O Sínodo, o Papa e o Rei

Sobre o iminente Sínodo da Amazônia, duas ou três ligeiras palavras.

Primeiro, não é demais lembrar que o Sínodo, enquanto Conselho Episcopal, não foi inventado agora, mas se reúne regularmente há mais de meio século — desde o Vaticano II. Mês que vem, vai falar sobre a Amazônia, mas já falou, em anos recentes, sobre os jovens, sobre a família, sobre a África. As suas atividades não iniciaram agora e, conquanto se lhe possam fazer todas as críticas aplicáveis à própria hierarquia católica nestes tempos de crise, não dá para dizer que ele é um braço do globalismo, uma ameaça à soberania nacional brasileira ou um instrumento da autodemolição do Catolicismo.

Segundo, particularmente sobre este último ponto: o Sínodo certamente não vai ordenar mulheres. O próprio Papa Francisco, perguntado mais ou menos recentemente (em maio último) acerca das conclusões a que chegaram a comissão instituída para estudar sobre o diaconato feminino, deu esta resposta:

Quanto ao diaconado feminino: há uma maneira de o conceber, não com a mesma visão do diaconado masculino. Por exemplo, as fórmulas de ordenação diaconal encontradas até agora – segundo a comissão – não são as mesmas da ordenação diaconal masculina, e assemelham-se mais àquela que hoje seria a bênção duma abadessa. (…) Estas são as coisas que recordo. Fundamental, porém, é que não há certeza de que se tratasse duma ordenação com a mesma forma e finalidade da ordenação masculina. Alguns dizem: permanece a dúvida, vamos continuar a estudar. Eu não tenho medo do estudo. Contudo, até agora, nada se concluiu…

Conferência de imprensa do Santo Padre durante o voo de regresso de Skopje

E as funções destas antigas diaconisas, segundo o Papa, são exatamente aquelas sobre as quais cansámos de falar aqui: auxiliar no Batismo das mulheres (“como os Batismos eram por imersão, quando se batizava uma mulher, as diaconisas ajudavam; inclusive para a unção do corpo da mulher”), avaliar problemas conjugais (“[q]uando a mulher acusava o marido de a espancar, as diaconisas eram enviadas pelo bispo para verificarem as contusões no corpo da mulher e poderem assim testemunhar no julgamento”), etc. Não tem nada a ver com o diaconato masculino que é o primeiro grau do Sacramento da Ordem.

Aliás, nesta mesma ocasião, Sua Santidade levanta um ponto que, a mim, ainda não havia ocorrido, e que é um forte testemunho em favor da exclusividade masculina do sacerdócio católico enquanto vontade positiva de Cristo, e não meramente como uma tolerância aos costumes sociais da época. É que o paganismo conhecia perfeitamente a figura do sacerdócio feminino — as vestais, a pitonisa — e o Cristianismo nascente, tão acusado de copiar os ritos e práticas do politeísmo então praticado, fez questão de reservar apenas aos homens o seu sacerdócio. Nas palavras do Papa:

Mas é curioso: naquela época, havia muitas sacerdotisas pagãs, o sacerdócio feminino nos cultos pagãos existia por todo o lado. E, como se explica que, havendo este sacerdócio feminino – sacerdócio pagão -, o sacerdócio não fosse dado às mulheres no cristianismo?

Conferência de imprensa do Santo Padre durante o voo de regresso de Skopje

Ou seja: o que se pode afirmar, com todo o rigor histórico, é que ordenação de mulheres não é avanço algum, mas sim retrocesso ao paganismo politeísta. Causa finita.

É apenas possível, embora muito pouco provável, que o Sínodo intente resgatar a instituição de uma espécie de diaconato feminino nestes moldes: o de uma função religiosa, porém laical, similar ao “que hoje seria a bênção duma abadessa”. Como é também possível (e pouco provável) que venha do Sínodo alguma autorização, ad experimentum, para a ordenação de homens casados como é praticado até hoje nas Igrejas Orientais (mesmo nas unidas a Roma). Nenhuma dessas coisas é o triunfo do Anticristo, porque as abadessas e o clero casado fazem parte da Igreja Católica há muitos e muitos séculos; tais disposições, repito, improváveis, mas possíveis, se vierem, estarão dentro do legítimo munus regendi da Igreja e não nos devem perturbar a paz da alma. Não seriam muito piores do que os muitos atos de governo desastrosos que nós já nos acostumamos a encontrar todos os dias a nosso redor. Oremus pro Ecclesia Sancta Dei.

Um terceiro e último ponto: ouve-se que o Sínodo poderia ser instrumentalizado pela esquerda para desestabilizar o governo Bolsonaro e, neste sentido, já ecoa, na mídia nacional, que há bispos sendo criminalizados. Ora, isso é uma suprema estultice e um discurso insidioso que os católicos devem rechaçar com veemência. A uma porque os grandes problemas atuais da Igreja Católica são com a sua Doutrina e (mais ainda) com a sua disciplina: se, por absurdo, o Sínodo se dedicasse exclusivamente a condenar as queimadas da Amazônia, com certeza muitos de nós respiraríamos aliviados. A duas porque, como disse recentemente, há questões sociais e ambientais que podem e devem ser informadas pela vitalidade do Evangelho, não existindo assunto humano sobre o qual a Igreja não tenha uma palavra a dar, nem circunstância do século totalmente alheia à caridade cristã que nos constrange a tudo ordenar a Cristo.

E a três porque, sinceramente, entre o Vigário de Cristo e o Presidente da República Federativa do Brasil, é óbvio e evidente que todo e qualquer católico deve tomar partido pelo primeiro. Em um trágico confronto direto entre a esquerda católica e a direita protestante, é a primeira que deve ter a preferência dos que pretendem levar a sério as promessas do seu Batismo. Se o papa pode ser ruim, pior é o rei que se põe contra o papa. Nestes tempos de ânimos exaltados, de lideranças incertas e de juízos superficiais, convém não esquecer nunca que o nosso primeiro e mais fundamental compromisso é com o Reino de Deus e não com a cidade dos homens.

Mudanças na Cerimônia do Lava-Pés — o que significam?

Hoje, no site do Vaticano, foram tornados públicos dois documentos: uma carta que o Papa Francisco enviara ao prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos no final de dezembro de 2014, onde solicitava uma alteração nas rubricas do Missal Romano referentes à Missa da Quinta-Feira Santa para que estas autorizassem o uso de mulheres na cerimônia do Lava-Pés (e não apenas fiéis do sexo masculino — viri selecti — como se dispunha até então); e o Decretum daquela Congregação determinando a mudança do Rito, datado de seis de janeiro p.p. (em italiano aqui). Uma tradução não-oficial da carta pontifícia pode ser encontrada aqui, e é de onde tiro o seguinte excerto:

[D]esde há já algum tempo que estou a reflectir sobre o Rito do “lava pés”, inserido na Liturgia da Missa in Coena Domini, com a finalidade de aperfeiçoar o modo com que se realiza, para que exprima plenamente o significado do gesto realizado por Jesus no Cenáculo, a sua entrega “até ao fim” para a salvação do mundo, a sua caridade sem fronteiras.

Antevendo as críticas, talvez não seja despiciendo lembrar aquela declaração solene do Concílio de Trento segundo a qual «a Igreja sempre teve o poder de, ao administrar os sacramentos, determinar e mudar, salva [sempre] a sua substância, o que julgar conveniente à utilidade dos que os recebem e à veneração dos mesmos sacramentos, conforme a variedade dos tempos e lugares» (Trento, Sessão XXI, Cap. 2 (931)). Portanto, não há espaço para os já tradicionais rasgar de vestes de um lado e lançar confetes do outro, como se o Papa estivesse dilapidando o patrimônio divino do Cristianismo ou abrindo enfim as portas da Igreja às reivindicações do mundo moderno. Desde que o mundo é mundo que a Igreja pode «mudar (…) o que julgar conveniente» em Seus ritos litúrgicos. O Papa está, portanto, no mais pacífico exercício do seu munus de governar a Igreja. O resto é tentativa desprezível de capitalizar as atitudes papais em benefício da própria agenda político-ideológica. Não merece atenção.

São outras as coisas que aqui merecem uma consideração mais atenta. Primeiro, uma consideração de ordem, digamos, sociológica: da forma como as normas litúrgicas são recebidas no seio das Igrejas Particulares. No interior do caos litúrgico em que nós infelizmente vivemos, a presença de mulheres na celebração de Lava-Pés não se pode chamar de novidade inaudita. Em parte devido à terrível ignorância dos católicos — conticuit populus meus eo quod non habuerit scientiam… –, em parte pelo aberto descontentamento de alguns a respeito da posição da Igreja sobre a diferença entre os sexos, o fato é que a utilização de mulheres entre os viri selecti exigidos pelas rubricas já se havia constituído em um verdadeiro costume contra legem.

A idéia de legalizar o abuso para o coibir não é indene a críticas, principalmente porque ela evoca — mutatis mutandis — certas práticas de política criminal pouco honestas que intentam reduzir os índices de criminalidade por meio da descriminalização dos crimes. No entanto, dela se pode ao menos dizer que é mais honesta e coerente do que a situação anterior, onde o Papa vinha a público lavar os pés de mulheres quando as rubricas expressamente o proibiam. Sendo o Papa a autoridade competente em matéria litúrgica para determinar quais os pés que se podem lavar na Missa In Coena Domini, não fazia o menor sentido que ele, podendo mudar a lei, insistisse na sua violação. Por mais que se trate de um aspecto que alguém pode dizer de somenos importância, a fidelidade é de ser buscada mesmo nas pequenas coisas. Com o Decretum do início deste mês, o Papa Francisco deixa de praticar abusos litúrgicos neste quesito — o que não deixa de provocar um certo alívio.

Uma segunda coisa importante a ser considerada é o motivo pelo qual as rubricas previam que apenas homens fossem escolhidos para o Lava-Pés. A argumentação tradicional ia na linha de que aquela cerimônia estava inserida no contexto da Última Ceia, para a qual Nosso Senhor não convocou senão os Apóstolos — homens todos eles. É o argumento, aliás, usado para vedar às mulheres o acesso ao sacerdócio ministerial: foi Cristo quem expressamente as excluiu deste ministério específico, não obstante as tenha enviado para fazer uma centena de outras coisas importantes (como, por exemplo, serem testemunhas privilegiadas da Ressurreição). À parte quaisquer discordâncias interpretativas que possa haver aqui, o fato histórico inconteste é que, na primeira Quinta-Feira Santa, apenas homens tiveram os seus pés lavados por Nosso Senhor.

Pode-se lamentar o fato de que esta mudança litúrgica, além de negligenciar a exatidão histórica dos fatos que na Semana Santa se celebram, possa enfraquecer o sentido do sacerdócio ministerial. Afinal (já ouço os inimigos da Igreja bradarem…), se até mesmo ao Lava-Pés as mulheres se fazem presentes, por que excluí-las da Ceia que vem logo em seguida? Não seria o caso de se repensar a Ordinatio Sacerdotalis?

Em resposta a este sofisma vem a terceira coisa importante desta mudança litúrgica. Com ela, o Papa Francisco introduziu oficialmente uma clivagem na celebração da Última Ceia, explicitando uma distinção teológica que, conquanto fosse evidente, não tinha ainda — ao menos não neste contexto — expressão litúrgica que lhe correspondesse.

Na Quinta-Feira Santa há duas cenas distintas e muito bem definidas. Em uma delas, Nosso Senhor lava os pés aos Apóstolos; na outra, oferece o Sacrifício do Seu Corpo e Sangue sob as espécies do Pão e do Vinho. Na primeira delas proclama o mandamento do serviço; na segunda, institui o sacerdócio ministerial. Parece bastante óbvio que os destinatários de ambas as mensagens não são os mesmos: embora apenas os sacerdotes ordenados tenham o poder de oferecer o Santo Sacrifício da Missa, é a todos os cristãos que se estende o mandato do serviço expresso no «também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros». Na mesma Noite, em seus dois momentos distintos, os Apóstolos estão representando parcelas diferentes do povo de Deus. À Mesa, enquanto convivas que recebem o Pão e o Vinho das mãos do Divino Redentor, fazem as vezes dos sacerdotes ordenados; mas enquanto servidos por Cristo que, toalha à cintura, lava-lhes os pés, representam a totalidade dos cristãos. Apenas os sacerdotes têm o poder e o dever de celebrar a Missa; mas o mandatum da Caridade, têm-no todos os católicos — homens e mulheres, velhos e jovens, doentes e sãos, leigos, clérigos e religiosos — e não apenas os sacerdotes ordenados. Sob essa ótica, a separação dos dois momentos antes distingue que confunde os papéis.

Há sem dúvidas a possibilidade de que homens maliciosos empreguem a mudança para tentar rediscutir sentenças definitivas do Magistério da Igreja; cumpre, portanto, desautorizá-los desde já. O Papa pediu que aos fiéis que fossem escolhidos para o Lava-Pés «seja dada uma explicação adequada do significado do próprio rito»; o Decretum que o regulamenta manda também, explicitamente, aos pastores «istruire adeguatamente sia i fedeli prescelti sia gli altri» — instruir adequadamente tanto os fiéis escolhidos quanto os outros. Sejam, portanto, todos devidamente informados. O mandatum caritatis, expresso no Lava-Pés, é coisa distinta do potestas sacerdotalis conferido ao partir do Pão. Tendo o Romano Pontífice distinguido claramente as duas coisas, não seja dada aos lobos a oportunidade de confundir o rebanho do Senhor.

Parabéns, pe. Nildo!

40 anos de vida, 10 anos de sacerdócio. Ontem foi o aniversário do reverendíssimo padre Nildo Leal de Sá, pároco da Paróquia de São Sebastião e São Cristóvão, na Imbiribeira. Apesar da chuva, lá estive; para agradecer ao Bom Deus pelo bom padre que Ele nos enviou. Para pedir-Lhe que ele seja sempre fiel, independente das tribulações que porventura tenha que atravessar. Que digo? Independente das tribulações que certamente terá que atravessar. E talvez eu devesse ousar ainda mais: que seja fiel devido às tribulações que precisará atravessar. Porque os sofrimentos são o distintivo dos cristãos; o mundo não entende essas coisas, nem as entende quem é do mundo.

O cristão – e de modo particularíssimo o sacerdote – não é do mundo, a despeito de estar por aqui. Aponta-nos o Céu, conduz-nos para Deus, leva-nos para o Alto! Ainda no dia anterior, no domingo, o pe. Nildo recordava, na homilia, a clássica passagem de São João Maria Vianney a caminho de Ars. O santo, viajando para a sua nova paróquia, sem saber exatamente onde ficava o vilarejo, encontrou-se com um garoto na estrada. “- Como faço para chegar a Ars?”, “-Vá por ali, seu cura” – apontara o pequeno. E o sacerdote sentenciou: “tu me mostraste o caminho de Ars; eu te mostrarei o caminho do Céu”.

O sacerdote não é deste mundo! Não se lhe exige que saiba das coisas do mundo. Espera-se dele, sim, que saiba o caminho do Céu, e que esteja disposto a ensiná-lo às almas que a Divina Providência lhe confiar. Não é necessário saber chegar a Ars para se ser santo. E, em um mundo onde tantas vezes encontramos excessivos cuidados com as coisas desta terra, reconforta-nos ver um sacerdote como o padre Nildo, dedicado às coisas do Céu.

Que seja fiel, que seja santo; é o que mais sinceramente desejo. Como eu dizia acima, por causa mesmo das tribulações que atravessará, porque Deus não é Deus de poucas coisas e, já que é para pedir, peçamos coisas grandes, as quais por nossos próprios méritos nem mesmo ousaríamos esperar – como foi rezado em uma das orações de ontem. Que se santifique não meramente vencendo os empecilhos provocados pelos sofrimentos, mas utilizando-se dos próprios sofrimentos como meio privilegiado de santificação; como matéria de sacrifício, a ser oferecida ao Pai Santo em união às dores de Nosso Senhor no Calvário. Vêm-me à mente os versos da Irmã Dutra que já pus aqui outra vez, mas que são extraordinariamente adequados à vida sacerdotal e, por isso, trago-os de novo na íntegra:

* * *

De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…

De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!

Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…

E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.

* * *

E é esta santidade que desejo, ó Deus, ao reverendíssimo sacerdote e caríssimo amigo: a do “sândalo (…) cortado e retalhado” para exalar um perfume agradável a Vós; a do “homem do fracasso” que não obtém nesta vida os frutos do seu trabalho; a do filho que se sente devorado pelo Vosso amor, “sem nunca Vos sentirdes satisfeito”; a do “homem consagrado lentamente… consumindo a Vossa morte”.

Parabéns, padre Nildo. Ad multos annos! Abaixo, algumas fotos da celebração.

De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…

De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!

Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…

E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.

“Ó, que grandioso é o sacerdócio!”

O Santo Cura d’Ars sempre manifestou a mais alta consideração pelo dom recebido. Afirmava: “Ó, que grandioso é o sacerdócio! Só se compreende bem no Céu… mas se o compreendesse sobre a terra, morrer-se-ia, não de temor, mas de amor”

– Bento XVI, 05 de agosto de 2009

Hoje a Igreja celebra a festa de São João Maria Vianney, o santo cura d’Ars, patrono dos párocos, honra do clero francês. Um homem simples, mas que soube entregar-se desmedidamente ao serviço de Deus e, por isso, o Altíssimo fez maravilhas em sua vida.

Era filho de camponeses. Queria ser padre, mas quase não o consegue por conta dos sucessivos insucessos nos estudos necessários para tal. No entanto, não desistiu: contra todos os prognósticos, foi adiante, insistente, até conseguir levar a cabo os seus estudos e ordenar-se sacerdote do Deus Altíssimo.

A sua limitação intelectual chega a ser anedótica! Não sei a veracidade da história, mas conta-se que o santo, certa feita, confrontado com um seu superior que o tentava dissuadir do sacerdócio argumentando exatamente que a inteligência refinada (que tanto faltava ao santo!) era necessária ao ofício de pastoreio das almas, respondeu singelamente: “Davi, com uma atiradeira feita da mandíbula de um burro, derrubou o gigante Golias; imagine o que Deus não poderá fazer tendo nas mãos o burro inteiro?”. De onde se vê que, ao santo, embora talvez faltasse alguma habilidade mais específica exigida para os estudos acadêmicos, não lhe faltava sabedoria ou bom humor.

“Que grandioso dom é o sacerdócio”! Talvez o santo cura d’Ars percebesse-o melhor que os outros padres, porque para ele – devido à sua história – o aspecto do dom estava muito mais evidente do que o de mérito. Mas todo sacerdócio é um dom, ainda para o aluno laureado nos estudos do seminário, porque o sacerdócio é tão grandioso que ultrapassa infinitamente quaisquer méritos que os homens pudessem ter. Não, o sacerdócio não é a recompensa dos anos de estudos no seminário como um – digamos – diploma de medicina é a recompensa pelos anos de dedicação integral na faculdade. O sacerdócio é mais, muito mais: os efeitos são desproporcionais às (supostas) causas. De um médico pode-se dizer que é o que estudou na faculdade, e o mesmo de um engenheiro, um arquiteto, um jornalista; mas a santidade de um padre santo não encontra a sua causa nos estudos do seminário, por melhor aluno que ele tenha sido, por melhor o lugar onde ele tenha estudado. Olhe-se para o santo cura d’Ars! É de Deus que vem a santidade do sacerdócio. É um dom, um dom grandioso, com o qual Deus, pela Providência, agracia alguns dos Seus filhos.

Rezemos pelos sacerdotes! Para que sejam padres conforme São João Maria Vianney. Para que reconheçam quão grandioso é o dom do sacerdócio que do Altíssimo receberam e pelo qual terão um dia que prestar contas. Para que deixem a santidade vir de Deus, do alto, e não brotar dos próprios esforços humanos. Para que sejam santos, honrando a dignidade da vocação à qual foram elevados. Para que Deus nos conceda sempre sacerdotes bons e fiéis para cuidar do Seu povo.

“Reparai na vossa dignidade, sacerdotes!”

Esta eu li no Evangelho Quotidiano de hoje. É da carta de São Francisco de Assis a toda a Ordem. Trago somente os trechos que mais me comoveram:

Reparai na vossa dignidade, irmãos sacerdotes, e sede santos porque Ele é santo (1P 1, 16) […] Grande miséria e miserável fraqueza se, tendo-O assim presente nas mãos, vos entreteis com qualquer outra coisa!

Que todo o homem tema, que o mundo inteiro trema, que o céu exulte quando Cristo, o Filho de Deus vivo, Se encontra sobre o altar, entre as mãos do sacerdote. Que grandeza admirável, que bondade extraordinária! Que humildade sublime! O Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, humilha-Se pela nossa salvação, a ponto de Se ocultar numa pequena hóstia de pão.

Reparai na vossa dignidade, sacerdotes! Quem o diz é São Francisco, o poverello de Assis. Que diferença entre o verdadeiro santo e o “hippie medieval” que muitas vezes nos apresentam! Lembrei-me agora de Genésio Boff que, recentemente, declarou-se “católico apostólico franciscano”. Que diferença gritante entre o santo de Assis e o herege da Teologia da Libertação! Inspira-te o franciscanismo, Genésio? Olha, então, para o que diz São Francisco, e repara na tua dignidade sacerdotal!

Como não seria diferente o mundo de hoje, se os sacerdotes do Deus Altíssimo seguissem o sábio conselho franciscano e reparassem na própria dignidade. “Que todo o homem tema” quando Cristo é elevado na Santa Missa. “Que o mundo inteiro trema” neste momento terrível. E que o Altíssimo, elevado na Cruz do Calvário – e elevado pelo sacerdote no sacrifício quotidiano da Missa – tenha piedade de nós todos. E nos conceda piedosos sacerdotes, que tenham consciência da própria dignidade, e que se esforcem para ser santos como o Pai dos Céus é santo.

“O sacerdote, com quatro palavras, faz mais todos os dias, que se criara mil mundos” – pe. António Vieira

O perdoar pecados consiste formalmente em Deus ceder do jus e direito que sua justiça tem para os castigar, que é acto superior da sua misericórdia, parcendo maxime, et miserando: e como neste acto vence a misericórdia divina a justiça divina, também Deus se vence a si mesmo, que é «a maior vitória, a maior façanha do seu poder»: Omnipotentiam tuam maxime manifestas. Porém a do Filho de Deus em se consagrar ainda é maior, porque mais é poder-se fazer a si mesmo, que poder-se vencer; e isto é o que pode, e o que fez o Filho de Deus, sumo e eterno sacerdote, quando se consagrou no sacramento, porque realmente se tornou a fazer e reproduzir a si mesmo. Mas não parou aqui sua omnipotência e liberalidade, senão que este mesmo poder de o reproduzirem e fazerem a ele, comunicou aos sacerdotes, quando lhes disse: Hoc facite in meam commemorationem: «Isto mesmo que eu fiz, fazei vós». Expressamente S. Germano, venerado e alegado neste mesmo ponto pelos Padres gregos: Ipse dixit: hoc est corpus meum, hic est sanguis meus; ipse et apostolis jussit, et per illos universæ ecclesiæ hoc facere: hoc enim (ait) facite in meam commemorationem. Non sane id facere jussisset, nisi vim, hoc est, potestatem inducturus fuisset, ut id facere liceret. Ó poder quase incompreensível, e que só se pode admirar com o nome de estupendíssimo! Nos seis dias da criação, criou Deus com seis palavras todo este Mundo, e o sacerdote com quatro palavras faz mais todos os dias, que se criara mil mundos.

Declaremos bem este poder mal entendido, para que todos o entendam e pasmem. O lume da Igreja, St. Agostinho, exclama assim: O veneranda sacerdotum dignitas! in quorum manibus Dei Filius velut in utero virginis incarnatur!: «Ó dignidade veneranda dos sacerdotes, em cujas mãos o Filho de Deus, como no ventre sacratíssimo da Virgem Maria, torna outra vez a encarnar!» Em que consistiu a encarnação do Verbo Eterno? Consistiu na produção do corpo e alma de Cristo e na produção da união hipostática, com que a sagrada humanidade se uniu à subsistência do Verbo. E tudo isto faz o sacerdote com as palavras da consagração, produzindo outra vez, ou reproduzindo todo o mesmo Cristo. Na mesma conformidade falam S. João Crisóstomo, S. Gregório Papa, S. Pedro Damião, e o antiqüíssimo Teodoro Ancirano, famoso no Concílio Efesino. Mas porque cuidam alguns que semelhantes questões são mais debatidas e examinadas pelos teólogos modernos, quero também alegar as palavras de dois bem conhecidos na nossa idade. O P. Teófilo Rainaudo, tão perseguidor de opiniões, ou devoções pouco Sólidas, como se vê nos seus eruditíssimos livros contra Anomala pietatis, diz o que se segue: Sacerdos Christum sub accidentibus ponit, esse sacramentale illi conferendo per veram Christi productionem substantialem. E mais a baixo: Christus non producitur absque unione ad verbum, quia non est purus homo, sed suppositum ejus est Persona Filii: itaque in sacrificio Deus in manibus sacerdotum incarnatur. E noutro lugar: Quim etiam sacerdotis potestas extenditur ad efficiendam unionem hypostaticam, et transubstantionem panis, et vini. Não romanceio as palavras, porque são expressamente tudo o que tenho dito. E o P. Eusébio Neriemberg, varão de tanto espírito, erudição e letras, cujos livros todos trazem nas mãos, fazendo a mesma comparação, que eu já toquei, entre a criação do Mundo e consagração do corpo de Cristo, discorre e infere desta maneira: Mundum, et ea quæ in mundo sunt, produxit potentia Patris: sacerdotis vero potentia producit Filium Dei in sacramentum, et sacrificium, quo admirabilior potestas est sacerdotis transubstantiatione Filium Dei, quam creatione res perituras Dei Patris producentis. Quer dizer: «A potência do Eterno Padre produziu o Mundo, e  tudo o que há no mundo; a potência do sacerdote produz o Filho de Deus em sacramento e sacrifício; donde se segue que o poder do sacerdote, na transubstanciação do Filho de Deus, é muito mais admirável que a potência do Eterno Padre na criação de todas as cousas do Mundo, que hão-de acabar com ele.»

Padre Antonio Vieira,
Sermão de São Pedro

Carta ao Santo Padre, dos participantes do encontro sobre o Summorum Pontificum em Garanhuns

Fonte: Diocese de Garanhuns

A Sua Santidade
O Papa Bento XVI

Beatíssimo Padre,

Participantes do “I Encontro Sacerdotal sobre o Motu proprio Summorum Pontificum, um grande dom espiritual e litúrgico para toda a Igreja”, realizado na cidade de Garanhuns, PE, Brasil, nos dias 17, 18 e 19 de junho de 2010, patrocinado pela Diocese de Garanhuns e pela Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, com o apoio e o incentivo da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, expresso em carta de S. Emcia. o Cardeal William Levada, no encerramento deste nosso encontro e ainda sob a influência da graça do Ano Sacerdotal, vimos expressar a nossa profunda gratidão pelo ministério petrino de Vossa Santidade, a nossa sincera solidariedade, união e plena comunhão, bem como o nosso leal desejo de colaborar com o Sucessor de Pedro e Vigário de Jesus Cristo na aplicação da Carta Apostólica Summorum Pontificum, colocando todo o nosso empenho na construção da “Paz litúrgica”, tão desejada por Vossa Santidade.

Este nosso Encontro, que foi previamente comunicado à CNBB e à Nunciatura Apostólica no Brasil, contou com a participação de Sacerdotes oriundos de diversas partes do nosso País, cada qual com a devida permissão do seu Bispo ou Superior, tendo sido realizado, portanto, dentro do mais autêntico espírito de comunhão eclesial.

É com esse espírito de comunhão e colaboração com a Igreja no Brasil e no mundo que imploramos humildemente a Vossa Santidade a Benção Apostólica para nossas pessoas e nosso ministério.

Garanhuns, 19 de junho de 2010.

+ Fernando Guimarães, Bispo Diocesano de Garanhuns, PE

+ Fernando Áreas Rifan, Administrador Apostólico – Campos, RJ

+ Adalberto Paulo da Silva OFMCap, Bispo Auxiliar emérito de Fortaleza, CE

Mons. Lucilo Alves Machado, Reitor do Rosário dos Pretos, Natal, RGN

Mons. Joelson Alves de Andrade, Pároco de Santo Antônio, João Pessoa, PB

Pe. Paulo Sampaio, C.O – Congregação do Oratório, São Paulo, SP

Mons. Sérgio Costa Couto, Reitor de Nossa Senhora do Outeiro da Glória, representando a Arquidiocese do Rio de Janeiro, RJ

Pe. Jailton da Silva Soares, Vigário Paroquial da Catedral de Natal, RN

Pe. Érico Rodrigues de Mello Falcão, Vigário Paroquial da Catedral de Maceió, AL

Diác. João Jefferson Chagas, Arquidiocese do Rio de Janeiro, RJ

Pe. Nildo Leal de Sá, Pároco de São Sebastião e São Cristovão, Arquidiocese de Olinda e Recife

Frei Pedro Rogério Martins OFMConv, Pároco de Nossa Senhora Aparecida e Cristo Redentor, João Pessoa, PB

Frei Marcelo da Silva Dutra OFMConv, Vigário Paroquial de Nossa Senhora Aparecida e Cristo Redentor, João Pessoa, PB

Pe. Expedito Miguel do Nascimento, Administrador Paroquial Nossa Senhora dos Remédios, Recife, PE

Pe. José Sampaio Alves, Pároco de Porteiras, Diocese de Crato, CE

Pe. Claudiomar Silva Souza, Pároco da Igreja Principal da Administração Apostólica S. João Maria Vianney, Campos, RJ

Manoel Lourenço de Oliveira, seminarista da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, Paulista, PE

Rodrigo Alves de Oliveira Arruda, seminarista da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, Paulista, PE

Dom Bento de Lyra Allertin OSB, Prior Conventual do Mosteiro de São Bento de Pouso Alegre, MG

Pe. Ricardo Pereira da Silva, Pároco de Cristo Rei, Arquidiocese de Campo Grande, MS

Pe. Salmuel Brandão de Oliveira MSC, Professor de Sagrada Escritura, Faculdade Católica de Fortaleza, CE

Pe. Carlos Augusto Azevedo da Silva, Pároco de Santa Maria Goretti, Arquidiocese de Belém, PA

Pe. Marcelo Protázio Alves, Pároco da Imaculada Conceição, Quipapá, Diocese de Garanhuns

Pe. Wiremberg Silva, Arquidiocese de Belém

Pe. Reinaldo Barbosa, Vigário da Paróquia de Santa Rita de Cássia, Arquidiocese de Sorocaba, SP

Pe. José Emerson Alves da Silva, Pároco de São Sebastião, Diocese de Garanhuns, PE

Pe. José Edilson de Lima, Administração Apostólica São João Maria Vianney, Juiz Auditor do Tribunal Eclesiástico do Rio de Janeiro

“Eles deram o testemunho mais forte de sua fé: seu sangue”

É da semana passada, mas vale muito a pena para quem ainda não leu: “Do comunismo ao catolicismo e ao sacerdócio”. “Educado na União Soviética comunista, Yurko Kolasa não sabia nada da fé católica até o início de sua adolescência”. No entanto, a Igreja estava viva, mesmo sob a terrível perseguição que sofria.

E dava o testemunho silencioso – porém eloqüente – do sangue dos Seus mártires. E aquilo que Tertuliano dizia nos primórdios do Cristianismo permanece verdade até os dias de hoje: o sangue dos mártires é semente de cristãos. O martírio – palavra que significa precisamente “testemunho” – é capaz de provocar milagres. Até mesmo de transformar um militante comunista em sacerdote do Deus Altíssimo. Em pastor de almas.

Sanguis martyrum, semen christianorum! Prodigioso florescimento, que atravessa a História e dá sinais de vitalidade até mesmo nos tempos ateus modernos. Porque também nos modernos tempos de hoje – aliás, principalmente nos tempos de hoje – há perseguição religiosa, e há os que dão ao Todo-Poderoso o supremo testemunho do próprio sangue.

No moderno e evoluído século XXI – pois sim! Mas não é em vão. Os cristãos multiplicam-se quando são perseguidos. O sangue dos mártires fortalece a Fé dos que ficam. As suas orações diante do Altíssimo redundam em nosso favor. Semen christianorum! Deus não permitiria o mal se, dele, não pudesse tirar alguma coisa ainda melhor – diz Santo Agostinho. E o martírio é um exemplo bem claro desta verdade postulada pelo Bispo de Hipona. Da perseguição religiosa, do assassinato covarde, Deus tira o testemunho supremo do martírio: e permite que, desta radical fidelidade, nasçam outros cristãos.

Certa vez, alguém me disse que a única vantagem de se morar em Cuba era crescer escutando os gritos de “Viva Cristo Rei!” que os católicos davam no Paredón ao serem fuzilados. De fato, esta vantagem existe: a de forjar a própria Fé com base no testemunho vivo dos que dão o sangue por Cristo Nosso Senhor. Bendita seja a Igreja em Seus mártires! Que o sangue deles derramado possa aumentar em nós a Fé, e congregar na Igreja Imaculada de Cristo cada vez mais homens – criados por Deus para a santidade.

O bordão e o báculo – Bento XVI

No entanto, falando do vale escuro, podemos pensar também nos vales escuros das tentações, do desalento, da provação, que toda pessoa humana deve atravessar. Também nestes vales tenebrosos da vida Ele está ali. Senhor, nas trevas da tentação, nas horas das trevas, em que todas as luzes parecem apagar-se, mostra-me que tu estás ali. Ajuda-nos a nós, sacerdotes, para que possamos estar junto às pessoas que, nessas noite escuras, nos foram confiadas, para que possamos mostrar-lhes tua luz.

“Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo”: o pastor necessita do bordão contra os animais selvagens que querem atacar o rebanho; contra os salteadores que buscam sua vítima. Junto ao bordão está o báculo, que sustenta e ajuda a atravessar os lugares difíceis. Esses dois elementos entram dentro do mistério da Igreja, do mistério do sacerdote. Também a Igreja deve usar o bordão do pastor, o bordão com o qual protege a fé dos farsantes, contra as orientações que são, na realidade, desorientações. Com efeito, o uso do bordão pode ser um serviço de amor. Hoje vemos que não se trata de amor, quando se toleram comportamento indignos da vida sacerdotal. Como tampouco trata-se de amor se deixa-se proliferar a heresia, a tergiversação e a destruição da fé, como se nós inventássemos a fé autonomamente. Como se já não fosse um dom de Deus, a pérola preciosa que não deixamos que nos arranquem. Ao mesmo tempo, no entanto, o bordão continuamente deve transformar-se em báculo do pastor, báculo que ajude aos homens a poder caminhar por caminhos difíceis e seguir a Cristo.

Bento XVI
Homilia no encerramento do Ano Sacerdotal