A origem das falsas religiões é uma coisa que se pode investigar em diversos planos.
Do ponto de vista do Cristianismo, munidos da Verdade Revelada, lançando os olhos sobre o fenômeno religioso a partir do terreno elevado da Igreja de Cristo que é «coluna e sustentáculo da Verdade», não podemos senão concluir que, no início das falsas religiões — que mais afastam do que aproximam de Deus –, está o Demônio, o Pai da Mentira, aquele cujo papel na história da humanidade é o de roubar, matar e destruir. É neste sentido que S. Pio de Pietrelcina dizia, de maneira jocosa, que o Protestantismo também tivera uma origem sobrenatural, uma vez que fora fundado por Satanás.
Contudo, à luz da história humana auto-referenciada, do ponto de vista do homem desterrado em cujo interior ainda pulsa o anelo pelo Paraíso Perdido, ou mesmo — por que não? — munidos apenas da teologia natural, não podemos ser tão ligeiros na divisão dicotômica do mundo entre as inspirações divinas e o bafo sulfúreo do Demônio. O homem também pode errar, e erra amiúde, por conta própria, sem que a isso precise ser conduzido tendo Lúcifer ao braço. O erro religioso de boa vontade é certamente mais comum do que o satanismo stricto sensu: há decerto mais pessoas tomando demônios por Deus do que trocando o Deus que se sabe verdadeiro pelos diabos sabidamente exsurgidos do Inferno. E isto sem nenhumas considerações de ordem soteriológica, que as condições subjetivas de cada um identificar o demônio que se lhe antolha Deus haverá de julgar. Aqui se cogita tão-somente do motor da adesão à falsa crença, não do seu valor salvífico.
Da mesma forma que não nos podemos esquecer de que só existe uma única Religião Verdadeira, da qual todas as outras são ou sombras ou caricaturas, não nos é dado também olvidar que o fato mesmo de alguém aderir a uma falsa religião significa, ao menos ordinariamente, que o problema de Deus se coloca para esta pessoa e ela o considera em alguma medida relevante. Em resumo: que Satanás espalha, sim, ídolos pelo mundo, mas só se prostra diante dos ídolos quem ao menos deseja se relacionar com o Além.
Construir «uma torre cujo cimo atinja os céus» (cf. Gn XI, 4) é pecado; mas o pecado está no meio de que se serve, não no fim que se almeja. Porque atingir os céus é um anseio natural do ser humano criado para Deus — do homem cujo coração vive inquieto enquanto n’Ele não repousa, para usar a passagem clássica de Sto. Agostinho. E em tempos onde querem sufocar este ditame da consciência, talvez não seja tão imprudente assim valorizá-lo — ainda que apenas o seu reflexo distorcido na fracassada odisséia religiosa do homem distante da Revelação.