“Nós somos a Igreja: sejamo-lo!” – Bento XVI

Às vezes digo: São Paulo escreveu [que] “a Fé vem do ouvir” – não do ler. Tem também necessidade do ler mas vem da escuta, quer dizer, da palavra vivente, das palavras que os outros me dirigem e posso ouvir: das palavras da Igreja através de todos os tempos, da palavra atual que Ela me dirige mediante os sacerdotes, os bispos, os irmãos e as irmãs. Faz parte da Fé o “tu” do próximo e faz parte da Fé o “nós”.

Precisamente, exercitarmo-nos neste suportarmo-nos uns aos outros é algo muito importante; aprender a acolher ao outro como outro em sua diferença, e aprender que ele me deve suportar em minha diferença, para convertermo-nos em um “nós”. A fim de que um dia na paróquia possamos formar uma comunidade, chamar as pessoas a entrarem na comunidade da Palavra e estarmos juntos caminhando em direção ao Deus vivente. Faz parte disso o “nós” muito concreto, como é o seminário, como será a paróquia, mas é também preciso olhar sempre para além do “nós” concreto e limitado até o grande “nós” da Igreja de todo o lugar e de todo o tempo, para não fazermos de nós o critério absoluto.

Quando dizemos “nós somos [a] Igreja”, sim, é verdade: somos nós, e não nenhuma outra pessoa. Mas este “nós” é mais amplo do que o grupo que o está dizendo. O “nós” é a comunidade inteira dos fiéis, de hoje e de todos os lugares e de todos os tempos. E eu digo sempre: na comunidade dos fiéis, sim, ali existe (por assim dizer) o juízo da maioria de fato, mas não pode haver jamais uma maioria contra os Apóstolos e contra os Santos: isto seria uma falsa maioria. Nós somos a Igreja: sejamo-lo! Sejamo-lo precisamente em abrirmo-nos, em irmos para além de nós mesmos e em sê-lo juntamente com os outros.

[…]

Nosso mundo atual é um mundo racionalista e condicionado pelo cientificismo, embora muito freqüentemente se trate de um cientificismo apenas aparente. Mas o espírito do cientificismo, do compreender, do explicar, do poder saber, do repúdio a tudo o que não é racional, é dominante no nosso tempo. Nisto também há algo grande, ainda que com freqüência se esconda detrás de muita presunção e insensatez. A fé não é um mundo paralelo do sentimento, ao qual nos permitimos aderir; na verdade, a Fé é o que abraça o todo, o que lhe dá sentido, interpreta-o e lhe dá também as diretrizes éticas interiores, a fim de que seja compreendido e vivido com vistas a Deus e a partir de Deus. Por isso é importante estar informados, comprender, ter a mente aberta, aprender. Naturalmente, dentro de vinte anos estarão em moda correntes filosóficas totalmente distintas das de hoje: quando penso no que entre nós era a maior moda filosófica e a mais moderna e, hoje, vejo como tudo já está esquecido… Não obstante,  não é inútil aprender estas coisas, porque nelas também há elementos duradouros. E sobretudo com isto nós aprendemos a julgar, a seguir mentalmente um pensamento – e a fazê-lo de modo crítico – e aprendemos a fazer com que, no pensar, a luz de Deus nos ilumine e não se apague.

Bento XVI,
Encontro com os seminaristas
na Capilla San Carlos Borromeo del Seminario de Friburgo

Alguns pontos sobre a Anglicanorum Coetibus

1. A iniciativa do retorno dos anglicanos à comunhão com a Igreja Católica partiu dos próprios anglicanos – “Nestes últimos anos, o Espírito Santo conduziu grupos de anglicanos a pedir repetida e insistentemente para serem recebidos na plena comunhão católica individual e coletivamente” (AC, preâmbulo).

2. A ereção dos Ordinariatos Pessoais estará sob a responsabilidade da Congregação para a Doutrina da Fé (AC I §1), e eles estão sujeitos a este Dicastério (NC 1); exatamente para que seja feito um acompanhamento mais próximo dos possíveis desvios doutrinários nos quais podem incorrer aqueles recém-saídos da heresia.

3. Estes grupos de anglicanos professam a Fé Católica, expressa no Catecismo da Igreja Católica (AC I §5), o qual foi assinado pelos convertidos como sinal de profissão de Fé e abjuração dos erros passados.

4. Só é possível aos fiéis anglicanos fazerem parte destes Ordinariatos “após ter[em] feito sua Profissão de Fé e recebido os Sacramentos da Iniciação” (NC 5 §1). Aqueles que foram batizados como católicos só podem fazer parte de um destes Ordinariatos se forem “membros de uma família que pertença ao Ordinariato” (id. ibid.).

5. Os ministros anglicanos serão ordenados sacerdotes católicos após uma análise caso a caso. Somente aqueles “que cumprem os requisitos estabelecidos pelo direito canônico e não estão impedidos por irregularidades ou outros impedimentos” poderão ser admitidos “como candidatos às Ordens Sagradas na Igreja Católica” – o grifo é meu (AC VI §1).

6. Os ministros anglicanos não-casados deverão abraçar o celibato (AC VI §1).

7. Apesar de poder celebrar “segundo os livros litúrgicos próprios da tradição anglicana aprovados pela Santa Sé”, o Ordinariato não pode “excluir as celebrações litúrgicas segundo o Rito Romano” (AC III).

8. Os sacerdotes católicos que tenham abandonado a Fé e abraçado a heresia, caso retornem à Igreja, “não podem exercer o ministério sagrado no Ordinariato” (NC 6 §2).

9. Os seminaristas do Ordinariato estudarão junto com os seminaristas católicos da diocese, “especialmente nas áreas de formação doutrinal e pastoral” (AC VI §5); exatamente para garantir que a formação teológica destes futuros sacerdotes seja católica, afastando-se do anglicanismo.

10. A formação dos seminaristas do Ordinariato “naqueles aspectos do patrimônio anglicano que são de particular valor” deve ser feita “em completa harmonia com a tradição católica” (NC 10 §1).

Escutai, senhores bispos do Brasil!

Prezados Irmãos, nos decênios sucessivos ao Concílio Vaticano II, alguns interpretaram a abertura ao mundo, não como uma exigência do ardor missionário do Coração de Cristo, mas como uma passagem à secularização, vislumbrando nesta alguns valores de grande densidade cristã como igualdade, liberdade, solidariedade, mostrando-se disponíveis a fazer concessões e descobrir campos de cooperação. Assistiu-se assim a intervenções de alguns responsáveis eclesiais em debates éticos, correspondendo às expectativas da opinião pública, mas deixou-se de falar de certas verdades fundamentais da fé, como do pecado, da graça, da vida teologal e dos novíssimos. Insensivelmente caiu-se na auto-secularização de muitas comunidades eclesiais; estas, esperando agradar aos que não vinham, viram partir, defraudados e desiludidos, muitos daqueles que tinham: os nossos contemporâneos, quando vêm ter conosco, querem ver aquilo que não vêem em parte alguma, ou seja, a alegria e a esperança que brotam do fato de estarmos com o Senhor ressuscitado.

[Bento XVI, aos bispos da Conferência Episcopal do Brasil dos Regionais Oeste 1 e 2 em visita ad limina apostolorum]

Que primor! Escutai, senhores bispos do Brasil, escutai. É Pedro quem fala, e vai diretamente ao ponto. “Neste deserto de Deus”  – prossegue o Sumo Pontífice – “a nova geração sente uma grande sede de transcendência”.

“Deserto de Deus”! Que expressão dura. Não menos dura que outra utilizada pelo Papa pouco antes: “ambiente eclesial secularizado”. Expressões duras, mas não menos verdadeiras. Escutai, senhores bispos do Brasil, Pedro falar!

Já há muito tempo vivemos no “deserto de Deus”. Já há muito tempo morremos de sede, à míngua, nesta que outrora foi chamada Terra de Santa Cruz. Já há muito tempo temos fome de transcendência, e as migalhas catadas em meio ao lixo que recebemos dos nossos legítimos pastores não nos são suficientes. Já há muito tempo o ar pestilento do “ambiente eclesial secularizado” tem envenenado e envergonhado a nossa Pátria Amada. Já há muito tempo o cheiro de enxofre e a fumaça de Satanás tomaram o lugar do incenso de agradável odor que, um dia, perfumou as nossas igrejas. Escutai, senhores bispos, porque não somos nós que falamos: é Pedro que fala.

“[E]sperando agradar aos que não vinham, viram partir, defraudados e desiludidos, muitos daqueles que tinham”… que frase espetacular! Escutai, senhores bispos, escutai: há aqueles que não vêem. E não adianta tocar fogo na Igreja em atenção a eles. Não adianta conspurcar o leito conjugal com as prostitutas. O Bom Pastor vai atrás da ovelha tresmalhada, sim, mas entendei, senhores bispos, que os porcos não fazem parte do aprisco do Senhor. Os porcos, exorcizam-se. E não é resfolegando na lama que os senhores bispos ireis trazer de volta os que não querem ser católicos. Escutai, senhores bispos, e entendei: agindo assim, só vereis partir muitos daqueles que tendes. Escutai, senhores bispos, porque é Pedro quem fala, e não nós!

Rezemos pelo clero. Em especial, pelo episcopado. E rezemos pelo Papa. Peçamos ao Senhor – de joelhos! – pela conversão dos pecadores, liberdade e exaltação da Santa Madre Igreja.

Três versões sobre a CNBB e a admissão de homossexuais ao sacerdócio

Certas coisas são realmente inacreditáveis: com referência ao documento da CNBB sobre a formação de sacerdotes, encontrei na internet três notícias com manchetes diferentes e contraditórias.

  1. Folha de São Paulo: Bispos aprovam diretrizes para novos padres mas retiram menção a homossexualidade
  2. Estado de São Paulo: CNBB reafirma que homossexual não pode ser padre
  3. Zero Hora: Gays celibatários podem ser padres, diz bispo

Cabe perguntar como é possível uma tal discrepância na apresentação de notícias sobre o mesmo fato; a incoerência é gritante e salta aos olhos. Mais ainda se levarmos em consideração que o tal documento não foi ainda publicado, só o devendo ser após a aprovação do Santo Padre. Como é possível, então, que três agências de notícias possam dar informações tão díspares sobre uma coisa que nem sequer foi tornada pública ainda?

[A bem da verdade, é preciso deixar claro que o último texto – reproduzido pelo Zero Hora – fala não sobre o documento “Diretrizes para a Formação dos Presbíteros” em si, e sim sobre uma declaração do bispo dom Luís Soares Vieira, vice-presidente da CNBB. Mesmo assim, merece registro o samba do crioulo doido que foi feito pelos jornais brasileiros.]

Qual é, portanto, a verdadeira posição da Igreja Católica no meio desta confusão toda? Ela deve ser buscada na Instrução Sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao Seminário e às Ordens Sacras, da Congregação para a Educação Católica. O texto é taxativo; lá, a Igreja afirma “claramente” que “não pode admitir ao Seminário e às Ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay“.

A CNBB não pode fugir disso; quer o documento traga expressamente o termo “homossexualidade” ou não, quer um bispo diga o contrário, gays não podem ser ordenados sacerdotes porque assim dispõe a Santa Sé. C’est fini. Permitindo-me um desabafo, bem que a Conferência poderia evitar estas fofocas descabidas todas afirmando de maneira clara o que a Igreja já afirmou há quatro anos [a referida instrução é de 2005]; mas parece que a CNBB só sabe ser taxativa quando é para ser contrária à redução da maioridade penal…

“Ah, mas e se o gay for celibatário?”, pode perguntar alguém. Ao contrário do que disse o vice-presidente da CNBB, no entanto, só é autorizada pela Congregação para a Educação Católica a admissão às ordens sacras do candidato no “caso de se tratar de tendências homossexuais que sejam apenas expressão de um problema transitório como, por exemplo, o de uma adolescência ainda não completa”. Ou seja, se o sujeito estiver confuso durante a adolescência, se tais tendências forem transitórias, e não se ele for verdadeira e propriamente gay, assumido e feliz com a sua “orientação” sexual. E, mesmo assim, essas tendências precisam “ser claramente superadas, pelo menos três anos antes da Ordenação diaconal”. Que diferença entre o que diz a Santa Sé e o que diz a vice-presidência da CNBB!

Só mais dois detalhes: primeiro, não é verdade que “o que se exige do heterossexual para ser padre, se exige também do homossexual” assim, simpliciter, como disse Sua Excelência. De um heterossexual se exige a renúncia de um bem (o Matrimônio) e, do suposto homossexual sacerdote, exigir-se-ia evitar um pecado (os atos homossexuais). Não é, nem de longe, a mesma coisa. Privar-se de algo que é um bem é um ato meritório; afastar-se dos pecados é obrigação de todo cristão. É, portanto, evidente a diferença.

E, segundo, causa espécie que (conforme o Estadão) o tal documento tenha… “388 artigos e 97 páginas, antes dos acertos finais”! Uma centena de páginas e, mesmo assim, sem tratar do problema da homossexualidade?! É realmente necessário tudo isso? Tenho até medo de saber o seu conteúdo. Bem que o Papa poderia devolver uma versão que contivesse somente um quarto do tamanho desta papelada; tenho certeza que daria para abordar tudo o que é necessário para a formação dos presbíteros (incluindo a homossexualidade). Rezemos pelos nossos bispos, rezemos pelos futuros sacerdotes.