O primeiro de nós que se vai

Já fazia bastante tempo que eu não escrevia neste espaço; a internet mudou nos últimos anos — bem debaixo dos nossos olhos! — e o interesse das pessoas por textos compridos, publicados em sites particulares, deu amplamente lugar ao conteúdo consumido no feed do Facebook ou, mais ainda!, nos stories do Instagram. É um fenômeno que manipula com extrema maestria o nosso senso de prioridades: a palavra escrita na areia da praia muito em breve será apagada pelas ondas do mar, enquanto a palavra gravada na pedra estará sempre disponível para nossa consulta futura. Posto o problema nestes termos abstratos, é natural que se dê preferência à escrita arenosa, efêmera e volátil. No entanto, quando temos legiões de escribas lutando freneticamente contra o avanço das marés — não no sentido de prolongar no tempo a escrita, mas no de não deixar, nem por um segundo sequer, um palmo de areia lisa após a passagem das ondas –, quando os homens se entregam com todas as forças ao éter das redes sociais elevado ao paroxismo, aí é natural que as pedras sejam deixadas de lado e, recobertas de musgos, somente a um observador mais atento — ou a um visitante dos tempos passados — revelem as mensagens que nelas costumavam ser gravadas.

Este sítio estava assim, mais como um monumento às batalhas do passado que como palco das lutas do presente. No entanto, hoje sou forçado pelas circunstâncias da vida a retornar a estas paragens, a soprar a poeira destas páginas e a empunhar a pena mais uma vez, para me desincumbir de uma tarefa que eu desejara não cumprir. Hoje sou constrangido a escrever um pungente necrológio, e aos obituários não fica bem a volatilidade das redes sociais: cai-lhes melhor a palavra grafada em pedra, sem luzes, sem cores, sem espalhafatos, mas duradoura. Gostaríamos que os nossos entes queridos não se fossem! Incapazes, no entanto, de fazer frente à imperiosidade da morte, esculpimos laboriosamente os seus nomes no mármore dos cemitérios — a fim de que ao menos alguma coisa deles permaneça conosco, no nosso mundo, para a qual nos possamos voltar de quando em vez, quando nos cansarmos do vaivém das ondas do mar.

Na manhã deste 30 de julho, na véspera do seu sexagésimo aniversário, aprouve ao Senhor chamar a Si o Seu filho Wagner Marchiori — esposo, pai e avô dedicado, amigo fiel. Os mais antigos do Deus lo Vult! certamente hão de se lembrar dele, se não pelo nome de Batismo, ao menos pelo pseudônimo de Lampedusa com o qual ele costumava abrilhantar a área de comentários deste site. Há anos o meu amigo lutava contra uma grave doença neurológica — um tipo de esclerose amiotrófica — que lhe roubava paulatinamente o movimento do corpo, preservando-lhe no entanto intacta a mente. Não sou capaz de imaginar o sofrimento pelo qual ele passou — perdendo pouco a pouco o controle dos músculos, logo a força dos braços, o movimento das pernas, a sensibilidade dos dedos da mão. No entanto, com quanto garbo ele soube entornar o cálice até o fim, até o fundo, sem derramar uma gota sequer, sem murmurar! O corpo padecia, mas a alma se agigantava. Se é verdade que há heroísmo na vida ordinária dos cristãos, há uma espécie de super-heroísmo em quem atravessa dificuldades extremas sem esmorecer, sem titubear.

Conheci Wagner na época do Orkut, na pré-história da internet. Dividimos, junto com outros amigos, a moderação da melhor comunidade “Católicos” em língua portuguesa daquela rede social. Daquela época nos ficou uma seleta lista de e-mails, de nome sigiloso, por meio da qual nos correspondemos — por vezes, todos os dias — ao longo dos anos. Também as listas de discussão tiveram o seu ocaso; fomos para os grupos de WhatsApp. E assim, ano após ano, em meio a plataformas de comunicação à distância que surgiam e caíam no esquecimento, nós continuamos amigos próximos. É por isso que, hoje, mesmo tendo sido recebida pelo celular, a notícia do seu falecimento me abate como se tivesse sido um familiar que nos deixasse.

Wagner Marchiori, Fernando Tavolaro, Luís Guilherme Pereira e Jorge Ferraz.
Indaiatuba, 2009.

Quanto tempo, e tão depressa! Em um feriado prolongado de sete de setembro, em 2009, Wagner convidou-nos, a mim e a uns amigos comuns, para passarmos uns dias em uma casa de férias que ele possuía no interior de São Paulo. Já lá se vão mais de dez anos; mas quanta coisa mudou de lá para cá! Desejamos repetir a experiência daqueles dias outras vezes; chegamos até mesmo a comentar, mais de uma vez, que deveríamos achar uma oportunidade para marcar um grande encontro, onde cada um pudesse levar a sua família, para lembrarmos os velhos tempos. Éramos jovens e tolos. Toda uma vida passou por debaixo dos nossos olhos, e o desejado encontro nunca veio. Resta-nos agora esperar que as lágrimas vertidas pelos que ainda aqui ficamos possam comover o coração de Deus, a fim de que Ele, olhando para a amizade cultivada entre os Seus filhos aqui nesta terra, digne-Se preparar um dia, no Céu, os encontros que aqui não se puderam realizar.

Em 2018 voltei a São Paulo depois de muitos anos; fui com a esposa para um congresso de Direito. Wagner nos convidou para jantar, e graças a Deus conseguimos acertar a nossa agenda para tornar possível o encontro! Foi uma noite bastante agradável, com bom vinho e boa comida e boa conversa até tarde. Surpreendeu-me, na ocasião, como Wagner estava debilitado: já em uma cadeira de rodas motorizada, só movia as mãos e a parte superior do tronco. Mas falava com tanta vivacidade, e conversava conosco com tanto interesse, e sorria com tanta jovialidade que um transeunte ocasional que porventura escutasse por detrás da porta certamente diria ser ele o menos enfermo dos que ali se encontravam.

Despedimo-nos nos desejando ver mais uma vez em breve, e os anos correram de novo. Chegou 2020 e o Coronavírus atirou para o futuro distante qualquer possibilidade de viagens a lazer. Aquele jantar foi a última vez em que estive com Wagner, e sou grato a Deus por me ter proporcionado esta oportunidade de me despedir do meu amigo sem que o soubéssemos. Ou pelo menos sem que eu o soubesse; Wagner provavelmente já tinha então uma consciência mais nítida da fragilidade da sua condição. Mas ele não permitiu que nenhuma sombra de tristeza tisnasse a alegria daquele último reencontro.

Jamais o permitiu. Daquele grupo de católicos que se conheceu no antigo Orkut (e alguns de nós antes mesmo disso, no mIRC), tenho a alegria de dizer que uma parte considerável de nós manteve e mantém até hoje um contato frequente, quase diário. E Wagner, cujo corpo se deteriorava dia a dia, jamais deixou que a sua doença monopolizasse as nossas conversas: era de uma discrição heroica. E jamais deixou de conversar conosco, e de se importar, e de agir com toda a generosidade e grandeza de alma que lhe eram próprias. Na última mensagem que nos mandou, ontem mesmo, manifestava condolências a outro amigo, cujo sogro falecera recentemente. E hoje, no início da tarde, a próxima mensagem quem nos manda é a esposa, de posse do celular dele, dizendo que ele falecera pela manhã…

É o primeiro de nós que se vai, e isso provoca em mim uma tristeza profunda. Que a Virgem Santíssima o receba, meu amigo! Que você possa um dia desfrutar, na presença de Deus, do corpo são que lhe foi tão dolorosamente negado nos seus últimos anos nesta terra. E que a alegria dos anjos e santos com a sua chegada possa suplantar infinitamente a tristeza que a sua partida nos causa aqui. Descanse em paz.

Uma Ave-Maria por Wagner, para que seja recebido depressa no Paraíso, e para o consolo dos familiares e amigos, é o que peço aos que chegaram até aqui.

O cortejo dos assassinos penitentes

O Estadão traz hoje uma pequena coluna da lavra do revmo. padre José Arnaldo Juliano, capelão do Mosteiro da Luz em São Paulo. Segundo o sacerdote, de cada dez confissões que ele atende, quatro estão relacionadas ao aborto.

É um número altíssimo, tremendo!, que nos autoriza — penso — a tirar algumas conclusões bem duras.

Antes de qualquer coisa, isso revela o avançado nível de barbárie em que nos encontramos. A banalização da vida — mormente da vida humana inocente e indefesa — atingiu patamares que provavelmente fariam corar de vergonha os pagãos de antes de Cristo. A questão mais grave, penso, é a indiferença. O aborto ainda é rechaçado pela maioria da população brasileira; no entanto, ninguém parece se importar com a sua prática escancarada, obscena, a céu aberto. No âmbito intelectual parece que as pessoas no geral compreendem que um feto no ventre da mãe é um ser humano cuja vida ou morte não pode estar sujeita à livre escolha de seus pais; mas no dia-a-dia, na vida prática, no quotidiano, as pessoas têm uma deplorável capacidade de virar o rosto e fingir que não estão vendo nada. Parece ser reencenada aqui aquela triste máxima sobre a corrupção do nosso povo: todos a condenam, mas em determinadas situações todos a praticariam.

Depois: o número revela o imenso mal provocado pela leniência dos poderes públicos no combate a este crime horrendo. Se a índole do povo é tendente à dissolução, compete aos governantes refrear-lhe os maus instintos. Mas a verdade é que nós assistimos, nas últimas décadas, à implantação sistemática e consistente de políticas públicas tendentes a facilitar cada vez mais o crime horrendo do aborto. O padre Lodi denuncia isso pelo menos desde 1999. O resultado está aí: por conta da banalização do mal, muitas mulheres psicologicamente fragilizadas acabam sendo empurradas — muitas vezes por companheiros inescrupulosos — para o assassínio covarde dos seus filhos. E a isso os poderes públicos fecham os olhos, e esses dramas terríveis a sociedade finge não ver.

E isso nos leva à seguinte outra questão: tanto sangue inocente derramado clama aos Céus vingança, e ainda haveremos de padecer muito em expiação pelos nossos crimes. Se o Brasil agoniza sob a corrupção política institucionalizada, se as nossas taxas de homicídios ganham das de países em guerra, se mosquitos nos transmitem pragas horrendas, se as drogas ceifam um número cada vez maior de vidas, se o desemprego cresce e a economia vai mal, tudo isso é pouco — é quase nada — perto do castigo que merecemos pela indiferença com a qual tratamos o crime horrível do aborto. Se este crime, que é o mais horrendo e o mais vil de todos, não nos escandaliza, então nós perdemos o direito de nos escandalizar diante do que quer que seja. Se o nosso coração está tão endurecido a ponto de não se comover com uma criança assassinada no ventre de sua mãe — um ser humano inocente morto, um de nós!, assassinado no santuário da vida –, então somos bestas selvagens sobre as quais a mão implacável de IHWH dos Exércitos não poderá jamais pesar o suficiente.

confissao

Tudo isso é terrível e é dramático, mas resta no fundo da caixa uma esperança a nos alentar. É que as mulheres que cometem esse ato infame ainda se arrependem e, entre lágrimas, procuram um sacerdote para se confessar — no Mosteiro da Luz de São Paulo, quatro em cada dez confissões versam sobre o aborto! Se o pecado é horrendo, o arrependimento é sublime e, o perdão, magnânimo. Se os nossos confessionários estão abarrotados de criminosos e assassinos, que Deus seja louvado! Pior seria se os criminosos não acorressem ao Tribunal da Misericórdia, se os assassinos não fossem limpar nas lágrimas da Penitência o sangue de suas mãos. Os números que o padre José Arnaldo nos trazem assustam, sim, sem dúvidas, mas também servem de alento: o senso do pecado continua, a voz da consciência ainda clama a despeito da massiva propaganda pró-aborto a que estamos sujeitos diuturnamente. A despeito da despudorada opção pelo crime que o Brasil institucionalmente fez, os brasileiros ainda se envergonham do homicídio, ainda se arrependem do assassinato, ainda pedem perdão pelo crime horrendo do aborto. Se o Céu se alegra com um único pecador arrependido, talvez este cortejo de assassinos penitentes nos alcance um pouco da Misericórdia de Deus.

O Reino de Deus não é comida nem bebida

Um leitor desafia:

Aliás, por que não comenta a diferença [nas regras do jejum e da abstinência] do Código de Direito Canônico de 1917 com o atual?

Façamos melhor! Comparemos o Código Pio-Beneditino com a praxis ortodoxa e com a cristã primitiva. Que tal?

Para o Código de 1917, de acordo com esta excelente sistematização:

  • faz-se abstinência toda sexta-feira do ano;
  • faz-se jejum todos os dias da Quaresma;
  • faz-se jejum e abstinência em algumas datas específicas («na Quarta feira de Cinzas, em toda Sexta-feira e Sábado da Quaresma e das Quatro Têmporas, nas vigílias de Pentecostes, da Assunção da Mãe de Deus ao Céu, de Todos os Santos e da Natividade do Senhor»).

Para os ortodoxos:

  • faz-se «jejum normal às quartas e sextas-feiras» do ano todo (com algumas exceções: p.ex., «entre o Domingo do Fariseu e do Publicano e o do Filho Pródigo»);
  • seguem-se complicadas regras de abstinência para a Quaresma (v.g. na primeira semana, além do jejum, é permitido «comer apenas vegetais cozidos com água e sal, e também coisas como frutas, nozes, pão e mel»; na Quinta-Feira Santa, «uma refeição é permitida com vinho e óleo»; no Sábado Santo, «ao fiel que permanecer na igreja para a leitura dos Atos dos Apóstolos, para sustentar suas forças é dado um pouco de pão e frutas secas, com um copo de vinho»; etc.).

Para os primitivos cristãos:

  • fazia-se jejum toda semana, na quarta-feira e na sexta-feira;
  • o jejum «consistia na abstenção de todo o alimento e de toda a bebida até a hora nona, isto é, até o meio da tarde»;
  • além destes, os «jejuns que precediam a Páscoa (…) foram fixados em quarenta dias, em memória do jejum que Cristo fez no deserto».

Que conclusões podemos tirar dessas informações? Que os cismáticos ortodoxos são os que mais se aproximam da Igreja fundada por Nosso Senhor? Que o Código Pio-Beneditino era de um relaxamento modernista criminoso em comparação com as regras do jejum praticadas em outros tempos e lugares? Que a Igreja vem passando, ao longo dos séculos, por um gradual processo de degeneração no que concerne à pureza das práticas penitenciais que os Apóstolos legaram aos primeiros cristãos?

Nada disso. A única coisa que é legítimo concluir desse ligeiro excurso histórico-geográfico é que a Igreja de Cristo, naquilo que não é de direito divino, sempre teve o poder de moldar a Sua disciplina às diversidades dos tempos e lugares, aos usos e costumes legítimos, tendo em vista o que julga mais propício a conduzir as almas a Deus – este, sim, que é o fim mediato de toda a penitência cristã.

Em si mesmo, não adianta passar um terço do ano a pão e água, não adianta comer apenas nozes e lentilhas em determinados dias do ano, não adianta passar cinco dias com somente duas refeições. Não adianta, porque «o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo» (Rm 14, 17). E atenção, que com isso não se está negando a importância da penitência na vida cristã; mas se está, sim, atacando a mentalidade que parece querer reduzir a ascese ao número anual de dias de abstinência obrigatória de carne no calendário oficial da Igreja.

Se o Código de Direito Canônico de 1983 for modernista e ilegítimo meramente porque prescreve uma disciplina mais relaxada do que a do Código de 1917, então o Pio-Beneditino também o é porque dispõe regras de jejum e abstinência muito mais brandas do que as mantidas – até hoje! – pelos cismáticos orientais. E os cismáticos orientais, ao complicar o jejum seguido pelos cristãos dos primeiros séculos (ao mesmo tempo, aliás, ao que parece, em que o abrandava em muitos dos dias da Quaresma), também são réus da corrupção da pureza dos costumes antigos e, por conseguinte, cabe-lhes a mesma censura. A seguir tal lógica, então, nunca houve fidelidade entre as autoridades eclesiásticas de nenhuma parte do mundo, e a história da Igreja é um enorme suceder de progressivas conspurcações da mensagem evangélica. Semelhante raciocínio, por óbvio, não tem o menor cabimento, é aliás ímpio e blasfemo, e ofende aos ouvidos pios que ele seja sequer cogitado.

Contra essa mentalidade neo-farisaica que julga encontrar a graça divina no mero cumprimento material de normas disciplinares, levantam-se, vigorosas, as palavras de S. Paulo: non est regnum Dei esca et potus! O valor das penitências não se mede pela magnitude daquilo que é sacrificado, mas pelo espírito com o qual se o sacrifica. Afinal de contas, a razão última de toda penitência é o conformar-se a Cristo, é o aproximar-se de Deus. Para quem ainda não se apercebeu dessa verdade elementar, infelizmente, nem todos os jejuns e abstinências do mundo haverão de servir.

Solicitada abertura de inquérito por ultraje a culto na Catedral da Sé

Já não deve ser novidade para ninguém o recente vandalismo perpetrado por um indivíduo na Catedral da Sé de São Paulo, desfilando pelo interior da igreja com vestes dignas de uma Parada Gay. Muito satisfeito e muito orgulhoso do seu gesto libertador e revolucionário, o celerado em questão – que atende pelo nome de Yuri Tripodi – vinha se vangloriando em seu Facebook da “performance”. A depender dos desdobramentos que o caso tomou, é de se esperar que ele em breve ponha de lado o sorriso zombeteiro ora estampado no rosto.

Na última segunda-feira (28/07), foi protocolado junto ao 1º Distrito Policial da Capital (SP) um pedido de abertura de inquérito policial para a averiguação dos possíveis crimes de ultraje a culto e ato obsceno praticados pelo sr. Tripodi (cf. aqui). A notícia alvissareira me foi enviada pelo caríssimo Rodrigo Pedroso, um dos requerentes, a quem duplamente agradeço: em primeiríssimo lugar pela própria atitude tomada junto aos órgãos competentes de polícia e, em seguida, pela sua divulgação.

Não é de hoje que acontecem esses gestos covardes contra a Igreja, motivados por uma falta de respeito ao próximo que transcende qualquer credo religioso ou mesmo ausência de credo: esse tipo de agressão gratuita, tenho certeza, é percebido não apenas pelos que têm Fé, mas por qualquer pessoa capaz de um mínimo de empatia, tanto como ofensivo aos católicos quanto como de mau gosto e desnecessário. Ninguém precisa ser religioso para entender que expôr as partes íntimas dentro de um templo católico é profundamente agressivo: aliás, o próprio fato do “artista” tomar isso como um libelo contra a opressão religiosa ou o que seja já demonstra, por si só, que ele tem completa consciência do significado do seu gesto. Não se trata, portanto, de nenhum pobre-coitado sobre cujo “jeito de ser” a Igreja está lançando censuras descabidas e injustos vitupérios: trata-se, isso sim, de alguém que deliberadamente se comporta de modo a ofender e escandalizar católicos que estavam pacificamente reunidos no seu lugar próprio de culto. Não é questão de melindre religioso, e sim de civilidade pura e simples.

Não é de hoje, eu dizia, que gestos covardes assim encontram quem os realize alegremente; mas o número desses “corajosos”, estou certo, seria bastante diminuído se eles sofressem na pele alguma mínima conseqüência pelas suas ações. Se ao lado dos tapinhas amigáveis nas costas e das manifestações rasgadas de admiração despejadas nas redes sociais caíssem-lhes alguns pedidos de esclarecimentos por parte das autoridades públicas, estou certo de que os desocupados arranjariam rapidamente outras coisas para fazer: quando menos para não ter que perder tempo às voltas com delegacias e fóruns de justiça. Porque atitudes assim têm o espírito de corpo de um punhado de baratas: basta acertar uma delas para as demais fugirem, desorientadas e perdidas, para todas as direções.

Se por um lado é de se lamentar profundamente a leniência das autoridades religiosas no tocante a estas questões, que nelas parecem não ver nenhum problema de suficiente monta, por outro merecem louvores as atitudes dos fiéis particulares que, em seu próprio nome, gastam um pouco de tempo e de energia para tornar um pouco mais difícil a zombaria das coisas sagradas. Oxalá o exemplo do sr. Rodrigo Pedroso e colegas possa levar outras pessoas a tomarem a mesma iniciativa. Não somos em menor número do que os vândalos e baderneiros. Não é justo que assistamos, inertes, a esses ataques ao sentimento religioso, que escarnecem da própria civilização.

Convite para curso: «Doutrina e Ética Social»

Informação relevante aos meus leitores de São Paulo: o Prof. Rodrigo Pedroso iniciará amanhã um curso sobre Doutrina e Ética Social a que eu próprio gostaria muitíssimo de poder assistir. Os que não possuem os meus obstáculos geográficos (ou outros análogos), portanto, façam-se presentes. Estou convencido de que valerá muito a pena.

cursodoutrina

O programa do curso, conforme foi enviado por email, é o seguinte:

Curso de direito natural
PROGRAMA

  1. Introdução.
  2. Pressupostos epistemológicos.
  3. Pressupostos metafísicos.
  4. Análise da operação natural.
  5. O objeto da operação humana. O fim último do homem.
  6. Atividade humana em ordem a seu fim. Análise do ato humano.
  7. Noções de ontologia moral.
  8. A moralidade objetiva.
  9. A moralidade subjetiva.
  10. As virtudes e os vícios. O conceito de justiça.
  11. A lei natural.
  12. A consciência.
  13. O pecado e o mérito.
  14. O direito: conceito, fim e propriedades. Direito e moral.
  15. Deveres do homem em geral.
  16. Deveres do homem para com Deus.
  17. Deveres do homem para consigo mesmo.
  18. Fundamentos dos deveres mútuos entre os homens.
  19. O direito de propriedade.
  20. Os contratos.
  21. A sociedade em geral.
  22. Os componentes da sociedade.
  23. A formação da sociedade mediante fatos associativos.
  24. Sociedade e princípio da subsidiariedade.
  25. Natureza da ação social. Como age a sociedade.
  26. Divisão do direito: público e privado.
  27. Deveres da sociedade para com seus membros.
  28. A defesa social: jurisdição e direito criminal.
  29. Noção de societas perfecta. As partes do poder politico segundo suas funções.
  30. A transmissão do poder político.
  31. A usurpação do poder.
  32. A perda do poder legítimo.
  33. O poder constituinte.
  34. O poder legislativo.
  35. O poder executivo.
  36. A divisão dos poderes.
  37. Relações mútuas entre sociedades independentes – direito internacional.
  38. Deveres de um estado independente para com uma sociedade ordenada.
  39. Deveres para com uma sociedade desordenada (agressora ou conflagrada).
  40. A sociedade das nações, um governo mundial?
  41. O desenvolvimento material da sociedade. Liberdade economica e corporações.
  42. O desenvolvimento intelectual e moral da sociedade. A liberdade espiritual.
  43. Os regimes politicos.
  44. A sociedade domestica ou familia: o laço conjugal.
  45. A sociedade domestica ou familia: deveres e direitos reciprocos entre pais e filhos.
  46. Nexo necessário entre a teoria social e a religião.
  47. Análise filosófica da Igreja católica.

* * *

O quê: Curso de Doutrina e Ética Social
Onde: Paróquia de Nossa Senhora do Monte Serrate – Largo de Pinheiros, SP.
Quando: Às quartas-feiras, às 19h30.
Quanto: Gratuito.

Não percam essa oportunidade.

São Paulo pela vida – coleta de assinaturas

Bastante louvável esta iniciativa da Diocese de Taubaté de apresentar uma «petição que propõe ao Poder Público do Estado de São Paulo assegurar o DIREITO À VIDA desde a fecundação (nascituro) até a morte natural de um indivíduo».

sp-pela-vida-660x330

Trata-se de uma proposta de emenda à Constituição de São Paulo. É um projeto de iniciativa popular apresentada por «cidadãos eleitores paulistas»; se você é de São Paulo, não deixe de participar dessa campanha e de divulgá-la.

O texto pode ser assinado clicando-se na figura acima ou aqui.

«A prudência impõe aos monarquistas absterem-se de qualquer participação em tais manifestações» – Dom Luiz de Orleans e Bragança

[Reproduzo o comentário que recebi via «Acontece na Monarquia». Disponibilizo para download em .pdf aqui. O conselho de “prudência” é importante e revela a sabedoria do Chefe da Casa Imperial do Brasil. O povo está nas ruas e não sabe o que quer. Tenho para mim que, no fundo, o que aquelas multidões de pessoas querem é um Rei pra chamar de seu.]

Pró Monarquia

COMUNICADO

Pró Monarquia comunica que S.A.I.R. o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, em vista da onda de protestos que se generaliza por todo o País, refletindo um fundo de insatisfação geral e evidenciando que pode haver nos bastidores quem esteja procurando tirar proveito desses acontecimentos, e ademais considerando o risco de envolvimento em atos de anarquismo, julga que a prudência impõe aos monarquistas absterem-se de qualquer participação em tais manifestações.

São Paulo, 18 de junho de 2013.

O levante da hipocrisia contra o Estatuto do Nascituro

Recebi a foto abaixo por email (cliquem para vê-la um pouco maior): trata-se da turba abortista aglomerada em São Paulo diante da Catedral da Sé, no último sábado (15 de junho). Protestam contra o Estatuto do Nascituro; houve protestos similares em vários lugares do Brasil. Em Recife, a manifestação deve ter contado com umas cinco pessoas: não faltasse pauta pros jornais, nem saberíamos dela.

abortistas-se-rdzd

Em São Paulo, havia um número maior de gente. E, mais uma vez, um pequeno grupo de fiéis formou um cordão humano diante das portas do templo de Deus; eram umas vinte pessoas. Segundo um relato colocado no Facebook por uma menina que estava presente, «[r]esistimos bravamente por três horas, aí os policiais nos aconselharam a sair. Pois eles estavam ficando cada vez mais agressivos».

Como já explicamos aqui, é simplesmente incompreensível que possa haver pessoas tão egoístas a ponto de não aceitarem um projeto que manda o Estado prestar auxílio às mulheres que foram vítimas de violência sexual e não desejam abortar. A hipocrisia do discurso abortista aparece às claras quando se percebe que ele na prática força a mulher vítima de estupro a abortar o próprio filho, uma vez que não permite ao Estado oferecer-lhe suporte psicológico e financeiro na situação de vulnerabilidade em que ela se encontra. Não são a favor do “direito de decidir” coisíssima nenhuma. Na verdade, eles se levantam raivosos contra qualquer iniciativa que proponha fornecer à vítima de violência sexual reais possibilidades de escolha. Essa histeria toda dá testemunho inconteste disso.

Enquanto isso, a grande mídia se coloca vergonhosamente a favor dos hipócritas da forma mais cretina possível. Um jornal tem a pachorra de fazer uma enquete perguntando aos internautas se eles são a favor da “bolsa-estupro” (sic) e outro reclama até do material que a CNBB pretende distribuir para os católicos durante um evento católico. Este último, aliás, além de polarizar o discurso de maneira totalmente falsa (médicos e cientistas de um lado contra padres e religiosos do outro), ainda consegue grafar (por duas vezes!) «Estatuto do Nasciturno», o que mostra que não tiveram sequer o cuidado de ler com atenção o que estão empenhados em criticar.

noticias-nasciturno

Como exceção realmente honrosa se encontra o editorial da Gazeta do Povo, mais uma vez nadando contra a corrente das ideologias assassinas da moda e levantando a sua voz em defesa daqueles que ainda não podem falar. Destaco:

Sabemos que o esforço para dissociar a criança do agressor chega a ser heroico, e por isso o Estatuto do Nascituro também prevê o encaminhamento da criança à adoção, rompendo a falsa dicotomia que só apresenta como alternativas válidas nessa situação fazer o aborto ou ficar com a criança – com todas as consequências psicológicas que ambas as escolhas acarretam. Graças à exceção aberta pela lei para não punir abortos em caso de gravidez resultante de estupro, chega a haver uma pressão social para abortar quando uma mulher violentada se descobre grávida do estuprador. Joga-se sobre as costas da mulher, já fragilizada pela violência sofrida, a responsabilidade por uma nova violência, dessa vez contra a criança. A nova legislação permite à mulher buscar uma alternativa sem impedir que ela recorra às possibilidades já previstas pela lei atual; qualquer pessoa preocupada com a ampliação dos direitos da mulher deveria, portanto, receber o Estatuto do Nascituro como um avanço.

O jornal está de parabéns por ser uma das únicas vozes sensatas que ainda restam na grande mídia: não deixem de entrar em contato com ele por meio da página de “Fale Conosco” do editorial ou do email «leitor@gazetadopovo.com.br», a fim de encorajar a redação a continuar com esta tão importante linha editorial. E que ninguém se retraia diante da gritaria dos abortistas, que ninguém se intimide diante do levante da hipocrisia. Apoiar a mulher vítima de estupro é dar-lhe condições dignas de escolher a maneira como pretende tentar seguir a sua vida. Esta verdade não pode ser mudada à força de passeatas mal-fingidas. Nem um milhão de feministas baderneiras podem mudar este fato evidente.

Há espaço para as Universidades Católicas num mundo pluralizado?

A direção da PUC-SP negou pela segunda vez a decisão do Conselho Universitário de rejeitar a nomeação da profa. Anna Cintra para a reitoria da Universidade [1]. A nota foi clara: «Sendo a PUC-SP uma universidade comunitária-privada, somente o grão-chanceler [no caso, o arcebispo Dom Odilo Scherer], como instância de deliberação máxima, tem poderes para revogar a nomeação da Reitora, nos termos de seus estatutos». Os professores suspenderam a greve [2].

Anteontem, uma liminar da Justiça havia suspendido a nomeação da reitora [3] até que o Conselho Universitário julgasse um pedido de anulação feito pelos alunos. O julgamento foi feito ontem, quando «representantes de professores, alunos e funcionários, que formam o conselho, aprovaram um recurso dos estudantes de direito da PUC, que pedia a suspensão da lista tríplice dos candidatos à reitoria» [1]. Mesmo assim, «a direção da PUC julgou “incoerente” a decisão do conselho suspendendo a lista tríplice, pois há quase 90 dias o mesmo órgão havia aprovado os três nomes» [1]. Tendo havido o julgamento, a liminar perde a validade [3]; a direção da PUC rejeitando a decisão do Conselho Universitário, a profa. Anna Cintra permanece na reitoria [1]; sendo suspensa a greve [2], espera-se que os ânimos se pacifiquem e os grevistas (ao menos por enquanto) aceitem a nomeação da nova reitora. Mas eu não me arrisco a prever o desenrolar deste imbroglio todo.

Mais do que as questões de fato (que inclusive já haviam sido comentadas no Deus lo Vult!), interessam-nos aqui os princípios por trás desta disputa toda. Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o Cardeal Odilo Scherer, grão-chanceler da PUC-SP, fez uma aberta defesa da missão da Universidade Confessional e Católica dentro de uma sociedade democrática e plural:

Para um pesquisador cristão, a coerência com a sua fé não o faz sobrepor ao seu trabalho critérios alheios à ciência; sua própria fé leva-o ao amor à verdade e ao respeito pela dignidade da pessoa humana.

Num contexto relativista, como o atual, uma universidade católica contribui para mostrar que há valores inegociáveis, como a busca da verdade, o valor da vida humana em todas as suas etapas e a dignidade da mulher.

[…]

Por isso, mesmo, num mundo que parece esquecer-se de Deus, uma universidade católica tem uma importante função social, também como contribuição para o pluralismo e a liberdade de pensamento. E isso não parece irrelevante para o convívio democrático!

A posição de Dom Odilo está perfeita e responde com maestria à pergunta que intitula este texto. Esta firmeza do Cardeal de São Paulo, contudo, provocou a ira de outros colunistas da Folha de São Paulo. Na última terça-feira, o Vladimir Safatle reservou o seu espaço hebdomadário no jornal para criticar não apenas a posição de D. Odilo, como também o próprio lugar de uma Universidade Confessional dentro de um Estado Democrático. As idéias do colunista são francamente absurdas; para ficar em só dois exemplos:

1. «Desde o seu início, ela [a Universidade] foi uma ideia vinculada à constituição de um espaço crítico de livre pensar. Ela era a expressão social do desejo de que o conhecimento se desenvolvesse em um ambiente livre de dogmas, sem a tutela de autoridades externas, sejam elas vindas do Estado, da igreja ou do mercado».

Conversa fiada pura e simples. As Universidades foram inventadas pela Igreja Católica na Idade Média. Elas nunca pretenderam ser um espaço livre das influências da Igreja, primeiro porque o homem medieval não conseguia conceber nada de útil que pudesse existir à margem das influências benéficas da Igreja de Cristo, e segundo porque foi a própria Igreja a responsável pela criação do Sistema Universitário. O que o Safatle está falando é simplesmente uma inverdade histórica grosseira.

2. «A universidade, mesmo particular, é uma autorização do poder público que exige, para tanto, a garantia de que valores fundamentais para a formação livre serão respeitados».

Isto é uma meia verdade que, no contexto do artigo, se transforma em uma mentira completa. Televisão é concessão pública, Universidade não.

É verdade que a Constituição Federal exige da iniciativa privada «I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; [e] II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público» (Art. 209). No mesmo sentido, o Decreto 5.733 de 2006 diz que «o funcionamento de instituição de educação superior e a oferta de curso superior dependem de ato autorizativo do Poder Público» (Art. 10), mas – atenção! – isto é «nos termos deste Decreto» (id. ibid.), e não na concepção do articulista da Folha. E os termos dispostos na lei não justificam, nem de longe, a ameaça velada que o Safatle faz: não há absolutamente nada aqui (nem na 10.861/2004, nem em lugar nenhum) que impeça um Instituto de Ensino Superior de ser Confessional. O Decreto fala da regulação pelo MEC, dever legal com o qual a PUC-SP – até onde conste – está em dia.

Os «valores fundamentais para a formação livre» exigidos pelo Poder Público brasileiro para o funcionamento das Universidades não exigem sua “aconfessionalidade”. Muito pelo contrário aliás, a Lei de Diretrizes e Bases reconhece explicitamente a existência das Universidades Confessionais (Art. 20, inciso III), contrariando frontalmente o articulista da Folha que diz não haver, «no interior da República, (…) espaço para universidades católicas, protestantes, judaicas ou islâmicas». E o sujeito me vem falar em “formação livre”! Que formação livre, se ele deseja impôr a todas as Universidades brasileiras – tanto públicas como privadas – uma orientação político-ideológica particular que nem a própria legislação brasileira impõe?

Por fim, a bravata do final do artigo é somente isto: uma bravata pueril e cínica. O MST mantém mais de 1500 escolas em todo o país. No dia em que o Vladimir Safatle vier a público exigir que nestas escolas se ensine a propriedade privada, o agronegócio e o latifúndio, aí a gente pode começar a pensar em levá-lo a sério. Enquanto isso, o seu discurso sobre o dever das instituições católicas de promoverem valores contrários aos da Igreja não passa de hipocrisia mal-disfarçada.

Seminário pró-vida na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

O seminário “O Estado Brasileiro entre a Vida e a Morte” foi realizado há dois meses em São Paulo, mas só agora eu vi os vídeos que disponibilizo abaixo. O evento foi «realizado para debater a necessidade de manter uma postura pró-vida e antiaborto», e contou com presenças ilustres como o Dr. Rodrigo Pedroso e a Profa. Renata Gusson (para quem não lembra, é a mesma mulher que deu uma lição de moral nos nossos parlamentares no último Dia Internacional da Mulher).

Após o seminário, a Profa. Renata foi entrevistada por Zenit sobre a situação do aborto no Brasil. Vejam lá.