Não faltam apenas bons pastores na Igreja: também se precisa de bons súditos

Nestes dias terríveis, nesta hora lancinante, neste momento agônico onde a crise da Igreja parece atingir o paroxismo, é preciso — mais do que nunca! — manter os pés no chão e os olhos voltados para o Alto; é preciso não se precipitar e não se deixar levar pelos instintos da turba, por justos que eles pareçam neste momento; é preciso respirar fundo e tomar a decisão mais racional e mais correta, por mais antipática que ela se apresente agora.

É um momento particularmente difícil e que nos deixa desnorteados! Grandes baluartes do Catolicismo tradicional, em pungente descompostura, vêm a público quais camponeses desesperados, munidos de archotes e forquilhas, cercar a Cidade Eterna em uma noite de lua minguante para pedir — quem o ousaria imaginar jamais? — a cabeça do Cristo-na-Terra. Católicos tradicionais, conservadores, pedindo em público a renúncia do Papa! Seria inacreditável, uma piada de mau gosto, uma burla grotesca, se não fosse a terrível e dolorosa verdade.

E nem estamos falando dos críticos inveterados de tudo o que sucede e procede do Vaticano II. Agora são pessoas equilibradas, apostolados sérios, nomes respeitáveis que fazem coro à denúncia e ao brado do Mons. Viganò pela renúncia do Papa Francisco por conta do escândalo do Card. McCarrick. É o Rorate Caeli que publica um editorial dizendo que “[o Papa] Francisco deve ir”; é o Michael Voris dizendo que o “Papa Francisco deve renunciar”; é o Thomas Peters — compartilhado pelo Scott Hahn! — dizendo que se as acusações de Viganò forem verdadeiras “a única coisa responsável que o Papa pode fazer é renunciar”.

É preciso ter calma. É preciso ter paciência. É preciso sofrer as dores, a vergonha, a infâmia, é preciso entornar corajosamente o cálice até a última gota, até lhe ver o fundo. É preciso, na falta de expressão melhor, resignar-se.

Neste momento de grave crise é preciso ser tradicional, é preciso ser conservador, é preciso ser católico. E a coisa católica, conservadora e tradicional a ser feita certamente não é pedir a renúncia do Soberano Pontífice. Nem mesmo situações extraordinárias autorizam que se lance mão de expedientes revolucionários; não é lícito fazer o mal para que dele advenha um bem. Súditos exigirem nas ruas a renúncia do monarca não é uma atitude conservadora, subordinados clamarem nas praças pela abdicação dos superiores não é uma coisa tradicional, leigos publicarem manifestos para que o Papa renuncie ao Trono de Pedro é coisa inaudita em vinte séculos de Cristianismo.

É preciso dizer “não”. É preciso resistir.

E não se trata de menoscabar as denúncias do Mons. Viganò. Elas são graves e precisam ser levadas a sério por toda a Igreja. Como disse alguém, não é uma disputa intestina entre conservadores e progressistas no seio da Igreja Católica: é a dor provocada a todos por um clero corrompido, um clero por cuja santificação cada membro do Corpo de Cristo é chamado a derramar as suas lágrimas.

Não se trata, insista-se, de desprezar as denúncias do ex-núncio. Ao contrário, é para que elas sejam levadas suficientemente a sério que é preciso separar, no seu testemunho, o que é denúncia e o que é opinião, o que é problema apontado e o que é solução apresentada. A rede de homossexuais que existe no clero é a denúncia, clara e inequívoca, que ou é verdadeira ou é falsa; a demissão de todos os de alguma maneira envolvidos no acobertamento desta rede, isso é uma proposta de solução, que não necessariamente é a única solução possível. Para uma coisa ser verdadeira não é necessário que a outra também o seja; para se dar crédito à denúncia feita pelo Arcebispo, não é necessário adotar a mesma opinião do Arcebispo quanto à resposta que se lhe deve dar.

A íntegra do testemunho de Mons. Viganò pode ser lida aqui. Não acho, sinceramente, que lhe seja possível questionar o conteúdo; acredito que o Arcebispo é sincero e, o seu relato, é substancialmente verdadeiro. Não acho que a defesa do Papa exija desacreditar as palavras do Arcebispo, como parece ser a linha adotada pelo Andrea Tornielli (primeiro aqui e, mais detalhadamente, aqui): com isso se corre o risco de perder de vista a dimensão da corrupção do clero e de deixar de tomar as medidas necessárias à sua purificação.

Porque é evidente que há corruptos entre o clero; é evidente que a Igreja agoniza e precisa de profunda reforma doutrinária e moral. Todo mundo sabe disso; sem dúvidas o Papa Francisco o sabe também.

Estou disposto a aceitar que o Papa Francisco estava certamente informado das acusações contra o Card. McCarrick. Quem, no entanto, será capaz de aquilatar o quanto ele efetivamente lhes dava crédito? Ou se ele acreditava que os pecados do Cardeal pertenciam a um passado do qual Sua Eminência já estava arrependido? Ou se achava que as medidas tomadas contra ele já tinham cumprido o seu caráter ressarcitório, e, afinal de contas, toda pena há de ter o seu fim? Não há, absolutamente!, nenhum liame necessário entre reabilitar um cardeal homossexual e apoiar a agenda gay. Há erros de juízo prático de diversas matizes; nem todos eles têm a mesma dimensão; e nenhum, absolutamente nenhum erro do Romano Pontífice nesta seara autoriza os católicos a saírem às ruas para lhe coagir a renunciar.

Defender o Papa, como eu dizia, não exige desacreditar o Mons. Viganò. É o contrário: é defender a denúncia do Mons. Viganò que exige desacreditar a campanha pública pela saída do Papa Francisco. Tal campanha é moderna e revolucionária, é anti-tradicional, desnecessária e contraproducente. O Papa obviamente não é “infalível” em seus atos de governo (a categoria nem se pode aplicar aqui), mas é soberano. E ser soberano significa, justamente, que ninguém lhe pode exigir que responda pelos eventuais erros que cometa.

O Papa pode perfeitamente renunciar. Mas pode também, e também perfeitamente, não renunciar, e não há poder algum sobre a terra que tenha o direito de lhe exigir a Grã Renúncia. E se os fiéis não podem demandar a renúncia do Papa — como de fato não o podem –, então essa mobilização toda nas redes sociais é fumaça e pirotecnia, e pior, é desperdício de esforços e desvio de rumos.

Que choremos pela Igreja, que Lhe ofereçamos as nossas dores e coloquemos o nosso trabalho à Sua disposição. E que rezemos pelo Papa, rezemos pelo Doce Cristo-na-Terra, peçamos a Deus que o ilumine e que nos ilumine. Que o Espírito Santo nos ajude: que ensine o Papa a ser Pastor, e nos ensine a nós, leigos, a sermos súditos.

O vigor necessário ao Pontificado

Hoje faz três anos que o mundo tomou conhecimento da renúncia do Papa Bento XVI. Eu me lembro daquele 11 de fevereiro: era uma segunda-feira de Carnaval, e a voz cansada do velho alemão antecipou a Quaresma de uma multidão de católicos mundo afora. Ficamos atônitos, pegos de surpresa por um acontecimento com séculos de ineditismo (não faltou aliás quem dissesse que a renúncia era inédita tout court, guardando importantes diferenças com os outros — parcos — casos análogos de que a História da Igreja dava exemplo); e mesmo com três anos de distância a história ainda se nos revela surpreendente.

Aquela Declaratio é bastante lacônica; ela basicamente estabelece que «para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito». É provável que a maior parte das pessoas tenha lido, naquele texto, uma referência à saúde física do Pontífice que então contava já com 85 anos. Penso, no entanto, que o verdadeiro «vigor» que o Pontífice bávaro sentiu lhe faltar foi o «do espírito».

Sob essa ótica as coisas fazem mais sentido. Em primeiro lugar, caem por terra as “reclamações” (!) de que Bento XVI ainda está vivo mesmo três anos após ter renunciado (!!), como se o pobre Pontífice precisasse cair morto sob o peso do Papado antes de poder legitimamente a ele renunciar — ou como se o quotidiano recluso do Bispo Emérito de Roma tivesse o mesmo impacto sobre a sua expectativa de vida que o dia-a-dia enérgico de um Pontífice em atividade.

Depois, porque é neste aspecto que mais saltam aos olhos as diferenças entre o Papa Francisco e o seu predecessor. Um amigo que estivera no Vaticano durante o Conclave disse-me depois que, logo após a fumata bianca, na Praça de S. Pedro, quando o eminentissimum ac reverendissimum Dominum Georgium Marium Cardinalem Bergoglio era apresentado ao mundo sob o nome de Franciscus, um dos peregrinos que estava naquela multidão teria dito, em tom de desprezo: ah, un altro vecchio!

E é exatamente isto: fisicamente falando, o Papa Francisco não passa de “um outro velho”, talvez com até mais problemas de saúde pré-existentes do que Bento XVI. No entanto, com que vigor de espírito ele assomou ao sólio pontifício! Como o prof. Ramalhete gosta de dizer, o velho argentino «partiu para o ataque» — e isso parece incontestável quer entre os detratores do Papa Francisco, quer entre os seus admiradores. Nos últimos três anos a nau da Igreja singrou com mais ímpeto, e isso não negam mesmo os que acusam de temerário o timoneiro.

Finalmente, porque esta me parece uma característica peculiar do velho professor da Baviera, mais amigo das bibliotecas que das multidões. Talvez nunca tenhamos tido um Papa como o foi Joseph Ratzinger, acadêmico visceral; e o mundo diante do qual ele foi posto à frente da Igreja guardava pouca ou nenhuma semelhança com a situação ideal de fala que os teóricos do discurso almejam encontrar. É por isso que Ratzinger pôde discutir com Habermas, um acadêmico como ele; mas diante dos bispos seus subordinados o Papa Bento XVI só pôde se queixar dos ataques que lhe desferiram católicos «com uma virulência de lança em riste». Digamo-lo francamente: a Igreja do séc. XXI não estava à altura de Bento XVI — e, portanto, que ele talvez não fosse a pessoa ideal para estar à frente desta Igreja é uma conclusão bastante triste, mas não surpreendente.

Faz três anos, e não sei se a Igreja se encontra hoje melhor do que naquela fatídica segunda-feira. Mas é também dia de Nossa Senhora de Lourdes, conhecida por Seu maternal cuidado pelos doentes de toda espécie. Que Ela olhe pelo Bispo Emérito de Roma, cuja Grã-Renúncia hoje lembramos. Que Ela interceda pelo Vigário de Seu Divino Filho, o Papa Francisco. E — principalmente — que Ela cure as feridas da Igreja, hoje tão abertas e purulentas que A conduziram a esta situação inaudita. Valha-nos a poderosa intercessão da Virgem de Lourdes; que as dores do mundo apressem o prometido triunfo do Seu Imaculado Coração.

Os 88 anos de um gigante

Era um dia de abril de 1927: vinha à luz aquele que, muitas décadas depois, sentar-se-ia no Trono de Pedro sob o nome de Bento XVI. E faria história.

No meu entender, são duas as principais razões pelas quais o papado de Bento XVI merece ser considerado “histórico”. Em primeiro lugar, ele foi, e o foi sinceramente, com todas as forças de sua alma, um resistente. Foi ele o Papa que impôs serena e intransponível resistência a todas as demandas por mudanças na Igreja que lhe chegavam, violentamente, todos os dias, dos quatro cantos do planeta. É injusto chamá-lo simplesmente de “conservador”, uma vez que o termo carrega uma conotação negativa totalmente inaplicável a Bento XVI. Ele não lutou simplesmente por “conservar”, de maneira acrítica e beligerante, a tradição da Igreja Católica – atividade que por si só já seria extremamente meritória, vale mencionar. Ele foi além e se empenhou, com admirável e incansável zelo, por fazer essa tradição conhecida ao mundo.

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É lógico que “conservar” a mensagem da Igreja – no sentido de garantir que ela não sofra acréscimos e nem mutilações – é uma coisa necessária. É um dever da mais alta necessidade, primário até, coisa à qual católico algum – muito menos o Papa! – pode se furtar. No entanto, a simples conservação não é suficiente: é preciso levar as almas à Fé. É neste sentido que o atual pontificado, aliás, fala tanto em acabar com a autorreferencialidade da Igreja: a Fé é pra ser guardada, sim, indubitavelmente, mas é também para ser transmitida. A doutrina deve ser levada ao conhecimento dos homens: Cristo disse “ide e ensinai” (cf. Mt XXVIII, 19), e a importância deste mandato não pode ficar escondida sob a necessidade (sem dúvidas legítima) de preservar a pureza da Fé.

E a outra razão pela qual o papado de Bento XVI se pode dizer histórico é o seu término: foi ele o homem que proferiu a Grã Renúncia após séculos. A estreiteza do nosso horizonte histórico faz com que nos escape a importância desse gesto, sem dúvidas; mas, mesmo daqui, já existem duas coisas que podemos entrever. Primeira, que a pressão pela renúncia será, doravante, mais um peso acrescido à cruz reservada aos vigários de Cristo – que isto os torne mais santos! E, segunda, que a boa convivência entre um Papa e o seu sucessor tende a ser uma eficaz barreira à verossimilhança da tese de ruptura entre pontificados, que a cada conclave interessa aos aproveitadores propagar. Acho que já o disse aqui: não canso de me perguntar o carnaval que não se faria se o cardeal Bergoglio tivesse sucedido a um falecido Bento XVI… E, sob esta ótica, a renúncia do Papa que hoje completa 88 anos afigura-se-me providencial.

São os 88 anos de um gigante. Feliz aniversário, Bento XVI! Que o Deus Altíssimo o abençoe e guarde, proteja-o e não o entregue às mãos dos seus inimigos. Que o aproximar-se de Deus sobrepuje o avançar dos anos: que a santidade de vida nada deva à velhice alcançada. Obrigado por tudo.

E se a renúncia de Bento XVI for inválida? – II

Ontem eu dizia que há diversos problemas na hipótese de o Trono de S. Pedro estar atualmente ocupado por um impostor. Acho que vale a pena insistir ainda um pouco no assunto.

O ponto para o qual estou tentando chamar a atenção não é a mera hipótese da existência de um Antipapa. Não há novidade alguma nisso, Antipapas já existiram na história da Igreja. O verdadeiro problema aqui é a hipótese de aquele que é reputado Sumo Pontífice pela virtual totalidade da Igreja visível não ser Papa verdadeiro – e isso é um pouco diferente das outras situações históricas pelas quais a Barca de Pedro já passou nesses dois milênios tumultuosos de sua existência.

Certo, a Igreja passou quase setenta anos no cativeiro em Avignon. Mas – e isso é o mais importante – em Avignon havia Papas legítimos reclamando o sólio pontifício! O problema de não ser possível identificar qual o Papa legítimo entre dois (ou mais) pretendentes à cátedra de São Pedro é uma coisa; o problema de não ser Papa legítimo a única pessoa que se pretende Papa e como Papa é reconhecido – pública e pacificamente – por toda a Igreja é outra coisa completamente diferente. Que fosse talvez necessário escolher – entre fulano e sicrano – um Papa para se submeter é uma realidade que já se apresentou historicamente. Que a escolha deva ser feita entre fulano e o Trono Vazio, no entanto, é uma novidade absolutamente inaudita.

(Eu sei que, no caso particular de Antipapado em que a renúncia de Bento XVI tenha sido inválida, a escolha é entre o Papa Francisco e o Bento XVI, e não entre aquele e a Sé Vacante. No entanto, para a maior parte do sedevacantismo existente nos dias de hoje, a opção que se faz é pelo Trono Vazio em oposição ao que nele se assenta mesmo. Ademais, a hipótese do “Antipapa Francisco”, nos moldes de “Bento XVI ainda é Papa”, precisa lidar com o fato, então, de que pode ser canônica e teologicamente possível que seja Papa alguém que faz questão de dizer, em público e repetidas vezes, que não é Papa! O inusitado da situação exige que sejam apresentados argumentos fortes em defesa da tese. O ônus é de quem faz alegação, e é tanto maior quanto mais extraordinária for a alegação feita.)

Note-se, um Antipapa não é simplesmente um falso Papa. Um Antipapa é uma pessoa que se arroga falsamente o título de Papa em oposição a um Papa verdadeiro. É assim que está na Wikipedia, é assim que explica a Enciclopédia Católica, é somente assim que faz sentido. Não fosse assim, como ninguém jamais viu um conclave (à exceção dos cardeais-eleitores), estar-se-ia sempre na dúvida de se um determinado Papa é realmente Papa ou não – e tal insegurança não pode subsistir na Igreja que é coluna e sustentáculo da Verdade. Sim, a Sé de Roma pode ficar vacante. Sim, um Antipapa pode pretender ilegitimamente a Sé de Roma. Mas a Sé de Roma estar vacante ao mesmo tempo em que um Antipapa a reclama sem oposição  – aí não, aí não é possível, aí não tem precedente, não tem embasamento teológico, não tem lógica e nem cabimento.

Sobre os tempos priscos do passado remoto da Igreja, nos quais alguém pode esgaravatar um intervalozinho de tempo – sei lá, entre a morte de Inocêncio VII e a eleição de Urbano V – no qual um Antipapa “reinou” durante um período de Sé Vacante, a comparação não procede. Esta vacância contingente estava inserida num processo contínuo de morte do Papa – realização do conclave – eleição do seu sucessor, que absolutamente não encontra paralelo na situação contemporânea. Em Avignon, havia pretensão legítima de Sé Vacante – evidenciada pelos Papas que a antecederam e sucederam sem solução de continuidade. Hoje, tal não ocorre. Hoje, nada nem sequer remotamente análogo a isso ocorre.

Ainda, diga-se que os problemas de ordem prática apontados para a hipótese do Antipapado contemporâneo – nomeações episcopais inválidas, normas para a Igreja Universal nulas, cultos espúrios prestados a santos não canonizados etc. – são próprios dos tempos modernos, nos quais há uma absurda concentração de poder nas mãos do Romano Pontífice e um seu quase ininterrupto exercício. Durante a Idade Média, era perfeitamente possível – aliás, em determinadas situações de crise (como o Grande Cisma do Ocidente) isso era até extremamente provável – que o Papa fosse eleito e não exercesse nenhum ato especificamente pontifício: não canonizasse ninguém, não lavrasse nenhuma bula de criação de diocese, não alterasse nenhuma norma litúrgica. Hoje, ao contrário, o ordenamento canônico muda praticamente todos os dias (com nomeações e renúncias, mudanças curiais, refinamentos litúrgicos, canonizações e beatificações etc.); e se uma norma inválida for introduzida nesse sistema, é simplesmente impossível retroceder à situação anterior.

Mas, como aventei ontem, sempre existe a hipótese do ajeitadinho eventual. Sempre é possível pensar que, num futuro não importa o quanto longe, um Papa legítimo vai surgir e vai referendar tudo, vai aplicar sanatio in radice pra tudo o que foi feito de modo inválido pelos seus ilegítimos predecessores, vai promulgar dessa vez de verdade tudo o que fora indevidamente promulgado (com efeitos erga omnes e ex tunc), vai – em suma – dar uma canetada jurídica que vai pôr ordem na casa. Enquanto tal não acontece, Deus, em Sua Onisciência, prevendo esse futuro Papa Sebastião salvador, antecipa os efeitos de sua autoridade pontifícia e sai aplicando suplências eclesiais para manter a Igreja funcionando (afinal, as portas do Inferno não podem prevalecer).

Vejam, essa idéia espetaculosa até que cola. Mas o seu problema é que ela é mirabolante demais, é uma gambiarra muito grande e, portanto, repugna à razão que seja verdadeira. A salvação das almas vem de ordinário por meio da Igreja visível e hierárquica; e imaginar uma Igreja visível ma non troppo, onde aqueles que se apresentam como autoridades visíveis são na verdade uma Anti-Igreja organizada para esconder a Igreja verdadeira; uma Igreja hierárquica “só que não”, onde os que se apresentam como superiores não detêm autoridade verdadeira (e, portanto, as coisas válidas – em ordem à salvação – que eles porventura façam decorrem não dos meios próprios da Igreja, mas de uma intervenção sobrenatural e direta do Deus Altíssimo para suprir defeitos que praticamente ninguém imagina existir); uma Igreja, em suma, que não guarda quase semelhança alguma com o que a Esposa de Cristo sempre foi historicamente – imaginar tal coisa raia a insensatez.

No fundo, pretender que o Catolicismo está somente ao alcance de uma meia-dúzia de iniciados (que conseguem perscrutar os mistérios da crise moderna e enxergar, para além do que dizem as sedizentes autoridades católicas contemporâneas, aquilo que é a Fé verdadeira) cheira a gnosticismo, e imaginar que a existência encarnada da Igreja pode ser sincronicamente “suspensa” no curso da História (e a pertinência dos católicos a Ela deixa de se realizar mediante as autoridades eclesiásticas para se dar imediatamente, de um modo “espiritual”) aproxima-se de um subjetivismo protestante. Se isso fosse verdade – se isso pudesse ser verdade – não teria para quê haver Igreja. A salvação poderia ser individual (posto que não haveria atualmente possibilidade de submissão às autoridades hierárquicas visíveis) e a Fé poderia vir de uma inspiração interior do Espírito Santo (uma vez que não há Magistério Vivo para ser regra próxima de Fé e cada um precisa estudar o Denzinger por conta própria).

E é isso, no fim das contas, o que torna o sedevacantismo insustentável. Sim, é terrível o estado deplorável em que se encontra a Igreja atualmente…! Mas ninguém está eximido de sofrer na própria carne o martírio da Esposa de Cristo. É sedutora a tentação de abraçar um refinamento teórico que pareça dar sentido ao mysterium iniquitatis dos dias de hoje, à abominação no lugar santo: no entanto, é ao escárnio mesmo que Deus nos chama – e aos cristãos nenhuma cruz nos deveria escandalizar. O amor à Igreja passa por sofrer por Ela e n’Ela; e, no fundo, não é amor verdadeiro abraçar uma quimera intangível para se furtar ao trabalho – que pode perfeitamente ser frustrante, mas nem por isso menos necessário à salvação – de dedicar as próprias lágrimas a limpar (ainda que em vão!) o rosto imundo e purulento da Igreja encarnada tal como Ela se apresenta nesses tempos desgraçados em que aprouve à Providência que vivêssemos.

Papa anuncia renúncia – oremus pro Ecclesia Sancta Dei!

Com tristeza e perplexidade recebemos a notícia de que o Sumo Pontífice anunciou ontem (10 de fevereiro) a terrível Grã Renúncia. Ele só permanece na Sé de Pedro até o próximo dia 28 de Fevereiro. De coração apertado, pedimos orações por Bento XVI e pela Igreja Santa de Deus.

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Papa aceita renúncia de bispo que apoiou Dilma Rousseff

Vi esta manhã no Vatican Information Services que o Santo Padre “[a]ceptó la renuncia del obispo Luiz Carlos Eccel al gobierno pastoral de la diócesis de Caçador (Brasil) en conformidad con el canon 401, párrafo 2 del C.I.C.”. O bispo de Caçador, para quem não se lembra, foi aquele que divulgou uma carta de apoio a sra. Dilma Rousseff.

Teve a pachorra de divulgar esta carta um dia depois do Papa ter dito à Regional Nordeste 5 da CNBB que os bispos devem emitir juízos morais também sobre situações políticas concretas, sempre que “os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem”! A atitude de Sua Excelência foi de zombaria, de escárnio, de deboche; e agora, menos de um mês depois, teve a sua renúncia aceita pelo Santo Padre.

Segundo o site da diocese, a renúncia deu-se para que o bispo pudesse “cuidar de sua saúde”. Tinha 58 anos; 17 a menos do que a idade canônica, na qual todos os bispos são obrigados a pedir renúncia. Em seu lugar, como Administrador Apostólico, foi nomeado Dom João Marchiori, bispo emérito de Lages.

Que Deus dê forças e sabedoria ao Papa Bento XVI. A fim de que continue conduzindo a Igreja como Ela precisa ser conduzida.

O discurso do óbvio

Papa não vai renunciar, diz cardeal britânico. Mas é claro. Por acaso passou pela cabeça de alguém que o Vigário de Cristo renunciaria? Por causa – como diz a reportagem – de pressão de ativistas?

Que “ativistas” anônimos são esses? Provavelmente nem à Igreja pertencem. Por qual motivo um bando de fulanos se julga no direito de “pressionar” a Igreja Católica para que Ela faça ou deixe de fazer o que quer que seja?

E ainda esperar resultados! A ponto de um cardeal arcebispo precisar dizer que o Papa não vai renunciar, e isto virar manchete! Definitivamente, o mundo não entende a Igreja de Nosso Senhor. E nem é novidade: há um ano, “impunha-se” a “demissão” de Bento XVI. Também a cabeça de João Paulo II foi pedida – também queriam que o Papa anterior renunciasse.

Como se a Igreja fosse uma democracia que existe para agradar o mundo. Como se Ela fosse compartilhar da loucura dos tempos modernos. Talvez o ódio que os anti-clericais têm da Igreja seja uma espécie de inveja: ao verem a Casa construída sobre a Rocha resistir a todas as intempéries, ao longo dos séculos, enquanto eles próprios esfacelam-se a todo instante. Querem medir a Igreja por sua própria concepção distorcida do mundo, e irritam-se quando Ela Se recusa a comportar-Se segundo os modelos ora vigentes.

E esbravejam, e caluniam, e armam ciladas para os católicos, e conspiram contra o Papa, e insuflam a opinião pública contra a Igreja. Mas non praevalebunt – é promessa de Nosso Senhor, da qual a História dá eloqüente testemunho. Esta não é a primeira vez que um Papa é perseguido, e não será a última. Mas a Igreja permanecerá de pé, até a consumação dos séculos.

RINUNCIA DELL’ARCIVESCOVO METROPOLITA DI OLINDA E RECIFE (BRASILE) E NOMINA DEL SUCCESSORE

A Sala de Imprensa da Santa Sé publicou hoje; o Gustavo também publicou uma tradução. Depõe as armas Dom José Cardoso Sobrinho, no dia seguinte ao seu aniversário de 76 anos – um ano e um dia depois da apresentação da renúncia. Assume a peleja Dom Fernando Saburido, até então bispo de Sobral, que já foi bispo auxiliar da Arquidiocese de Olinda e Recife.

Oremus pro Antistite nostro Ferdinando; Sua Excelência vai precisar de nossas orações. A Arquidiocese de Olinda e Recife vai precisar de nossas orações. O povo católico que tem os olhos fitos na Cátedra de Dom Vital vai precisar de nossas orações.

A posse está marcada preliminarmente para o próximo dia 16 de agosto, festa da Assunção da Virgem Santíssima.

Oremus pro Antistite nostro Ferdinando.
R. Stet et pascar in fortitudine Tua, Domine, in sublimitate Nominis Tui.

V. Tu es sacerdos in aeternum.
R. Secundum ordinem Melchisedech.

Oremus. Deus, que populis Tuis indulgéntia cónsulis et amóre dominaris; Antistiti nostro Ferdinando. Cúi dedísti regímen disciplinae, da spiritum sapientiae, ut de proféctu sanctárum óvium, fíant gáudia aetérna pastóris. Per Christum Domunim Nostrum.

R. Amen.

A renúncia do Papa

Os inimigos da Igreja estão em polvorosa! Encontro na Montfort a tradução de um artigo do Golias, intitulado “O Problema Bento XVI: IMPÕE-SE SUA DEMISSÃO”. Dá verdadeiro prazer ler o que os hereges pensam do Papa. Hoje, aquela passagem do Evangelho onde Nosso Senhor diz “[s]e o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós” (Jo 15, 18) aplica-se perfeitamente ao Santo Padre: ele faz as vezes de um Evangelho vivo, que encarna na própria vida as palavras do Salvador.

“Hoje, 43% dos católicos franceses agora desejam que o soberano Pontífice se demita do cargo, entregando-se a uma vida  reclusa, para contentamento geral”, diz o artigo. Contentamento geral, ou contentamento desta minoria (43%) que deseja a “demissão” do Santo Padre? É engraçado como estas pessoas adoram arvorar-se de porta-voz do catolicismo; é como se a ausência de sentido de suas idéias precisasse ser compensada pelo barulho que é feito em sua defesa.

Há uns dias, eu vi uma entrevista do Hans Küng onde ele se queixava de que Roma quer ter sempre razão. Mas é precisamente esta a função da Igreja de Roma: ser Mãe e Mestra de todas as igrejas. É exatamente esta a função do Sucessor de Pedro: confirmar os irmãos na Fé. Queixa-se o teólogo suíço de que Roma seja o que Deus estabeleceu que Ela fosse? O Küng também é um daqueles que querem que o Papa renuncie. Vem o artigo do Golias fazer coro ao teólogo e engrossar as fileiras dos rebeldes.

E por que motivo deveria o Papa renunciar? Por nada. Simplesmente porque os hereges do Golias et caterva não aceitam o catolicismo, e atribuem a si próprios a infalibilidade que negam ao Papa. Que outra coisa explicaria a sentença peremptória de que Bento XVI comete “evidentes erros” e que “algumas de suas posições [são] verdadeiramente inaceitáveis”? Quem disse isso? Os hereges. E por que é verdade? Só porque eles dizem? Por que motivo os católicos deveriam ouvir a voz dos lobos rebeldes, ao invés de seguirem os passos do Doce Cristo na Terra?

O Papa é retratado como “que saído de um vitral de outros tempos, talvez de um museu”… e eu não deixo de me alegrar com a comparação. Um vitral de uma catedral, por exemplo – o que estes hereges têm contra vitrais… ? -, seria uma boa opção. Os vitrais das igrejas estão cheios de papas santos. Não havendo reencarnação segundo a Fé Católica, não faz sentido que Bento XVI tenha “saído” de um desses vitrais, mas guardo esperanças de que ele possa, um dia, ir até eles. Guardo esperanças de que, num futuro – queira Deus não muito distante! – Bento XVI possa ser – quem sabe? – representado nos vitrais das igrejas. Para escândalo de Küng e seus asseclas.

Termina o artigo dizendo que “não há mais retorno” – queira Deus que, dessa vez, os hereges tenham dito a verdade! Tomara que não haja mais retorno, e as reformas realizadas pelo Papa Bento XVI gloriosamente reinante possam pôr fim à crise e dispersar os inimigos da Santa Igreja. Sim, que não haja mais retorno para os hereges de todos os naipes, e que não lhes seja dado mais espaço para devastarem a Igreja e lançarem almas à perdição. Pede o Golias “uma saída de cena de Bento XVI, rápida e voluntária, sinal de humildade e de verdadeiro sentido da autoridade como serviço”, porque isso “desbloquearia a situação, permitindo que sem tardar seja aberta uma nova página da história da Igreja”. Nós, os católicos, pedimos a Deus o contrário.

Pedimos vida longa e um fecundo pontificado para o Santo Padre, o Papa Bento XVI. Pedimos que “o Senhor o guarde e fortaleça, e o faça abençoado nesta terra, e não o abandone ante a perversidade de seus inimigos”. Pedimos que Deus tenha piedade dele, e o guie conforme a Sua bondade à vida eterna, a fim de que ele possa velar pelo rebanho que lhe foi confiado e, junto dele, alcançar a salvação. E que Deus Se digne humilhar os inimigos da Santa Igreja, para a Sua maior glória e salvação das almas pelas quais morreu Nosso Senhor. Domine, Te rogamus, audi nos!

Comentando o adeus do Arcebispo – 10

10 – E agora, dom José? & À espera da entrevista que não houve

Por fim, chegamos à última página do especial do JC. Uma grande foto de mais de meia folha do rosto de Dom José, mitrado, entre de perfil e de costas. Ele não olha para a câmera. A mensagem implícita – já devidamente explicitada ao longo das páginas anteriores – é clara: o Arcebispo nem sequer olha para o povo. Não se importa com ele. É-lhe indiferente. Dá-lhe as costas. O título, em letras garrafais, parafraseando o poema de Drummond, é a coroação apoteótica da imagem de Dom José pintada pelo jornal: um fracassado, como o José do poeta.

O jornal já não diz mais quase nada; apenas regozija-se com a “vitória” sobre o inimigo. A enxurrada difamatória varreu do senso crítico do leitor qualquer possibilidade de não ter ojeriza por esta figura que personifica o atraso da Arquidiocese. O trabalho sujo foi feito, e tudo está consumado. Há festa na roda dos escarnecedores.

É, todavia, muito fácil ganhar a batalha quando se está lutando sozinho contra um boneco de palha pré-fabricado. No texto seguinte, o jornal vai “se defender” dizendo que Dom José não quis dar entrevistas; mas é claro que não. Qual pessoa iria, em seu juízo perfeito, perder tempo com palavras que seriam distorcidas ou, na melhor das hipóteses, sufocadas pela avalanche de ataques contrários? Foi mostrado aqui, neste BLOG, qual a linha do Jornal do Commercio e quais os pontos abordados pelo seu caderno especial. Com qual propósito o Arcebispo iria dar entrevistas? Diante de Herodes, Jesus também se calou – Iesus autem tacebat. Diante da intimação do Governo para que se defendesse, Dom Vital fez o mesmo. Diante do Jornal do Commercio, então, que é muitíssimo mais irrelevante do que o Governo Imperial ou do que o Rei Herodes, por que deveria um Sucessor dos Apóstolos falar?

Uma última alfinetada irônica – dom José garante ser um homem de diálogo – e pronto: agem os responsáveis pelo jornal como se tivessem cumprido candidamente a sua missão jornalística. Todavia, como foi mostrado aqui nos últimos quinze dias, a missão do JC é deformativa, e não informativa. Calou-se Dom José, e o Jornal do Commercio, na ânsia de sujar a imagem do Arcebispo, resfolegou-se na lama, e saiu sujo. Sujo pela gritante parcialidade com a qual redigiu o seu caderno especial. Sujo com a falta de honestidade na exposição dos fatos. Sujo pelas insinuações ofensivas feitas ao longo das oito páginas. Sujo pela falta de profissionalismo dos seus jornalistas, que deveriam informar, e não apresentar um espantalho aos seus leitores como se fosse o responsável pela Arquidiocese de Olinda e Recife nas últimas duas décadas. Sujo pelo vergonhoso espetáculo que representou.

Dom José não vai ficar em Recife, é a informação passada pelo Jornal do Commercio. Ao menos, reconhece o jornal que a sua partida não tem ainda data definida:

Está nas mãos do papa Bento XVI decidir quando exatamente dom José deve arrumar as malas. (…) Poderá demorar meses e até anos.

A informação está corretíssima. Logo depois, o jornal tenta polarizar a discussão sobre o “perfil” do sucessor de Dom José (provavelmente, quem escreveu esta página não leu o artigo do prof. Delgado na página anterior). Falando em linha dura, em perfil mais moderado e em Igreja libertária e mais progressista, o jornal deixa clara a sua posição: contra Dom José, e contra qualquer bispo que seja “da mesma linha” dele, ou seja, contra qualquer bispo católico que o seja de fato. O texto termina (de novo…) com a fala de uma fulana qualquer do “Igreja Nova”, que expressa em poucas e elegantes palavras a sua apostasia:

Não estamos procurando alguém para seguir, mas alguém que siga com a gente[.]

Mas, no final, nada disso tem relevância, porque a nomeação dos bispos para as dioceses é uma prerrogativa da Igreja de Roma, e tentativas de se fazer “lobby” contra ou a favor um ou outro “candidato” é extrapolação de competência. Nem mesmo os fiéis católicos podem influenciar na escolha dos seus bispos – quanto mais aqueles que, se são católicos, não são fiéis e, se são fiéis, não são católicos! A Igreja não é uma democracia; esperemos o Sucessor de Pedro volver os olhos para o nordeste brasileiro e confiar este rebanho a um outro Arcebispo. Quem quer que seja ele, será o Bispo legítimo, cabeça desta Igreja Particular, a quem os fiéis católicos estarão – sem dúvida alguma – unidos, pois sabem que, separados dele, não podem pretender estar em comunhão com a Igreja de Cristo, que têm como Mãe, e fora da qual não se podem salvar.

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Anexo 1 – .O adeus do arcebispo

O ADEUS DO ARCEBISPO
E agora, dom José?
Publicado em 04.07.2008

No dia em que fez 75 anos, data-limite para o cargo, o arcebispo garantiu que deixará o Recife para garantir liberdade ao sucessor

[A ]sombra do arcebispo emérito de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, acompanha dom José Cardoso até na hora de traçar os seus planos para o futuro. E, por mais que tenha tentado fugir das comparações, quem resgata a lembrança do antecessor é o próprio dom José. “Posso garantir uma coisa: quando deixar o cargo, não vou permanecer no Recife. Acho que não convém. O meu sucessor deve ter liberdade de tomar as diretrizes como ele quiser. Eu passei por essa experiência. Você assume uma arquidiocese com plenos poderes e o seu antecessor está presente. Isso não é bom.” Uma crítica clara a dom Hélder. Mesmo na despedida, dom José olha para a frente, com os pés no passado.O arcebispo nunca aceitou o fato de dom Hélder ter continuado na arquidiocese, após a sua substituição, em abril de 1985. Ele garante que tomará um rumo diferente. “Vou me esconder num convento carmelita. Procurar uma residência e continuar servindo a Igreja. Mas será fora do território da arquidiocese.” No auge da crise com o rebanho, o incômodo com a presença de dom Hélder era tanto que dom José chegou a mandar um emissário falar com o arcebispo emérito para cobrar o seu silêncio. Coube ao então bispo auxiliar dom João Evangelista Martins Terra dar o recado.

Que dom José vai sair, isso é fato. Está determinado nas leis da Igreja, as mesmas que ele segue com devoção e fidelidade. Agora, quando isso vai acontecer, só o Vaticano sabe. A carta de renúncia, escrita em 15 minutos, segundo contou o arcebispo, foi enviada para a Nunciatura Apostólica, em Brasília, na última segunda-feira, data em que ele completou a idade-limite para continuar no cargo. Está nas mãos do papa Bento XVI decidir quando exatamente dom José deve arrumar as malas. Mesmo que a renúncia seja aceita, padres e leigos acreditam que a saída não será imediata. Poderá demorar meses e até anos.

A expectativa agora é em torno do sucessor. A questão central não é tanto o nome, mas o perfil de arcebispo que o Vaticano escolherá para substituir dom José. Pelos ventos conservadores que sopram em Roma, muitos acreditam que o próximo chefe da Igreja Católica em Pernambuco será da mesma linha dura. É quando o nome do arcebispo da Arquidiocese da Paraíba, dom Aldo Pagotto, aparece. Ele foi vigário-geral da Arquidiocese de Olinda e Recife, em 1997, e é próximo a dom José. Com carreira e personalidade semelhantes à do atual arcebispo, o atual bispo de Garanhuns, dom Fernando Guimarães, também aparece na lista de apostas.

Num perfil mais moderado, padres e leigos lembram o nome do recém-nomeado arcebispo de Vitória da Conquista (BA), dom Luiz Gonzaga Silva Pepeu. Mas o sonho dos seguidores de uma Igreja libertária e mais progressista é o retorno do bispo de Sobral (CE), dom Fernando Saburido, que já atuou como bispo auxiliar de dom José Cardoso. “O que nós queremos é um bispo mais pastor e menos administrador. Que deixe a Igreja caminhar. Não estamos procurando alguém para seguir, mas alguém que siga com a gente”, afirma a bióloga Bete Barbosa, integrante do grupo de leigos Igreja Nova. Ela cita uma frase de dom Hélder para mostrar que a esperança do rebanho está renovada: “Quanto mais negra é a noite, mais carrega em si a madrugada”.

Anexo 2 – .O adeus do arcebispo

O ADEUS DO ARCEBISPO
À espera da entrevista que não houve
Publicado em 04.07.2008

Em um ponto os críticos e defensores de dom José parecem concordar: o arcebispo de Olinda e Recife é um homem coerente. Nunca voltou atrás numa decisão, por mais polêmica e desgaste que ela tenha causado. Pelo menos, não publicamente. E no trato com a imprensa não foi diferente. Dom José sempre foi avesso a repórteres e alimentou a visão de que os jornais o perseguiam. Em todos os anos de arcebispado, contam-se nos dedos da mão as entrevistas exclusivas concedidas por ele, para tratar de questões pertinentes ou não à Igreja. A postura foi a mesma desta vez. Procurado para fazer um balanço dos seus 23 anos à frente da Arquidiocese de Olinda e Recife, a resposta, repassada por sua secretária, foi curta e direta: “Dom José não dá entrevistas ao Jornal do Commercio”.De pouco adiantou argumentar, com seus assessores, que seria para um caderno especial, abordando diferentes questões da atual administração e que agora, no momento de sua saída, seria importante ele analisar tudo o que havia ocorrido em seu arcebispado. “Ele sabe disso, mas não vai falar”, encerrou a conversa a secretária. Em outras situações, a arquidiocese tinha a preocupação de indicar alguém para falar em nome do arcebispo. Desta vez, nem isso.

Mas dom José garante ser um homem de diálogo. Em novembro do ano passado, ele concedeu uma entrevista à jornalista Graça Araújo, na Rádio Jornal, e respondeu à primeira pergunta defendendo essa idéia. “Eu acredito no diálogo. Tem uma frase muito famosa de um escritor católico francês que diz que o diálogo é o encontro de dois amigos da verdade eterna. Eu gosto muito dessa definição. Quando a gente dialoga com uma pessoa, pressupõe que ela é também um amigo da verdade eterna, a verdade de nosso senhor Jesus Cristo.”

Numa última tentativa de entrevistar o arcebispo, a reportagem esteve na celebração dos seus 75 anos, realizada segunda-feira, na Cúria Metropolitana. Após a missa, ele conversou com a imprensa. Falou da sua biografia e das pessoas importantes na sua vida religiosa. Mas, na primeira pergunta sobre o modelo de Igreja que deixava na arquidiocese, a entrevista foi encerrada pelos seus assessores. “Dom José, o povo está lhe esperando.” E o arcebispo foi cortar o bolo do seu aniversário.