O combate ao erro e também àquele que erra

[O texto apareceu recentemente na lista “Tradição Católica”; buscando-o na internet, descobri que ele já havia sido publicado aqui. Reproduzo-o na íntegra, por julgar as considerações do autor extremamente pertinentes. São palavras que fazem eco àquelas de São Francisco de Sales (aliás, o mesmo a dizer que é mais fácil capturar moscas com mel do que com vinagre): “os inimigos de Deus e da Igreja devem ser difamados tanto quanto se possa, contanto que não se falte com a verdade; porque é dever de caridade gritar “Eis o lobo!” quando ele está entre o rebanho, ou em qualquer lugar onde se encontre”.

No mesmo sentido, é extremamente recomendada a leitura deste “Capítulo II” do “Em defesa da Ação Católica”, de Plínio Corrêa de Oliveira.]

Capítulo XXIII

SE É CONVENIENTE AO COMBATER O ERRO COMBATER E DESAUTORIZAR A PERSONALIDADE DO QUE O SUSTENTA E PROPALA

Dir-se-á porém: “Conceda-se isso com respeito às doutrinas em abstrato. Mas será conveniente ao combater o erro, por maior que o seja, cevar-se e encarniçar-se contra a personalidade do que o sustenta?”

Responderemos que muitas vezes sim, é conveniente e não só conveniente, mas até indispensável, e meritório diante de Deus e da sociedade. E ainda que bem pudesse deduzir-se esta afirmação do que anteriormente havemos exposto, queremos, todavia, tratá-la aqui ex professo, pois é grande a sua importância.

Com efeito, não é pouco freqüente a acusação que se faz ao apologista católico de ocupar-se sempre das pessoas, e quando se lança em rosto a um dos nossos o atacar uma pessoa, parece aos liberais e aos contaminados de Liberalismo que já não há mais que dizer para condená-lo.

E, não obstante, não têm razão; não, não a têm. As idéias más hão de ser combatidas e desautorizadas; é preciso torná-las aborrecidas, desprezíveis e detestáveis à multidão, a essa que intentam embair e seduzir. Mas quer o acaso que as idéias não se sustentem por si mesmas no ar, nem por si mesmas fazem todo o dano à sociedade. São como as flechas ou balas, que a ninguém iriam ferir, se não houvesse quem as disparasse com o arco ou com a espingarda.

Ao atirador se devem, pois, dirigir primariamente os tiros do que deseje destruir a sua mortal pontaria; e qualquer outro modo de fazer a guerra será tão liberal como queiram, porém, não terá sentido comum. Soldados com armas de envenenados projéteis são os autores e propagandistas de doutrinas heréticas; suas armas são o livro, o jornal, o discurso público, a influência pessoal.

Não basta, pois, desviar-se para evitar o tiro, não; o principal e mais eficaz é deixar inabilitado o atirador. Assim, convém desautorizar e desacreditar o seu livro, periódico, ou discurso; e não só isso, senão desautorizar e desacreditar em alguns casos a pessoa. Sim, a pessoa, porque é este o elemento principal do combate, como o artilheiro é o elemento principal da artilharia, e não a bomba, a pólvora ou o canhão.

Pode-se, pois, em certos casos, trazer a publico suas infâmias, ridicularizar seus costumes, cobrir de ignomínia o seu nome e apelido. Sim, senhor; e pode-se fazer em prosa ou em verso, a sério ou brincando, em gravuras e por todas as artes e processos que no futuro possam inventar-se.

Somente se deve ter em conta que não se ponha a mentira ao serviço da justiça. Isso não; ninguém neste ponto se afaste um só ápice da verdade, porém, dentro dos limites desta, recorde-se aquele dito de Cretineau-Joly: – A verdade é a única caridade permitida à história; e poderia acrescentar: À defesa religiosa e social.

Os mesmos Santos Padres, que temos citado, provam esta tese. Até os títulos de suas obras dizem claramente que, ao combater as heresias, o primeiro tiro procuravam dirigi-lo contra os heresiarcas. Quase todos os títulos das obras de Santo Agostinho se dirigem ao nome do autor da heresia: Contra Fortunatum manichaeum; Adversus Adamancium; Contra Felicem; Contra Secundinum; Quis fuerit Petilianus; De gestis Pelagii; Quis furiet Julianus, etc. De sorte que quase toda polêmica do grande Agostinho foi pessoal, agressiva, biográfica, por assim dizer, tanto como doutrinal; corpo a corpo com o herege, como contra a heresia. E assim poderíamos dizer de todos os Santos Padres.

Onde foi, pois, o Liberalismo buscar a novidade de que ao combater os erros se deve prescindir das pessoas e até animá-las e acariciá-las? Firmem-se no que ensina neste ponto a tradição cristã, e deixem-nos a nós, os ultramontanos, defender a fé como se defendeu sempre a Igreja de Deus. Penetre, pois, a espada do polemista católico, fira e vá direto ao coração, que esta é a única maneira real e eficaz de combater!”.

O Liberalismo é Pecado, de D. Felix Sardá y Salvani, 1949.
Ed. Companhia Editora Nacional, pp. 89-91.

Que há de extraordinário…?

De internis,  nisi Ecclesia.
[Orlando Fedeli, in A capela vazia]

As intenções, aquilo que é interno, o que passa no coração dos homens, nem a Igreja julga. É o que diz o conhecido ditado eclesiástico, repetido pelo prof. Fedeli na sua última crônica, último capítulo – espero – sobre a saída do IBP do Brasil.

Impossível não concordar. E impossível não se entristecer com os acontecimentos recentes. Primeiro, um instituto pontifício “polariza-se” no Brasil e, nascido e criado em atmosfera tupiniquim insalubre, tem a sua atuação enviesada por interesses que não estão perfeitamente alinhados com os da Santa Igreja. Depois, ao invés de se ajustarem as velas e prosseguir o caminho correto, a saída… finalmente, ao invés de se procurar tirar da atitude corajosa do IBP um bom ensinamento e um sinal de esperança, a perda de tempo com discussões inúteis sobre pessoas. Não raro, esquecendo-se do de internis.

As pessoas são falhas. Necessariamente falhas. Como perguntava retoricamente São Francisco de Sales, “que há de extraordinário em que a enfermidade seja enferma, e a fraqueza fraca, e a miséria miserável”? Por que, então, deter-se tão demoradamente e com tanto afinco nas desgraças das pessoas?

A situação atual perde-se na polêmica vazia; a última crônica da Montfort [em epígrafe] só vai exaltar os ânimos dos defensores da Associação. E quanto aos problemas reais, os que permanecem? E quanto aos estatutos do IBP, sem os quais é simplesmente impossível acusar de traição ou de interpretação errada qualquer um dos lados? Nem uma palavra…

Uma ave-maria pelo Santo Padre, pela exaltação da Santa Madre Igreja, pela extirpação das heresias; outra ave-maria pelo prof. Orlando, pelo pe. Renato, pelo pe. Navas, pelo pe. Laguerie e por todos os que estão envolvidos diretamente na dolorosa situação; e uma ave-maria por nós todos, é o que peço aos que por aqui passarem.

Ave Maria
Ave Maria
Ave Maria

Nossa Senhora, Refugium Peccatorum,
ora pro nobis!

P.S.: A tradução do latim em epígrafe está errada. Veja por quê.

A necessidade da oração – S. Francisco de Sales

A necessidade da oração

1. A oração, fazendo o nosso espírito penetrar na plena luz da divindade e expondo a nossa vontade abertamente aos ardores do amor divino, é o meio mais eficaz de dissipar as trevas de erros e ignorância que obscurecem a nossa mente e de purificar o nosso coração de todos os seus afetos desordenados. É ela a água da graça, que lava a nossa alma de suas iniqüidades, alivia os nossos corações, opressos pela sede das paixões, e nutre as primeiras raízes que a virtude vai lançando, que são os bons desejos.

2. Mas o que muito em particular te aconselho é a oração de espírito e de coração e, sobretudo, a que se ocupa da vida e paixão de Nosso Senhor: contemplando-o, sempre de novo, pela meditação assídua, tua alma há de por fim encher-se dele e tu conformarás a tua vida interior e exterior com a sua. Ele é a luz do mundo: é nele, por ele e para ele que devemos ser iluminados. Ele é a árvore misteriosa do desejo de que fala a Esposa dos Cantares. É a seus pés que temos que ir respirar este ar suavíssimo, quando o nosso coração se vai afrouxando pelo espírito do século. Ele é a cisterna de Jacó, essa nascente de água viva e pura; a ela cumpre chegarmo-nos muitas vezes, para lavar nossa alma de suas manchas. Os meninos, como é sabido, ouvem continuamente as suas mães falarem e, esforçando-se por balbuciar com elas, aprendem a falar a mesma língua; deste modo nós, unindo-nos com Nosso Senhor, pela meditação, e notando as suas palavras e ações, os seus sentimentos e inclinações, aprenderemos por fim, com a sua graça, a falar com ele, a agir com ele, a julgar como ele e amar como ele. A Ele é preciso prendermo-nos, Filotéia, e crê-me que não podemos ir a Deus, o Pai, senão por esta porta que é Jesus Cristo, como ele mesmo nos disse. O vidro dum espelho não pode deter a nossa vista, se não for aplicado a um corpo sólido, como o chumbo e o estanho; de modo análogo, jamais nos seria possível contemplar a divindade nesta vida mortal, se não se unisse à nossa humanidade em Jesus Cristo, cuja vida, paixão e morte constituem para as meditações o objeto mais proporcionado a nossas luzes, mais agradável ao nosso coração e mais útil ao melhoramento de nossos costumes.

O divino Salvador chamou-se a si mesmo o pão descido do céu, por muitas razões, entre as quais podemos aduzir a seguinte: assim como se come o pão com toda sorte de alimento, assim devemos tomar o espírito de Jesus Cristo na meditação, e ele, nutrindo-nos, influirá em todas as nossas ações. Por isso, muitos autores repartiram em diversos pontos de meditação o que sabemos de sua vida e paixão. Entre esses autores aconselho-te especialmente S. Boaventura, Bellintani, Bruno, Capiglia, Granada e La Puente.

3. Emprega neste exercício uma hora por dia, antes do jantar, ou de manhã, se for possível, antes que percas as boas disposições e tranqüilidade de espírito que dá o repouso da noite. Mas não prolongues mais este tempo, a não ser que o teu pai espiritual o tenha fixado expressamente.

4. Se te for possível fazer este exercício com maior tranqüilidade numa igreja, parece-me ainda melhor, porque, a meu ver, nem pai, nem mãe, nem marido, nem mulher, nem pessoa alguma terá direito de disputar-te esta hora de devoção; ao contrário, em casa não podes contar com toda ela nem com tanta liberdade, em razão da dependência em que aí te achas.

5. Começa a tua oração, seja mental, seja vocal, sempre pondo-te na presença de Deus; nunca neglicencies esta prática e verás em pouco tempo os seus resultados.

6. Se em mim confias, hás de recitar o Pater Noster, Ave Maria e o Credo em latim; não omitirás, no entanto, de aprender estas orações também em tua língua materna, para que lhe entendas o sentido. Deste modo, conformando-te ao uso da Igreja pela língua da religião, compreenderás outrossim o sentido admirável destas orações e lhes saborearás a suavidade. Convém recitá-las com a máxima atenção ao seu sentido e excitando os afetos correspondentes. Não te deixes levar pela pressa infundada de fazer muitas orações, mas cuida de rezar com devoção; um só Pater, rezado com piedade e recolhimento, vale mais que muitos recitados precipitadamente.

7. O Rosário é um modo utilíssimo de rezar, supondo que se saiba recitá-lo bem. Para que tu o saibas, lê um desses livrinhos de oração que contém o método de rezá-lo. Muito recomendável é também recitar as ladainhas de Nossa Senhora e dos santos, como outras orações que se acham em manuais aprovados devidamente; mas tudo isso fica dito sob a condição de que, se tens o dom da oração mental, lhe dês o tempo principal e o melhor. Deves notar que, se depois de o fazeres, por causa de muitas ocupações ou por outro motivo, não te sobre tempo disponível para as tuas orações vocais, absolutamente não te deves inquietar; é bastante rezares antes ou depois da meditação simplesmente a oração dominical, a saudação angélica e o Símbolo dos Apóstolos.

8. Se, ao recitares uma oração vocal, te sentires atraída à oração mental, muito longe de reprimires esta inclinação, deves deixar-te levar suavemente e não te perturbes por não acabar todas as orações que te tens proposto. A oração do espírito e do coração é muito mais agradável a Deus e salutar à alma do que a oração dos lábios. Está bem de ver que a esta regra hás de excetuar o ofício divino e aquelas orações que estás obrigada a recitar.

9. Deves repelir tudo que te poderia impedir este santo exercício pela manhã; mas, se tuas múltiplas ocupações ou outras razões legítimas te roubam este tempo, procura fazer a meditação de tarde, à hora mais distante possível da refeição, quer para evitar a sonolência, quer para não fazer mal à saúde. E, se prevês que em todo o dia não acharás tempo para a oração, cumpre reparares esta perda, suprindo-a por essas elevações freqüentes de espírito e coração a Deus, às quais chamamos jaculatórias, por uma leitura espiritual, por algum ato de penitência, que impede as conseqüências daquela perda, e propõe-lhe firmemente fazer a tua oração no dia seguinte.

[São Francisco de Sales,
“Filotéia”
Parte II – Capítulo I
Vozes
Petrópolis, 2008
]