Foi em 1993. Eu tinha nove anos de idade, mas me recordo perfeitamente da música: “O plebiscito, / palavra difícil, / torna mais fácil encontrar a verdade! / Nosso passado é o pai do futuro: / quem foi rei nunca perde a majestade. / Quem foi rei nunca perde a majestade”.
Não podia deixar de recordar a música hoje, quando estou ainda sob os efeitos da brilhante conferência de Sua Alteza Imperial e Real o Príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, proferida ontem à noite em Campina Grande por ocasião do lançamento da revista Vila Nova. São amigos caríssimos os responsáveis pela revista; fora eu próprio convidado e reconvidado, nominalmente, para prestigiar o evento. Mesmo cansado, não podia deixar de ir. Arrepender-me-ia amargamente se tivesse ficado em Recife.
E fui. De Recife a Campina Grande, segundo o Google, são 190 quilômetros que percorri contente. Saí à tarde, às pressas; cheguei quase no exato momento em que a mesa era formada e as mensagens de apoio à iniciativa da revista eram apresentadas. Depois, alguns rápidos pronunciamentos de membros da Sociedade São Bento e responsáveis pela publicação; logo após, o momento tão esperado da palestra do Príncipe. Ontem à noite, o prazer de ouvi-lo falar era indescritível: a Família que um dia deteve o Trono do Brasil não perde a graça, a educação e os bons modos com a perda do poder temporal. A majestade do Príncipe estava intacta a despeito do seu Trono ter sido usurpado.
Confesso, envergonhado, que nunca antes ouvira Dom Bertrand falar. Tanto melhor, que a forte impressão positiva da palestra de ontem marcou-me mais profundamente. Sua Alteza é um orador nato, de modo que chega a ser assombroso. O discurso não estava já escrito; ele falava de memória. A linha de raciocínio era reta e clara, da qual o Príncipe só se afastava para abrir algum parêntese que, logo depois, era fechado e fazia o fluxo da conferência retornar ao seu fio principal. Lembro-me do que disse ontem para alguns amigos: há pessoas prazerosas de se ouvir mas que, contudo, não dizem lá muita coisa que se aproveite, e há também pessoas que têm um excelente conteúdo a transmitir mas que, no entanto, são difíceis de acompanhar. Dom Bertrand une estas duas qualidades no seu sotaque macio e consegue ser, simultaneamente, um orador que ouvimos com prazer e do qual podemos aprender bastante coisa. A conferência foi maravilhosa.
Vi o Príncipe falar da história do Brasil e de Portugal, pontuada por episódios familiares (afinal de contas, estamos falando do bisneto da Princesa Isabel e trineto do Imperador Dom Pedro II) que não costumam figurar nos livros de história. Vi-o apresentar o período do “Brasil Colônia” de uma forma bem diferente do esquema “explorador-explorado” que estamos acostumados a estudar sob o tópico de “História do Brasil” no colégio: vi-o falar de um Reino que se estendia para além das fronteiras do Atlântico e o qual, antes de ser “colônia de exploração”, era extensão legítima – de fato e de direito – da Coroa Portuguesa. Vi-o relatar a “fuga” da Família Imperial de Lisboa não de forma intempestiva e desesperada, mas politicamente planejada: de tal forma que as tropas francesas foram frustradas pelo engenho de Dom João VI, o (único) rei que deixou Napoleão literalmente “a ver navios”, consagrando assim a expressão que até os dias de hoje é usada. Vi-o falar com ternura da sua bisavó, a Princesa Regente Isabel do Brasil, apresentada como uma mulher forte e decidida que não poupou esforços para – na contramão das conjunturas políticas de então – fazer o melhor para o povo brasileiro.
– Papai, é verdade que um dia este povo será meu? – Não, minha filha – respondeu Dom Pedro II -, um dia tu serás deste povo. A história é simples mas significativa. Mostra a diferença entre a nobreza sinceramente preocupada com as pessoas que a Divina Providência lhe confiou e os tiranos absolutistas sem outra preocupação que não obter benesses às custas da exploração do povo. Para a mentalidade revolucionária moderna, todos os monarcas são do segundo tipo. Se tal fosse verdade, seria um fenômeno verdadeiramente notável que tantas nações tivessem prosperado ao longo de tantos séculos sem outra força motriz que não estas práticas tão execráveis. A absurda incoerência das proposições, no entanto, não raro passa despercebida. Saúda-se a República como “O Progresso” por antonomásia, sem que se gaste muito tempo pensando no assunto.
Contra esta visão canhestra da História estão os descendentes da Família Imperial, os que guardam a memória da monarquia brasileira e podem contá-la com a força do testemunho de um “Meninos, eu vi”. Se as gerações posteriores perderam o contato com este passado, é algo pelo qual não podemos senão lamentar; mas é reconfortante notar que parece haver uma juventude cansada das vilezas do cenário político atual, uma juventude que se maravilha com a descoberta da verdadeira história da sua Pátria – que outros muitos gostariam de ver enterrada e esquecida. Mas isto eles não conseguirão, porque – graças ao bom Deus! – nós temos ainda os legítimos curadores deste legado, nós temos pessoas como Dom Bertrand que conseguem fazer – e com maestria! – esta tão necessária ponte entre o presente e o passado, condição indispensável para que a nossa Pátria encontre o futuro glorioso ao qual está destinada.