuscitar, aceite-se; salvar o homem do pecado, vá lá. Agora colocar uma criatura — uma Mulher! — por sobre os Tronos e as Potestades, e sentá-la gloriosa sobre as nuvens, e conferir-lhe poder soberano sobre os céus e a terra…! Aí não. Aí já é coisa que nossa inteligência tende a rejeitar, aí já é algo diante do qual o nosso primeiro impulso é dizer “não, aí também já é demais”.
Hoje é a festa em que Deus nos diz que, para Ele, nada é demais. Hoje é a festa que expande o Seu amor para além das fronteiras de nossa justiça e de nossa razoabilidade. Porque a munificência de Deus está além de nossa compreensão; ora, poderia haver prova mais eloquente dessa liberalidade do que ornar uma criatura com todos os privilégios que somente o próprio Deus poderia alcançar?
A glorificação de Cristo é uma exigência da natureza. A glorificação da Virgem não é exigência de nada, é puro rasgo de amor gratuito de Deus — e por isso mais nos assombra, e por isso mais nos deve alegrar. Cristo glorificado não podia ser diferente. A Virgem assunta aos Céus, envolta em glória sobre os anjos, poderia, sim, ser diferente — e é por não ser diferente que é tão maravilhoso, é por isso que a cantamos com toda a pompa devida ao dia de hoje. É por isso que a celebramos e não poderemos nunca deixar de celebrar.
Em Cristo a nossa humanidade é exaltada; na Virgem Maria Deus nos exalta ainda algo mais. Se Cristo sentado em Seu trono sobre as nuvens eleva a natureza humana a um patamar de honra inigualável, na Virgem recoberta de glória algo ainda mais próprio nosso é glorificado: a nossa “criaturidade”. O Deus Onipotente tem natureza humana — é o mistério da Encarnação. Mas Deus não é criatura em nenhum sentido e sob nenhum aspecto; no entanto, hoje uma criatura é coroada Rainha da Criação. Mistério profundo que transcende a própria Redenção, ou melhor, que a culmina de uma maneira admirável — de um modo que não a entendem os pagãos nem os gentios, e nem mesmo os hereges são capazes de conceber.
Salve, pois, ó Virgem da Glória, Rainha assunta aos Céus, em quem Deus revelou os limites do Seu amor e o poder da Sua graça! Lembrai-Vos de nós, pecadores miseráveis que caminhamos neste mundo com o desejo da graça e a esperança da glória. Lembrai-Vos de nós que, hoje, alegramo-nos convosco e com os anjos cantamos os Vossos louvores. Vós, que sois tanto e tanto podes, lembrai-Vos de nós, que bem pouco somos e nada podemos. Rogai a Deus por nós.