Alguém já disse que a única coisa pior do que uma imprensa hostil ao Papa é uma imprensa que o festeje. Os católicos têm-no percebido ao longo do último pontificado: o Papa Francisco pode dar mostras inequívocas de catolicismo zeloso setenta vezes por dia, que – mesmo assim! – só serão alçadas às manchetes seculares aquelas coisas que forem capazes de incutir, no leitor, uma imagem distorcida da Igreja Católica.
Qualquer mínimo contato com a realidade demonstra isso que estou falando. Hoje mesmo um amigo, não-católico, dizia-me achar que o Papa Francisco estava preparando uma “religião mundial”. Ora, isso não faz nenhum sentido. Não apenas por uma questão de direito (a Igreja Católica, nós o sabemos, é a instituição fundada pelo próprio Cristo para perpetuar a mensagem da Salvação através do tempo, e conta com o auxílio infalível do próprio Deus para desempenhar essa divina missão etc.), mas também por uma questão de fato: o Papa Francisco repete, o tempo todo, que somente Jesus Cristo salva, que somente na Igreja Católica se encontra Jesus Cristo, que é necessário fazer parte da Igreja etc. Provavelmente se pode dizer que ele é o Papa que mais insistentemente tem falado isso nas últimas décadas! À guisa de exemplo, algumas das coisas que anotei aqui no Deus lo Vult! (todas são palavras do próprio Papa Francisco – as referências estão lá):
- Março de 2013: «Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens. Este anúncio permanece válido hoje como foi no início do Cristianismo».
- Abril de 2013: «[S]implesmente é isto que Jesus disse: ‘Eu sou a Porta’, ‘Eu sou o Caminho’ para nos dar a vida. Simplesmente. É uma porta bela, uma porta de amor, é uma porta que não nos engana, não é falsa. Sempre disse a Verdade. Há talvez caminhos mais fáceis, mas são enganosos, não são verdadeiros: são falsos. Somente Jesus é o Caminho».
- Setembro de 2013: «[N]ão existe caminho de vida, não existe perdão nem reconciliação fora da mãe Igreja».
- Janeiro de 2015: «Nenhuma manifestação de Cristo, nem sequer a mais mística, pode jamais ser separada da carne e do sangue da Igreja, da realidade histórica concreta do Corpo de Cristo».
É de uma eloquência invejável, de uma clareza cristalina: de Bento XVI ou de S. João Paulo II eu não teria uma antologia dessas para apresentar! No entanto, a dar ouvidos à voz do povo, o Papa que vai inventar uma supra-religião amorfa que congrace promiscuamente os mais diferentes credos é… o Papa Francisco! Como é possível tamanha discrepância entre o que o Papa passa os dias dizendo e a percepção que tem dele o não-católico (ou mesmo o católico médio)?
O problema, como eu disse acima, é a mídia. Pior do que falar mal é enaltecer seletivamente. Quando o Papa Francisco repete extra ecclesiam nulla salus de duzentas maneiras distintas, ninguém dá um pio. Quando o Papa fala alguma coisa da qual se possa construir uma interpretação contrária ao Catolicismo, então é esta interpretação que se alardeia aos quatro ventos como se fosse a última declaração infalível de um Pontífice falando ex cathedra. A pior forma de conhecer um Pontificado é o perceber através da mídia anti-católica! É a pior ignorância, porque ela se manifesta travestida de informação fidedigna.
De ontem para hoje, contudo, este relacionamento amoroso fingido (impossível não lembrar os versos de Augusto dos Anjos: cuidado, que «a mão que afaga é a mesma que apedreja»…) entre a imprensa anti-católica e o Papa Francisco parece ter sofrido um duro golpe. Foi no avião que o levava às Filipinas. Referindo-se à liberdade de expressão, o Sumo Pontífice disse que o seu amigo poderia esperar (no vídeo se ouve bem o verbo aspettare) uma bofetada caso falasse mal de sua mãe. No original: «se il dott. Gasbarri, grande amico, mi dice una parolaccia contro la mia mamma, gli arriva un pugno!». Foi o suficiente.
Papa fala bobagem!, disseram daqui; Papa tropeça e diz besteira!, berraram acolá. O Reinaldo, aliás, gravou até um vídeo sobre o assunto. A mesmíssima hipertrofia seletiva que nos acostumamos a ver a mídia fazer nos últimos meses; o mesmo cherry-picking tantas vezes empregado para apresentar ideias estranhas ao Catolicismo como se viessem do Pastor Supremo da Igreja. Dessa vez, contudo, em desfavor da figura do Papa Francisco. Que sirva de lição. Oxalá o imbroglio possa provocar, doravante, uma certa sadia desconfiança da mídia laica, cuja competência para transmitir o pensamento religioso alheio é (para dizer o mínimo) bastante questionável.
O assunto nem merece muito latim. Para mostrar que o Papa – é óbvio! – não estava “justificando” o atentado islâmico, bastaria citá-lo no parágrafo imediatamente anterior à “declaração polêmica”: «non si può uccidere in nome di Dio. Questa è una aberrazione. Uccidere in nome di Dio è un’aberrazione». “Não se pode matar em nome de Deus. Isto é uma aberração. Matar em nome de Deus é uma aberração” – do jeito enfático que lhe é peculiar. Sinceramente, pode haver alguma dúvida?
No entanto – e à semelhança do que é feito com as pregações pontifícias ostensivamente católicas que eu listei mais acima -, quem liga? A mídia nunca esteve interessada em transmitir fielmente o pensamento papal. O seu modus operandi é o de pinçar algumas frases soltas e lhes dar o primeiro sentido estapafúrdio que lhe vier à cabeça: há anos é assim. Se agora isso é feito de maneira a “azedar” as relações midiáticas com o Papa Francisco, louvado seja Deus!, tanto melhor. Tem feito muito mal à Igreja a imprensa que enaltece o Papa. Parece que estávamos precisando, de novo, de uma mídia que o denegrisse.