“Ó, vós, ministros de Deus!” – Valdeci Silva

[Recebi o texto abaixo de um leitor do Deus lo Vult!, que publico para meditação. É curioso; ainda um dia desses eu via no Facebook um vídeo amador de um rapaz que lançava também invectivas contra os bispos – especificamente contra a CNBB – por conta da má doutrina e da Liturgia porcamente celebrada às quais estão sujeitos os católicos brasileiros na média das paróquias que freqüentam.

O sentimento de insatisfação é crescente e a ele eu faço coro: não seria a hora das nossas autoridades eclesiásticas olharem com um pouco mais de atenção para este enorme contingente de almas que não desejam senão receber das mãos dos seus pastores os tesouros legítimos da Igreja de Cristo? No Evangelho, Nosso Senhor perguntou certa feita aos que O ouviam: «Se um filho pedir um pão, qual o pai entre vós que lhe dará uma pedra? Se ele pedir um peixe, acaso lhe dará uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á porventura um escorpião?» (Lc XI, 11-12). Nos dias de hoje, talvez essa comparação não possuísse a eloqüência que teve há dois mil anos; nos dias de hoje, são muitos os pais que distribuem pedras e animais peçonhentos aos que lhes batem à porta suplicando por comida.

Deus levará em conta a pequenez dos Seus filhos, sem dúvidas; mas quanto mais eles não poderiam crescer e glorificar a Deus, se estivessem em um ambiente mais propício…? As portas do Inferno nunca prevalecerão sobre a Igreja, disso podemos estar certos. Mas isso vale para a Igreja Universal; nada foi dito com relação às Igrejas Particulares. Quantas hoje já não se encontram in partibus infidelium? Quantas já não cumprem de facto o papel dos inimigos de Deus, embora ostentem ainda o título de Igrejas Católicas? E quantas almas já não se perderam, perdem-se e haverão de se perder, por culpa dos «maus pastores» que não cuidam do rebanho que a Divina Providência lhes confiou? Mais catolicismo, por favor! De mundanidades o mundo já está repleto.

Somos pobres e temos fome. Pobres das coisas do Alto, e famintos da palavra de Deus. Até quando isso nos será negado?]

Ó, vós, ministros de Deus!

Valdeci Silva I. Junior

Ó, vós, que deveríeis ser pastor de almas e vos convertestes em dispersadores do rebanho.

Recebestes a altíssima e distinta vocação, não fostes chamados para aparência superior; fostes chamados à santidade e a serdes ministro da santificação de vossos filhos.

Ó, quão grave a culpa do ministro de Deus que perde as almas que lhe foram confiadas!

Quão infeliz e miserável se as perde em nome de Deus!

Se descuidar-se das almas postas sob seu cuidado já é um mal grave, mal superior é descuidar-se em Nome de Deus.

Sacerdotes do Altíssimo, recebestes em ordem grau superior às ovelhas; fazê-las perderem-se é tornar-vos, em culpa, merecedores da sorte dos demônios.

Ó ministro de Deus que, tendo nascido para o corpo, fazeis com que as ovelhas do redil do Senhor, não nasçam para vida eterna: seria melhor não terdes nascido, ó miserável e infeliz!

Pois, tendo nascido, havereis de pagar por tamanha culpa, por tamanho mal, por tamanho genocídio espiritual.

Se deixar que as almas se percam já é um mal grave, incomensurável é a gravidade de fazê-las se perderem em Nome de Deus.

Se não cumprirdes o que prometestes e, por ordem, sois obrigados, pelo ministério terrível que exerceis, quão grande é a culpa de negligenciardes em Nome de Deus.

Torna-se pior que um verme, o infeliz, que cai em tamanha desgraça de perder os que lhe foram confiados a salvar.

Pois, podendo salvar a si próprio e aos outros, atrai para si a condenação eterna e conduz as almas para o abismo infernal.

Infeliz é o ministro de Deus que, mutilando a Doutrina dos Apóstolos, deturpando-a, cega os olhos dos filhos de Deus. Desgraçado e culpado mais gravemente será, se estes fiéis se perderem, desviando-se do caminho de Deus.

Ó desgraçado e infeliz se trilhais este caminho! Fostes chamado a ser ministro de Deus e vos tornastes ministro de Satanás.

Anunciais vossa mentira e de vosso pai, rejeitais o Sangue do Cordeiro que redime as almas, e injetais nelas o veneno da serpente infernal, fazendo com que se percam.

Fostes chamados para ministrar a vida no Batismo, fazê-la firme na Eucaristia e restituí-la na Confissão; no entanto, tendes matado a Vida da Graça, roubado o auxílio divino e destruído as vias de salvação.

Quão miserável sois vós, ministro de Deus, que estais a colaborar com o inimigo de Deus e do gênero humano, que sendo condenado ao inferno, quer condenar, primeiro, a vós e, depois, aos que vos foram confiados.

Ouvi isto, sacerdotes do Altíssimo: tendes ainda a benevolência de Deus, podeis retornar ao vosso chamado inicial, podeis salvar vossa própria alma e as que estão sob vosso cuidado.

Aquela que é Auxilium Christianorum é também vossa última tábua de salvação, Seu Coração Imaculado é vossa chance de conversão, sua bondade segura a mão de Deus que há de pesar sobre vós.

Ó miserável e infeliz, gritai a Deus, mas gritai com auxílio da Sempre Virgem Maria, e não tenhais tempo para o vosso orgulho: corre risco a vossa alma e a do vosso rebanho.

Ó epíscopo, ó sacerdote, vós que sois ministros de Deus, lembrai-vos que se recusais a salvação, se descuidais das almas, Deus enviará ministros fieis para salvá-las e sobre vós pesará Sua mão misericordiosa e justa.

Tendes o ministério sublime para colaborar na economia da salvação. Traindo tal vocação, traindo-a em nome dos deuses da modernidade, recebereis o que vós mereceis: a condenação eterna, e Deus haverá de salvar as almas fiéis.

Felizes são os ministros de Deus que, pela graça, salvam suas almas e as dos que lhes foram confiados, pois estes receberão o prêmio de Deus e a eterna gratidão dos que consigo se salvaram.

Lembrai, vós todos, que Deus não abandona Sua Igreja e que, apesar de vossa infidelidade, Ele suscitará nela sacerdotes santos: et portæ inferi non prævalebunt adversum eam.

“Não à manipulação da Santa Missa!” – Frei Ângelo Bernardo

[Publico outro artigo muito oportuno do Frei Ângelo Bernardo. Este, foi publicado originalmente no Salvem a Liturgia!. Fala sobre a instrumentalização da Santa Missa, com o conseqüente desvio de sua finalidade última: ao invés de servir para levar a Deus, termina por servir às paixões humanas. Triste.

Também eu escrevia sobre isso, há alguns anos – inclusive republiquei aqui no Deus lo Vult! em 2009: “Estou cansado de missinhas animadazinhas, estou cansado de padres que parecem muito mais organizadores de encontros sociais que Sacerdotes do Deus Altíssimo, estou cansado de ‘fiéis’ que vão à missa para ‘viver o amor de Cristo’ e não para participar do Sacrifício do Filho de Deus! Será que sou só eu? Será que somente eu sinto vontade de poder assistir duas missas iguais, independente de quem seja o celebrante? Será que sou só eu que tenho dificuldade em enxergar, na Igreja, o Cristo Vítima e Sacerdote por detrás dos cantos protestantes no momento da consagração?”. E fico feliz de saber que não sou somente eu. O frei Ângelo também me entende. E tenho a esperança de que, junto com ele, outras almas católicas – milhares de almas católicas! – possam compartilhar conosco este sentimento de perplexidade diante da situação da Igreja atual. E de súplicas ao Altíssimo para que Se levante, e defenda a Sua própria causa.]

Não à manipulação da Santa Missa!

Estou cansado de ter que procurar uma Santa Missa, com dignidade e sem modas, como uma agulha no palheiro. Parece até uma sina: onde chego, logo na porta principal da Igreja já está o cartaz com o convite para a “Missa de Cura e Libertação”, com Padre Fulano de Tal… ou pior ainda, quando olho para o outro lado do mural, está agendada a “Missa Sertaneja”; no grupo de oração da semana que vem, “Missa Carismática”… (ah, se Padre Pio ainda vivesse para ouvir o que fizeram com os ‘grupos de oração’…). Por outro lado, quando encontro algumas pessoas que costumam assistir a Santa Missa em sua forma extraordinária ou, vulgarmente chamada de “Tridentina”, chamam-na de “Missa de Sempre”. É que não tenho a pele branca para ver quão vermelho de irritação eu fico quando ouço certos “jargões”.

“Missa de Cura e Libertação”, “Missa Sertaneja”, “Missa Carismática”, “Missa de Sempre”… a que ponto chegamos! Manipular o único e eterno memorial do Sacrifício do Calvário… quanto desgosto sinto! Acredito que seja o mesmo que muitos, quando têm que aturar padres (e alguns até ‘muito bem preparados’, academicamente), falando abobrinhas sentimentais…

Foi-se o tempo em que o início da Santa Missa era feito pelo Padre e não pelos cantores; foi-se o tempo em que o ato penitencial levava a uma contrição autêntica; foi-se o tempo em que o glória era um louvor ao Pai e ao Cordeiro e não um “hino trinitário”; foi-se o tempo em que o salmo era responsorial e não de “meditação”; foi-se o tempo em que a homilia era o momento de catequese; foi-se o tempo em que o canto do Sanctus proclamava, já antecipadamente, a vinda escatológica Do que vem em nome do Senhor; foi-se o tempo em que, após a consagração, era o momento de olhar o Senhor e adorá-lo e não cantar ou bater palmas, e que apenas ‘quem falava eram os sinos’; foi-se o tempo em que a comunhão era de joelhos e na boca; foi-se o tempo em que se guardava silêncio, mesmo que breve, após a comunhão… enfim, foi-se o tempo de tantas coisas… e estas “tantas coisas” geraram Santos, verdadeiros homens de fé e uma fé madura, não infantilizada, à estatura de NSJC.

É certo que a Palavra de Deus é viva e eficaz e que nos toca ao coração. Mas não se trata de banalizar ou denigrir o seu valor. Ela é cortante e penetra o íntimo das nossas almas. A grande questão é o desvio de foco. Se hoje temos concepções de “Missas” como essas, é devido ao subjetivismo de tantos padres, ou seja, eles desviam o foco de NSJC e levam-no para si. Também é certo que o sacerdote age in persona Christi, mas ele deve se re-cordar (= trazer ao coração) sempre o exemplo do Senhor Jesus Cristo que, “embora sendo de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens… Por isso, Deus o exaltou soberanamente…” (Fl 2,6-7.9).

Mas, o que realmente me deixa consternado é a manipulação da Santa Missa para os gostos pessoais e intimistas de cada padre… E nem adianta dizer que é o povo quem quer assim. Errado! Todo sacerdote (ou presbítero, como queiram chamar), recebeu uma formação específica da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana. Ora, se assim o é, então, deve obedecer, como prometeram no dia da sua ordenação a tudo o que está escrito e não transgredir ou inventar ou, pior ainda, modificar, sem poder algum para tal coisa. O povo recebe o que o padre dá.

Penso que o dever primeiro de cada sacerdote é a salvação e cura das almas, a começar da sua própria. E rezo para que cada qual tenha consciência do que faz e que temam o juízo. De fato, constato que muitos já não têm mesmo medo da condenação eterna e se afugentam na historinha: ah, o céu ou inferno é aqui e agora… Que Deus lhos perdoe por tanta insanidade e falta de fé. Esta sim é a grande “crise” pela qual muitos deveriam passar. Mas apenas o fazem no sentido mais fraco do termo, que seja, modificação e não no sentido real da palavra, de ‘purificação’. Sim, é necessária uma grande purificação dos pensamentos, palavras, atos e até de omissões!

Acredito que muitos dos que lêem o que escrevo fazem apenas com o intuito de criticar ao final das leituras; mas se pararem para “pensar”, isto é, avaliar onde está o ‘peso’ real das coisas, hão de concordar que os erros não estão em quem lhos constatam; antes, estão nos que são os sujeitos das situações, no caso, dos Padres em relação às concepções da Santa Missa.

Concluindo esta breve conversa, dirijo-me aos “Ministros do Divino Altar”. Se tiverem consciência de que cada um é realmente “um outro Cristo nesta terra”, começarão a executar os seus ofícios com um gostinho de céu, como uma antecipação já aqui e agora do Reino que pregamos e anunciamos. Espero que ao ensinarem as ovelhas confiadas a cada um, quando falarem em “Missa de Cura e Libertação”, “Missa Sertaneja”, “Missa Carismática”, “Missa de Sempre”, façam com a consciência de que em cada denominação errônea dessas, ainda assim, não desviem o foco: NSJC!

Internet: pátio dos gentios, ágora moderna

Na mídia secular: por Deus, tenham um blog!, diz Papa aos padres.

No site do Vaticano, na mensagem para o 44º dia mundial das comunicações sociais:

Contudo, a divulgação dos «multimédia» e o diversificado «espectro de funções» da própria comunicação podem comportar o risco de uma utilização determinada principalmente pela mera exigência de marcar presença e de considerar erroneamente a internet apenas como um espaço a ser ocupado. Ora, aos presbíteros é pedida a capacidade de estarem presentes no mundo digital em constante fidelidade à mensagem evangélica, para desempenharem o próprio papel de animadores de comunidades, que hoje se exprimem cada vez mais frequentemente através das muitas «vozes» que surgem do mundo digital, e anunciar o Evangelho recorrendo não só aos media tradicionais, mas também ao contributo da nova geração de audiovisuais (fotografia, vídeo, animações, blogues, páginas internet) que representam ocasiões inéditas de diálogo e meios úteis inclusive para a evangelização e a catequese.

Através dos meios modernos de comunicação, o sacerdote poderá dar a conhecer a vida da Igreja e ajudar os homens de hoje a descobrirem o rosto de Cristo, conjugando o uso oportuno e competente de tais meios – adquirido já no período de formação – com uma sólida preparação teológica e uma espiritualidade sacerdotal forte, alimentada pelo diálogo contínuo com o Senhor. No impacto com o mundo digital, mais do que a mão do operador dos media, o presbítero deve fazer transparecer o seu coração de consagrado, para dar uma alma não só ao seu serviço pastoral, mas também ao fluxo comunicativo ininterrupto da «rede».

[…]

Do mesmo modo que o profeta Isaías chegou a imaginar uma casa de oração para todos os povos (cf. Is 56,7), não se poderá porventura prever que a internet possa dar espaço – como o «pátio dos gentios» do Templo de Jerusalém – também àqueles para quem Deus é ainda um desconhecido?

[…]

Que o Senhor vos torne apaixonados anunciadores da Boa Nova na «ágora» moderna criada pelos meios actuais de comunicação.

Duas expressões interessantíssimas, uma das quais eu inclusive vi um amigo usar recentemente: “pátio dos gentios” e “ágora moderna”. Que a Virgem Santíssima abençoe os apostolados virtuais. Que a internet possa dar bons frutos. Que, em todo lugar, Deus seja glorificado.

Introibo ad altare Dei

missa-pos-guerra
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Não sei exatamente onde e quando foi tirada esta foto; talvez seja até muito famosa e eu não a conheça. O amigo que me enviou, disse-me que foi uma missa celebrada em uma igreja destruída na Segunda Guerra Mundial, logo após o fim da guerra. Gosto sobremaneira dela: dá pra ver os escombros e, mesmo assim, quase dá para sentir o quanto as pessoas estão compenetradas no serviço litúrgico. O templo está em ruínas; mas a Santa Missa é celebrada com toda a dignidade, como se estivesse sendo celebrada na mais imponente igreja da Europa. O templo está destruído, mas a Fé está viva: a Fé sobreviveu à Guerra, sobreviveu aos bombardeios, sobreviveu à destruição. Após o fim da Guerra, volta-se a celebrar a Santa Missa; o sacerdote mais uma vez se paramenta, os assistentes mais uma vez se preparam, os degraus do altar são mais uma vez subidos, o Sacrifício de Cristo mais uma vez se faz presente.

E gosto de olhar para esta foto e pensar que… Deus não nos abandona jamais. O templo físico pode estar destruído, mas basta um sacerdote para que, lá, aconteça o maior milagre da Graça, para que Deus Se faça real e substancialmente presente. Mesmo em meio aos escombros. Mesmo quando tudo está destruído, é possível subir ao altar de Deus, que é a nossa alegria – introibo ad altare Dei / ad Deum qui laetificat iuventutem meam. Mesmo em meio ao pó e às ruínas, é possível cantar os louvores do Altíssimo – confitebor tibi in cithara, Deus, Deus meus. Mesmo quando não temos mais nada, é-nos possível esperar em Deus – spera in Deo, quoniam adhuc confitebor illi.

E, ao mesmo tempo, é triste olhar para esta foto e imaginar que, se fosse nos dias de hoje… quem iria oferecer a Santa Missa nestas condições? Em uma igreja em ruínas, após a guerra, sem luz elétrica, [aparentemente] sem povo… em quantas almas católicas encontraríamos hoje o zelo pelas coisas de Deus demonstrado por estes cinco homens numa fotografia em branco e preto? E, no entanto, isto é tão importante, pois é para isso que os sacerdotes são ordenados…!

Nos escombros de uma igreja, sozinho, o sacerdote se mantém firme porque sabe que está diante de Deus. Sabe que é à Trindade Santa que ele está ofertando o Sacrifício do Corpo e Sangue do Senhor. Sabe que o ritual por ele desempenhado tem valor infinito, e Deus é digno de ser infinitamente adorado. Sabe que toda a Igreja está com ele; que a Santa Missa transcende o tempo e o espaço e o coloca diante do Trono Eterno do Altíssimo. Sabe tudo isso e, por isso, porta-se como convém. Mesmo numa igreja em ruínas.

Será pedir muito encontrar este zelo nos sacerdotes dos nossos dias? Será sonhar muito alto querer que os ministros do Deus Altíssimo sejam ciosos das coisas sagradas, inflamados de um santo desejo da glória de Deus e da salvação das almas? Rezemos ao Senhor da Messe, para que nos mande bons trabalhadores. E elevemos os olhos para os Céus, de onde nos virá o nosso socorro. Esperemos em Deus. Nunca nos esqueçamos dessa verdade tantas vezes repetidas na Liturgia da Santa Igreja: adjutorium nostrum in nomine Domini / qui fecit coelum et terram.

Respeito devido aos sacerdotes – Sta. Catarina de Sena

Filha querida, ao manifestar-te a grande virtude daqueles pastores, quero colocar em evidência a dignidade dos meus ministros. Pelo pecado de Adão, as portas da eternidade fecharam-se, mas o meu Filho abriu-as com a chave do seu sangue. Ao sofrer a paixão e morte, ele destruiu vossa morte e vos lavou no sangue. Sim, foram seu sangue e sua morte que, em virtude da união da natureza divina com a humana, deram acesso ao céu. E a quem deixou Cristo tal chave? Ao apóstolo Pedro e a seus sucessores, os que vieram e que virão depois dele até o dia do juízo final. Todos possuem a mesma autoridade de Pedro; nenhum pecado a diminui, do mesmo modo que não destrói a santidade do sangue de Cristo e dos Sacramentos. Já disse que o sol eucarístico não tem manchas e que o mal cometido por quem o administra ou recebe não apaga sua luz. Não, o pecado não danifica os sacramentos da santa Igreja, não lhes diminui a força; prejudica a graça e aumenta a culpa somente em quem os ministra ou recebe indignamente.

Na terra, quem possui a chave do sangue é o Cristo-na-terra. Certa vez eu te manifestei essa verdade numa visão, para indicar o grande respeito que os leigos devem ter pelos ministros, bons ou maus que eles sejam, e quanto me desagrada que alguém os ofenda. Pus diante de ti a jerarquia da Igreja sob a figura de uma dispensa contendo o sangue de meu Filho. No sangue estava a virtude de todos os sacramentos e a vida dos fiéis. À porta daquela despensa, vias o Cristo-na-terra, encarregado de distribuir o sangue e fazer-se ajudar por outros no serviço de toda a santa Igreja. Quem ele escolhia e ungia, logo se tornava ministro. Dele procedia toda a ordem clerical; ele dava a cada um sua função no ministério do glorioso sangue. E como dispunha dos seus auxiliares, possuía a força de corrigi-los nos seus defeitos.

De fato, é assim que eu quero que aconteça. Pela dignidade e autoridade confiada a meus ministros, retirei-os de qualquer sujeição aos poderes civis. A lei civil não tem poder legal para puni-los; somente o possui aquele que foi posto como senhor e ministro da lei divina.

Os ministros são ungidos meus. A respeito deles diz a Escritura: “Não toqueis nos meus cristos” (Sl 105, 15). Quem os punir cairá na maior infelicidade. Se me perguntares por que a culpa dos perseguidores da santa Igreja é a maior de todas e, ainda, por que não se deve ter menor respeito pelos meus ministros por causa de seus defeitos, respondo-te: porque, em virtude do sangue por eles ministrado, toda reverência feita a eles, na realidade não atinge a eles, mas a mim. Não fosse assim, poderíeis ter para com eles o mesmo comportamento de praxe para com os demais homens. Quem vos obriga a respeitá-los é o ministério do sangue. Quando desejais receber os sacramentos, procurais meus ministros; não por eles mesmos, mas pelo poder que lhes dei. Se recusais fazê-lo, em caso de possibilidade, estais em perigo de condenação. A reverência é dada a mim e a meu Filho encarnado, que somos uma só coisa pela união da natureza divina com a humana. Mas também o desrespeito. Afirmo-te que devem ser respeitados pela autoridade que lhes dei, e por isso mesmo não podem ser ofendidos. Quem os ofende, a mim ofende. Disto a proibição: “Não quero que mãos humanas toquem nos meus cristos”!

Nem poderá alguém escusar-se, dizendo: “Eu não ofendo a santa Igreja, nem me revolto contra ela; apenas sou contra os defeitos dos maus pastores”! Tal pessoa mente sobre a própria cabeça. O egoísmo a cegou e não vê. Aliás, vê; mas finge não enxergar, para abafar a voz da consciência. Ela compreende muito bem que está perseguindo o sangue do meu Filho e não os pastores. Nestas coisas, injúria ou ato de reverência dirigem-se a mim. Qualquer injúria: caçoadas, traições, afrontas. Já disse e repito: não quero que meus cristos sejam ofendidos. Somente eu devo puni-los, não outros. No entanto, homens ímpios continuam a revelar a irreverência que têm pelo sangue de Cristo, o pouco apreço que possuem pelo amado tesouro que deixei para a vida e santificação de suas almas. Não poderíeis ter recebido maior presente que o todo-Deus e todo-Homem como alimento. Cada vez que o conceito relativo aos meus ministros não coloca em mim sua principal justificativa, torna-se inconsistente e a pessoa neles vê somente muitos defeitos e pecados. De tais defeitos falarei em outro lugar. Mas quando o respeito se fundamenta em mim, jamais desaparece, mesmo diante de defeitos nos ministros; como disse, a grandeza da eucaristia não é diminuída por causa dos pecados. A veneração pelos sacerdotes não pode cessar; se tal coisa acontecer, sinto-me ofendido.

Santa Catarina de Sena, “O Diálogo”
Cap. 28.
Paulus, 9ª edição, São Paulo, 2005
pp. 237-240

Respeito pela Missa – Sto. Afonso de Ligório

III
Respeito e devoção com que se deve celebrar

Em segundo lugar, é necessário que o sacerdote celebre a missa com respeito e devoção. Sabe-se que o uso do manípulo foi introduzido, para que o padre enxugasse as lágrimas; porque outrora tais sentimentos de devoção experimentavam os sacerdotes, ao celebrarem, que não faziam senão chorar.

Já dissemos que o padre ao altar é o representante do próprio Jesus Cristo, como escreveu S. Cipriano. É nesta qualidade que diz: Hoc est corpus meum; hic est calix sanguinis mei. Mas, ó Céu! Que lágrimas, que lágrimas de sangue se deveriam chorar, quando se pensa no modo como a máxima parte dos padres celebram a missa! Causa pena, digamo-lo, ver o desprezo com que Jesus Cristo é tratado por tantos padres, até religiosos, e pertencentes a Ordens reformadas! Ao ver-se a negligência com que esses padres de ordinário dizem a missa, bem se lhes poderia fazer a censura que Clemente de Alexandria dirigia aos sacerdotes pagãos: que faziam do Céu um teatro, e de Deus o objeto da sua comédia. E que direi? Uma comédia! Ó, se eles tivessem um papel a representar no teatro, que cuidado empregariam! Ao contrário, que fazem eles ao altar? Truncam palavras, fazem genuflexões que mais parecem atos de desprezo e faltas de respeito; traçam bênçãos que não se sabe o que são; esboçam gestos ridículos; falam às rubricas, antecipando cerimônias e misturando-lhes palavras. E no entanto a verdade é que essas rubricas todas são de preceito, por isso que S. Pio V, na bula que pôs à frente do missal, manda districte, in virtute sanctae obedientiae, que a missa seja celebrada segundo as rubricas do missal. Donde resulta que quem transgride as rubricas não pode eximir-se de pecado, que será grave desde que a matéria o seja.

Tudo isso procede do desejo de chegar de pressa ao fim da missa. Celebram- na como se a igreja estivesse a desabar, ou como se os bandidos se avizinhasse e não restasse tempo para a fuga.

Eis um padre que, depois de ter dado horas inteiras a uma vida inútil, ou a negócios mundanos, lá vai a celebrar a missa todo apressado!

Começa com precipitação, prossegue do mesmo modo; chega à Consagração, toma Jesus Cristo nas suas mãos, e comunga-o com tanta irreverência como se ali só houvesse um bocado de pão! Seria necessário que tais padres sempre tivessem ao seu lado alguém, para lhes dizer o que um dia o venerável João de Ávila, chegando-se ao altar em que celebrava um desses, lhe disse: “Por piedade tratai-o melhor, que é o filho dum pai respeitável”.

Queria o Senhor que os sacerdotes da Lei antiga tremessem de santo respeito ao aproximarem-se do santuário. E um sacerdote da Lei nova, achando-se ao altar, em presença do próprio Jesus Cristo, a falar-lhe, a toma-lo nas suas mãos, a oferecê-lo a Deus-Pai, a alimentar-se dele, — mostra-se tão irreverente! Na Lei antiga, ameaçou o Senhor com muitas maldições os sacerdotes que fossem negligentes nas cerimônias desses sacrifícios, que eram apenas uma mera figura do nosso: Se cerrares os ouvidos à voz do Senhor teu Deus, que te manda guardar as cerimônias, virão sobre ti todas estas maldições… Serás maldito na cidade e maldito nos campos. Dizia Sta. Teresa: “Pela mínima cerimônia da Igreja, daria eu mil vezes a minha vida”. E o padre as despreza! Ensina o Pe. Suarez que a omissão de qualquer cerimônia, na missa, não pode escusar-se de pecado. Muitos doutores ajuntam que uma negligência notável nas cerimônias pode chegar a pecado mortal.

Na nossa Teologia moral demonstramos, com a autoridade de muitos doutores, que o que celebra em menos de um quarto de hora não pode escusar-se de falta grave, e isto por duas razões: primeira, por causa da irreverência contra o sacrifício, resultante da sua precipitação; segunda, por causa do escândalo que dá ao povo.

Quanto ao respeito devido ao divino sacrifício, já citamos o que diz o Concílio de Trento: que a missa deve ser celebrada com a máxima devoção possível. E ajunta que a falta de respeito, mesmo exterior, constitui uma irreverência, que de algum modo chega a ser impiedade. Assim como as cerimônias, quando são bem feitas, infundem e significam respeito; também quando são mal executadas denotam irreverência que, em matéria grave, é um pecado mortal. Deve-se notar além disto que, para nas cerimônias haver o testemunho de respeito, que convém a um tão grande sacrifício, não basta fazê-las; porque uma pessoa qualquer poderia ter a língua assaz desembaraçada e os movimentos bastante livres para expedir tudo isso em menos de um quarto de hora; mas é preciso que sempre sejam feitas com a gravidade conveniente, que pertence também intrinsecamente ao respeito que se deve ter pela missa.

Por outro lado, celebrar a missa em tão pouco tempo é falta grave, em razão do escândalo que se dá aos fiéis que assistem a ela. Sobre este ponto, é necessário considerar ainda o que noutro lugar diz o Concílio de Trento: que as cerimônias da missa foram instituídas pela Igreja, para inspirar aos fiéis uma alta idéia deste augusto sacrifício, e toda a veneração devida aos divinos mistérios que encerra. Ora, quando estas cerimônias são feitas muito à pressa, nenhuma veneração inculcam ao povo, antes lhe fazem perder o respeito que merece um mistério tão santo. Observa Pedro de Blois que os padres que celebram com pouco respeito, dão ocasião a que os fiéis façam pouco caso do Santíssimo Sacramento. Não se pode dar um tal escândalo sem se incorrer em pecado mortal. Também o Concílio de Tours, em 1583, mandou que os sacerdotes fossem bem instruídos nas cerimônias da missa, para não destruírem a devoção no coração das suas ovelhas, em vez de as levarem à veneração pelos ministérios sagrados.

Celebrando sem devoção, — como querem esses padres obter de Deus graças, sendo certo que ao oferecerem o santo sacrifício, o ofendam e, quanto deles depende, mais o desonram do que o honram? O padre que não acreditasse no Sacramento do altar, sem dúvida ofenderia a Deus; mas quanto mais o ofende o que nele crê e não só lhe recusa o respeito que lhe é devido, senão que ainda é causa de que outros, à vista da sua conduta, lhe percam igualmente o respeito? Os judeus a princípio respeitaram Jesus Cristo, mas, quando o viram desprezado pelos sacerdotes, perderam então a alta idéia que tinham dele, e acabaram por gritar com os sacerdotes: Tolle, tolle, crucifige eum! Do mesmo modo, para não sairmos do nosso assunto, os seculares que hoje vêem os padres a celebrar com tanta irreverência, perdem toda a estima e veneração por este divino mistério.

Uma missa, celebrada com recolhimento, inspira devoção aos assistentes; pelo contrário, faz-lhes perder a devoção e quase a fé também, quando celebrada sem piedade. Eis um fato passado em Roma e que me foi contado por um religioso de todo o crédito. Tinha um herege resolvido renunciar aos seus erros; mas, tendo visto celebrar a missa sem devoção, foi ter com o papa e disse-lhe que não queria abjurar, porque estava persuadido de que nem os padres nem o papa tinha na Igreja católica uma fé verdadeira: “Se eu fosse papa, dizia ele, e soubesse que um padre celebrava a missa com tão pouco respeito, mandava-o queimar vivo; ao ver porém que os padres dizem assim a missa e não são castigados, persuado-me de que nem o próprio papa acredita nela”. Dito isto, retirou-se, e não consentiu que lhe falassem mais em abjuração.

Mas objetam certos padres que os leigos se queixam, quando a missa se prolonga. — O quê! Então, lhes respondo eu de pronto, a pouca devoção dos seculares há de ser a regra do respeito devido ao santo sacrifício! Ouçam mais: se os padres celebrassem a missa com o devido respeito e gravidade, os seculares se compenetrariam da veneração a prestar a tão grande mistério, e não lamentariam a meia hora que lhe devessem consagrar. Como porém, de ordinário, a missa é tão breve e nenhuma devoção inspira, os seculares à imitação dos padres, assistem a ela sem devoção, e com pouca fé; quando vêem que ela dura mais de um quarto de hora, aborrecem-se e queixam-se, em razão do mau hábito contraído. Assim, os mesmos que sem dificuldade passam muitas horas a uma mesa de jogo, ou numa praça pública, desperdiçando o tempo, não podem sem tédio gastar uma meia hora a ouvir missa! A causa de tudo isso são os padres: É convosco que falo, ó sacerdotes, que desonrais o meu nome e dizeis: Como desonramos nós o vosso nome? Nisso que dizeis: A mesa do Senhor é de pouca importância. O pouco que os padres se importam do respeito devido à missa, faz que também os outros a desprezem.

Pobres padres! Ao saber que um sacerdote acabava de morrer após a sua primeira missa, o venerável João de Ávila exclamou: “Ó que terrível conta esse padre tem de prestar a Deus, por essa primeira missa!” À vista disso, que se deverá dizer dos padres que, no decurso de trinta ou quarenta anos, cada dia deram ao altar o escândalo de que vimos falando! E, repito, — como poderão tais padres tornar o Senhor propício e obter graças da sua misericórdia, celebrando a missa de modo antes a ultrajá-lo que a honrá-lo? Todos os crimes são expiados pelo sacrifício, diz o papa Júlio, mas por que oferenda se há de reparar a ofensa feita ao Senhor, se é na mesma oblação do sacrifício que se peca? Pobres padres! E pobres bispos que permitem a tais padres celebrarem! Segundo o decreto do Concílio de Trento, são os bispos obrigados a impedir as missas celebradas com irreverência. Notem-se estas expressões: Prohibere curent ac teneantur; significam elas que os bispos estão obrigados a suspender os que celebram sem respeito conveniente; e esta obrigação tanto abrange os sacerdotes regulares como os outros, visto que os bispos a esse respeito são constituídos pelo Concílio legados apostólicos, e por isso obrigados a vigiar pelas missas que se dizem nas suas dioceses.

E nós, padres, irmãos meus, cuidemos de nos corrigir: se no passado temos celebrado o santo sacrifício com pouca devoção e respeito, atalhemos ao mal, ao menos daqui para o futuro. Antes de celebrar, pensemos no que vamos fazer: é a ação maior e mais santa que um homem pode realizar. Demais, que grande bem é uma missa celebrada com devoção, grande bem para o celebrante, e para os ouvintes! — Eis como João Herolt, de sobrenome o Discípulo, fala aos que assistem à missa: Quando fazeis a vossa oração na igreja, na presença de Deus, mais seguramente ela é ouvida… porque todo o sacerdote está obrigado a orar pelos assistentes em cada missa. Ora, se a oração dum secular, quando feita em união com a do celebrante, é mais prontamente ouvida de Deus, quanto mais ainda a do próprio sacerdote, se celebra com devoção! Um padre que oferece todos os dias o santo sacrifício com alguma devoção, há de receber sempre de Deus novas luzes e novas forças. Jesus Cristo o instruirá, o consolará, o animará cada vez mais, e lhe concederá as graças que deseja.

É sobretudo depois da consagração que o padre pode estar seguro de conseguir do Senhor todas as graças que pede. O venerável Pe. Antônio Colelis dizia: “Quando celebro e tenho o meu Jesus nas minhas mãos, consigo dele quanto quero”. O celebrante obtém o que quer para si e para os que assistem à missa. Lê-se na Vida de S. Pedro de Alcântara que as missas fervorosas que celebrava produziam mais fruto, que todos os sermões dos pregadores da província em que estava. Quer o Concílio de Rodez que os padres pronunciem as palavras e façam as cerimônias com uma devoção, que dê testemunho da sua fé e amor para com Jesus Cristo, presente no altar. A compostura exterior, diz S. Boaventura, manifesta as disposições interiores do celebrante. Recorde-se aqui de passagem o que ordenou Inocêncio III: Nós ordenamos também que os oratórios, os vasos, corporais e alfaias sagradas se conservem em perfeita limpeza; porque é de todo o ponto contrário ao bom senso abandonar as coisas santas a uma imundícia, que não se sofria nem mesmo nas coisas profanas. Ai! Tinha o papa toda a razão para assim falar, porque se encontram padres que não se envergonham de celebrar com corporais, sanguíneos e cálices, de que não quereriam servir-se à sua mesa.

[Santo Afonso de Ligório, “A Selva”, para ordenandos e sacerdotes; download em .pdf aqui]

Vítima e Sacerdote

De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…
e a suave luz da aurora enche
de ouro as cândidas corolas
e os cálices dos lírios, eu me ergo
e subo os degraus do Vosso Altar
para – trêmulo e comovido – celebrar
o mistério do Vosso Amor profundo…

De manhã,
Quando eu ordeno onipotente
e Vós aniquilado como servo,
em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo
e, rasgando o Vosso peito dolorido
arranco, pulsando, o Coração
para fazê-lo sangrando e, assim ferido
uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte
à impotência, à última expressão,
é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!

Mas, depois, dia afora,
– quando eu desço a montanha sagrada para a luta,
vou ao campo que me destes por partilha,
na renúncia total absoluta,
sangrar os meus pobres pés feridos
nos trilhos que me deixastes, já marcados
com o Vosso rastro divino e ensagüentado,
sem ter, para os lábios ressequidos,
outra fonte que a ferida gotejante
que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando
sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte
buscando com ansiedade no horizonte,
uma nesga iluminada do Infinito
para matar a minha sede de mais luz
eu não diviso, senão, os braços nus
de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,
depois de ter dado sem medida,
o suor… o sangue… e até a vida,
eu sinto o Vosso golpe redentor,
e sou – como sândalo – cortado e retalhado,
para que, só Vós, Senhor,
o aroma sintais do meu Amor…

E, à noite, quando chega a solidão,
exausto… moído de cansaço
e, olhando como o homem do fracasso,
não recolho, entre espinhos – e misturado
com o joio – senão o grão escasso
do meu campo que só há de florescer
e lourejar, depois que eu for lançado
no túmulo – para ser o grão fecundo,
é que estou – como homem consagrado
lentamente… consumindo a Vossa morte!
Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,
Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.

Irmã Dutra.