Quando criança, eu assistia ao “Xou da Xuxa”, tinha os discos do Balão Mágico e do Trem da Alegria. Mas só quando cresci descobri, com horror, a imoralidade existente nesses programas e músicas “infantis” da década de oitenta. Não acho que seria exagerado dizer que parte da responsabilidade pela depravação moral dos jovens do final da década passada para cá deve ser creditada a estas coisas “infantis” às quais eles foram expostos quando eram crianças.
Procurava no youtube ainda há pouco uma música que eu ouvia quando era criança, chamada “Pra ver se cola”. Cola o teu desenho no meu / pra ver se cola / cola o teu retrato no meu / e me namora. [Aliás, só agora, depois de vinte anos, eu descobri que a letra dizia “cola o teu desenho no meu”, porque eu sempre havia cantado, até hoje, “cola o teu pezinho no meu”…] Encontrei-a, com os meninos fazendo uma apresentação no Xou da Xuxa. Quando eu era criança, achava a coisa mais inocente do mundo; hoje, no entanto, vi as crianças cantando, e o clima de “paquera” existente na música representado no palco, e a dança com beijinhos e cabecinhas coladas, e achei isso – ainda que inocente – extremamente precoce. Crianças de seis, sete, oitos anos de idade não deveriam estar cantando “me namora”.
“Ah, deixa de ser exagerado”, alguém pode dizer, “é claro que ninguém vai virar um depravado na juventude por cantar uma coisa inocente como ‘cola o teu desenho no meu’ na infância”. Não, eu não estou exagerando, porque “Pra ver se cola” não é um caso isolado e nem é o pior. Vejam, por exemplo, esta outra música sobre a Xuxa do mesmo Trem da Alegria. Eu me lembro dela. Lembro-me de que a cantava. Mas não entendia a malícia da letra quando era criança: eu fico imaginando, quero ser seu namorado / mas fico com vergonha do meu pai que está do lado / você é a culpada do meu banho demorado / Xuxa… Oras, como assim, “você é a culpada do meu banho demorado”?! Alguém consegue me explicar como foi possível que os pais deixassem as crianças cantarem que ficavam um tempão trancadas no banheiro imaginando a Xuxa?
Insisto: é recorrente. Mais uma música: Fera Neném. Quando quero alguma coisa, eu berro / brinco de médico, ninguém é de ferro / […] / vou em frente, não dou bola pra bruxa, / acordo contente quando sonho com a Xuxa. Como é possível que ninguém tenha protestado contra esta perversão da infância?
Mais exemplos: Rita Lee no Xou da Xuxa. No meio das crianças cantando Xuxuzinho [Papai do Céu, me dá um namorado / lindo, fiel, gentil e tarado] ou Pega Rapaz [Nós dois afim / de cruzar a fronteira / numa cama voadora, fazedora de amor / de frente, de trás / eu te amo cada vez mais / de frente, de trás / pega rapaz, me pega rapaz, / de frente, de trás / […] / Alô doçura, / me puxa pela cintura / tem tudo a ver o teu xaxim / com a minha trepadeira] – deixar crianças cantarem este tipo de pornografia faz sentido para alguém?
Enfim: as crianças que imaginavam os namoricos de escola das canções, que tomavam “banhos demorados” pensando na Xuxa e acordavam contentes quando sonhavam com ela, que brincavam de médico porque “ninguém é de ferro”, que escutavam, cantavam e dançavam as músicas pornográficas da Rita Lee, poderiam porventura formar uma geração de vestais quando crescessem? Acaso isso é educação? Se as crianças tiveram a sua infância roubada e, no lugar dela, apresentaram-lhes este bombardeio de temas adultos e até mesmo imorais, é de se espantar que os jovens sejam o que são?
Aliás, se os programas e músicas infantis da década de oitenta tiveram realmente esta influência negativa na geração de jovens que se lhes seguiu, eu não quero nem imaginar como vão ser os jovens que cresceram escutando axé e funk. Que Nosso Senhor tome conta das crianças do Brasil.