Foram publicadas hoje no Diário Oficial da União as diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM) para regulamentar o aborto (dito “legal”) de fetos anencéfalos. A publicação ocorre praticamente um mês após a ilegítima usurpação de poderes do STF que, extrapolando confessadamente as suas competências, “autorizou” o assassinato de fetos deficientes em meados do mês passado.
Procurando um pouco eu encontrei a Resolução CFM nº 1989/2012, “[p]ublicada no D.O.U. de 14 de maio de 2012, Seção I, p. 308 e 309”. São seis artigos, que reproduzo na íntegra abaixo com meus comentários em vermelho e entre colchetes. O arquivo reserva ainda seis páginas para a “Exposição de Motivos da resolução CFM No 1.989/2012”, que podem ser encontradas no link acima mencionado.
Na verdade, a resolução na prática não resolve nada. Os critérios não estão colocados em lugar nenhum, limitando-se a resolulação a se referir a uma vaga “ausência” da calota craniana e do tecido cerebral, sem quantificá-las (que é, exatamente, onde reside a diferença específica entre a anencefalia propriamente dita e os diversos graus de meroanencefalia).
A pior parte do texto, contudo, é justamente quando ele estabelece o absurdo de que crianças deficientes não têm direito aos mesmos cuidados pré-natais que as crianças sadias. Isto, além de ser um preconceito cretino e estúpido, dá margem a toda sorte de abusos.
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O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei no 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei no 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto no 44.045, de 19 de julho de 1958, e
[…]
RESOLVE:
Art. 1° Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia o médico pode, a pedido da gestante, independente de autorização do Estado, interromper a gravidez.
[E desde quando existe “diagnóstico inequívoco de anencefalia”, se a criança “deixa” de ser classificada como anencéfala simplesmente depois que sobrevive (vide Marcela de Jesus, Vitória, etc.) e, portanto, o tal “equívoco” no diagnóstico só pode ser excluído se a gente deixar a criança nascer, sendo completamente impossível um diagnośtico “inequívoco” durante o período pré-natal?
Os que tiverem oportunidade devem rejeitar todos os diagnóticos de anencefalia que encontrarem, uma vez que eles por definição não podem ser “inequívocos”.]
Art. 2º O diagnóstico de anencefalia é feito por exame ultrassonográfico realizado a partir da 12ª (décima segunda) semana de gestação e deve conter:
I – duas fotografias, identificadas e datadas: uma com a face do feto em posição sagital; a outra, com a visualização do polo cefálico no corte transversal, demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima cerebral identificável;
II – laudo assinado por dois médicos, capacitados para tal diagnóstico.
[Continua valendo o mesmo que foi dito acima. Este artigo não define o que é um “diagnóstico inequívoco de anencefalia”, apenas dizendo o que ele deve conter (e não o que ele é – afinal, desde quando “ausência da calota craniana” (e de tecido cerebral – quanto tecido cerebral?) é igual a “anencefalia”?!). Os abortistas, claro, usarão da ambigüidade para extrapolar ao máximo o conceito e fazer com que qualquer criança com qualquer má-formação craniana se “encaixe” como anencéfala. Por outro lado, os que compreendem o valor da vida humana devem rejeitar quaisquer destes diagnósticos como não-conclusivos ou susceptíveis a erros (e, portanto, “não-inequívocos”), não aceitando a realização do assassinato eugênico (pretensamente legal) com base neles.]
Art. 3º Concluído o diagnóstico de anencefalia, o médico deve prestar à gestante todos os esclarecimentos que lhe forem solicitados, garantindo a ela o direito de decidir livremente sobre a conduta a ser adotada, sem impor sua autoridade para induzi-la a tomar qualquer decisão ou para limitá-la naquilo que decidir:
§1º É direito da gestante solicitar a realização de junta médica ou buscar outra opinião sobre o diagnóstico.
§2º Ante o diagnóstico de anencefalia, a gestante tem o direito de:
I – manter a gravidez;
II – interromper imediatamente a gravidez, independente do tempo de gestação, ou adiar essa decisão para outro momento.
§3º Qualquer que seja a decisão da gestante, o médico deve informá-la das consequências, incluindo os riscos decorrentes ou associados de cada uma.
§4º Se a gestante optar pela manutenção da gravidez, ser-lhe-á assegurada assistência médica pré-natal compatível com o diagnóstico.
[Como assim “compatível com o diagnóstico”?! Este parágrafo é de uma cretinice ímpar. Por que a criança deficiente não tem direito à mesma assistência médica pré-natal que as outras crianças?
Como é uma assistência “compatível com o diagnóstico”? O médico (ou, pior ainda, o plano de saúde) pode porventura negar assistência à criança deficiente sob a alegação de que tal ou qual procedimento é “incompatível” com a anencefalia diagnosticada? De que serve este parágrafo (que, suponho, foi colocado aqui para salvaguardar a criança cuja mãe optasse por não a assassinar), se ele na prática permite que qualquer tratamento seja negado sob a alegação de ser “incompatível” com o diagnóstico da criança?
Mais: e se o plano de saúde não quiser oferecer pré-natal nenhum (alegando que o anencéfalo “não é um ser humano” ou qualquer outra besteira do tipo que costuma brotar da cabeça oca de alguns ministros do STF) por entender que um pré-natal não é “compatível” com o diagnóstico de anencefalia, quem vai dizer que ele não pode fazer isso?]
§5º Tanto a gestante que optar pela manutenção da gravidez quanto a que optar por sua interrupção receberão, se assim o desejarem, assistência de equipe multiprofissional nos locais onde houver disponibilidade.
§6º A antecipação terapêutica do parto pode ser realizada apenas em hospital que disponha de estrutura adequada ao tratamento de complicações eventuais, inerentes aos respectivos procedimentos.
[Mais uma vez as coisas vagas: nenhuma palavra sobre qual seria esta “estrutura adequada”. Do mesmo modo que foi dito acima, portanto, todos os cidadãos de bem devem se aproveitar desta ambigüidade para, diante de um caso concreto, dizer que falta “estrutura adequada” para realizar o procedimento.]
Art. 4º Será lavrada ata da antecipação terapêutica do parto, na qual deve constar o consentimento da gestante e/ou, se for o caso, de seu representante legal.
Parágrafo único. A ata, as fotografias e o laudo do exame referido no artigo 2o desta resolução integrarão o prontuário da paciente.
[E devemos nos preocupar em cobrar auditorias diligentes sobre estas atas.]
Art. 5º Realizada a antecipação terapêutica do parto, o médico deve informar à paciente os riscos de recorrência da anencefalia e referenciá-la para programas de planejamento familiar com assistência à contracepção, enquanto essa for necessária, e à preconcepção, quando for livremente desejada, garantindo-se, sempre, o direito de opção da mulher.
Parágrafo único. A paciente deve ser informada expressamente que a assistência preconcepcional tem por objetivo reduzir a recorrência da anencefalia.
Art. 6º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
[Ou seja, nada está definido e, mesmo assim, já está valendo. É impressionante!]
Brasília-DF, 10 de maio de 2012
CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA
Presidente em exercício
HENRIQUE BATISTA E SILVA
Secretário-geral