Jesuítas e Frades – Castro Alves

[Dia desses, eu conversava com um amigo sobre a colonização do Novo Mundo; e, comentando sobre o papel desempenhado pelos jesuítas nesta Terra de Santa Cruz, lembrei-me de um poema de Castro Alves, que eu havia lido há algum tempo, precisamente sobre os jesuítas e no qual o poeta baiano os apresentava de uma maneira bem elogiosa e bem diferente do que, hoje, escutamos amiúde por aí. Trago-o à apreciação dos leitores.

Apesar do patente preconceito do poeta contra a Idade Média – natural, dado o Iluminismo do qual bebiam os românticos -, o poema serve de eloqüente testemunho histórico para se dizer o seguinte: mesmo um brasileiro nutrido com idéias iluministas e com rasgos de anti-clericalismo como Castro Alves não se abstém de falar em defesa dos clérigos que vieram ao Novo Mundo. Têm particular força essas palavras dirigidas aos Jesuítas e Frades: “O poeta americano / Vos deve amortalhar no verso soberano”…]

JESUÍTAS E FRADES

II

Que o mundo antigo s’erga e lance a maldição
Sobre vós… remembrando a negra Inquisição
A hidra escura e vil da vil Teocracia
O Santo Ofício, as provas, o azeite, a gemonia…
Lisboa, Tours, Sevilha e Nantes na tortura,
Na fogueira Grandier, João Huss na sepultura,
Colombo a soluçar, a gemer Galileu…
De mil autos-de-fé o fumo enchendo o céu…
Que a maldição vos lance à pena do gaulês
Tendo por tinta a borra das caldeiras de pez…
Que o germano a sangrar maldiz em férreos hinos.

É justo!…
A História cega, aquentando o estilete,
Nas brasas que apagar não pôde o Guadalete,
Tem jus de vos marcar com o ferro do labéu,
Como queima o carrasco o ombro nu do réu…

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Mas enquanto existir o grande, o novo mundo
Ó filhos de Jesus!… um cântico profundo
Irá vos embalar do sepulcro no solo…
A América por vós reza de pólo a pólo!
Dizei-o, vós, dizei, Tamoios, Guaranis,
Iroqueses, Tapuias, Incas e Tupis…
A santa abnegação, o heróismo, a doçura,
O amor paternal, a castidade pura
Desses homens que vinham, envoltos no burel,
A derramar dos lábios o amor – divino mel,
O perdão – óleo santo, a fé – mística luz,
E o Deus da caridade – o pródigo Jesus!…

Oh! não! Mil vezes não! O poeta americano
Vos deve sepultar no verso soberano
– Pano negro que tem por lágrimas de prata
As lágrimas que a musa inspirada desata!!!

Se aqui houve cativos – eles os libertaram.
Se aqui houve selvagens – eles os educaram.
Se aqui houve fogueiras – eles nelas sofreram.
Se lá carrascos foram – cá, mártires morreram.
Em vez do inquisidor – tivemos a vedeta.
Loyola – aqui foi Nóbrega, Arbues – foi Anchieta!

Oh! não! Mil vezes não! O poeta americano
Vos deve amortalhar no verso soberano
– Pano negro que tem por lágrimas de prata
As lágrimas que a musa inspirada desata!…

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[Alves, Castro, “Os Escravos”, pp. 116-117, Ed. L & PM, Porto Alegre, 2002]