O Cristianismo é a religião do Verbo Encarnado, e esta é uma das suas características de conseqüências mais maravilhosamente radicais. Não significa simplesmente que Deus existe, que nos criou e nos ama; não significa apenas que Ele nos destinou a uma Bem-Aventurança superior àquela a que nós seríamos merecedores por natureza. Não quer dizer meramente que Ele Se revelou a nós, comunicando-nos à inteligência verdades sublimes sobre Si. Tudo isso é verdadeiro, mas a Encarnação é um acontecimento muito maior. Trata-se de algo muito mais misterioso e profundo, muito mais sublime e incompreensível: queremos dizer que Deus tomou por Sua a nossa carne, assumiu a nossa humanidade e, assim, fez-Se um de nós.
Fez-Se um de nós! O Deus Altíssimo, Criador dos Céus e da Terra, habitando eternamente em luz inacessível, dignou-Se revestir-Se das coisas criadas e, nos mais limítrofes rasgos de Sua Onipotência, confinou a Eternidade ao tempo e circunscreveu o Infinito ao ser humano. As reais dimensões desta verdade já incontáveis vezes a nós repetida encontram-se, não obstante, para muito além da nossa compreensão. Mas a Igreja Católica com freqüência nos possibilita um vislumbre da excelsa dignidade a que foi elevada a natureza humana e, por meio daquilo que festeja na terra, prepara-nos para o que nos aguarda no Céu.
Hoje é a festa da Gloriosa Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, da Imaculada e Sempre-Virgem Mãe de Deus. O dogma, todos sabem o que quer dizer; nas palavras da Munificentissimus Deus, significa que «a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial». Mas estas palavras já repetidas à exaustão podem nos fazer considerar de maneira leviana este dogma da Fé. Para uma melhor compreensão do que ele nos revela, é-nos útil considerar o que a Religião nos ensina sobre a relação entre o corpo e alma.
Segundo a antropologia cristã clássica, corpo e alma estão de tal maneira unidos que, juntos, perfazem uma unidade substancial. Isto atrela de maneira irredutível o destino de um ao de outro; a glorificação da alma, ao contrário do que postulam certas filosofias de influência espírita, exige e implica a glorificação do corpo. A primeira vez que isso me ficou claro foi quando um amigo traçava um paralelo entre o Pecado e a Redenção. O pecado arrastara o corpo à corrupção do túmulo e à morte; ora, se a salvação não fosse capaz de resgatar também o corpo humano desta desordem original, então haveria ainda um aspecto da existência humana que permaneceria sob o poder de Satanás a despeito do Sacrifício de Cristo. A culpa seria maior que a Redenção e, o Pecado, maior do que a Graça, o que é absurdo. Logo, também ao corpo humano – a este corpo humano que Deus quis assumir! – está destinada a Bem-Aventurança, também ele é capaz da Glória. Como exatamente se dará isso é-nos desconhecido; nas palavras do Apóstolo, trata-se daquilo que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração humano não imaginou. Mas sabemos, com certeza, que haverá olhos para ver e ouvidos para ouvir o que Deus tem preparado para os que O amam.
E a Assunção da Santíssima Virgem é motivo para que nos alegremos e, juntando-nos aos cristãos de todos os séculos, cantemos as glórias da Bem-Aventurada Mãe de Deus, d’Aquela que foi Imaculada desde o primeiro instante da Sua concepção; d’Aquela a Quem Deus, tendo tomado por Mãe quando desceu à terra, não permitiu que sofresse a corrupção do túmulo à qual Ela, não havendo tido jamais parte com o pecado, não estava por justiça sujeita.
Na verdade, a festa hoje celebrada é a coroação daquela outra que nós celebramos no dia oito de dezembro: é o cumprimento das promessas de Deus, a realização plena de Sua vontade, o arremate de Sua obra mais perfeita que Ele não deixaria inacabada! Porque parece que faltaria alguma coisa na História da Salvação se a Santíssima Virgem não tivesse sido elevada aos Céus: faltaria um troféu importante da vitória sobre a Morte e, sobretudo, faltaria uma graça que o Todo-Poderoso não teria concedido nem mesmo Àquela que foi chamada de “Cheia de Graça”, faltaria um agrado que o Senhor não fizera nem mesmo à Sua própria Mãe – e, se Ele tivesse negado a glorificação do Corpo Àquela que O carregou do ventre, nós outros, pecadores miseráveis, não poderíamos jamais ousar esperá-la para nós próprios. Mas o Deus Altíssimo não é mesquinho e, por isso, nós podemos ter esperança. Maria Santíssima foi assunta aos Céus, e a Vitória de Cristo está completa. Salve, ó Virgem Gloriosa! Lembrai-Vos de nós na presença de Deus. Rogai por nós, os pecadores. Sede em nosso favor. Alcançai-nos as graças de Deus. Sede nossa salvação.
Assumpta est Maria in caelum:
gaudent Angeli, laudantes benedicunt Dominum.