Exemplos de maus comentários

Três comentários maçantes – exatamente naquele estilo que eu deplorei aqui de «mera reprodução de conteúdo», e neste caso com o agravante de serem mau conteúdo – foram postados (e não aprovados) nos últimos dias. À guisa de resposta, somente algumas linhas.

O primeiro deles, São Pio X “descanonizado” pelo Vaticano, parece acreditar (i) que o site da Santa Sé é o rol oficial dos santos canonizados da Igreja, (ii) que, nele, a ausência de um título é igual à negação do status de bem-aventurança daquele a quem o título falta e (iii) que alterações no conteúdo do site têm o condão de mudar a Fé e o Culto oficiais da Igreja de Cristo. Em suma, delírio puro e simples. Pra responder à besteira, basta remeter à página de S. Pio X como ela se encontra atualmente: lá, é possível ler, com todas as letras, «S. Pius PP. X», e este “S.” no início outra coisa não significa que São (Santo). Causa finita.

O segundo, Vaticano promoverá “pastoral de misericórdia” para os divorciados e casais do mesmo sexo, é outro delírio, dessa vez decorrente de péssimo jornalismo. A notícia fala da apresentação do Instrumentum Laboris para o próximo sínodo sobre a família; acontece que (i) no texto não existe o termo “pastoral de misericórdia”, (ii) a parte que nele fala «sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo» (nn. 110-120) na verdade se opõe à união civil homossexual («Todas as Conferências Episcopais se expressaram contra uma “redefinição” do matrimónio entre homem e mulher, através da introdução de uma legislação que permita a união entre duas pessoas do mesmo sexo», IL 113), (iii) ela merece uma consideração à parte daquela reservada às outras “situações pastorais difíceis” (como uniões de fato, mães solteiras e divorciados recasados), o que torna portanto (no mínimo!) impreciso falar numa suposta “pastoral” que englobe ao mesmo tempo as uniões homoafetivas e os casamentos adulterinos, como consta na manchete; e (iv) a única coisa que se pode minimamente afirmar como “favorável” a estas uniões é a idéia de que «caso as pessoas que vivem nestas uniões peçam o baptismo para o filho, (…) o filho deve ser acolhido com as mesmas atenção, ternura e solicitude que recebem os outros filhos» (IL 120) – uma posição, convenhamos, bastante defensável. Ainda uma coisa: já existe atendimento pastoral para divorciados recasados, e isso nunca teve nada a ver com uma condescendência institucional para com os que não honraram os votos do Sagrado Matrimônio: a Igreja ainda é contra o divórcio. E mais: este documento não é prescritivo, não se trata de “diretrizes” para nada, mas tão-somente da consolidação das posições dos diversos bispos e Conferências a respeito de um assunto que há-de ser debatido no sínodo vindouro. Por fim: “casais do mesmo sexo” é uma contradição em termos.

O terceiro, por fim, Visitação Apostólica à diocese de Ciudad del Este, traz até uma informação relevante – o fato de que haverá uma Visitação Apostólica a Ciudad del Este; mas se perde em elucubrações e devaneios que raiam às teorias da conspiração. O único dado concreto e objetivo do qual dispomos é o de que, no final deste mês, haverá um Visitador Apostólico no Paraguai. Ponto. Daí a afirmar que isso seja porque, no atual pontificado, «[t]udo o que é tradicional deve ser neutralizado» é no mínimo paranóico.

Uma das principais razões para as quais eu pretendo cobrar maior qualidade nos comentários aqui postados é exatamente esta: acusações disparatadas são muito fáceis de serem cuspidas, mas demandam um razoável esforço para serem respondidas a contento. A verdade sempre teve esta espécie de desvantagem diante da mera “opinião”: por conta de sua solidez precisa mover-se mais lentamente, e para ser ela mesma precisa honrar certos compromissos que os achismos de todos os naipes se sentem no direito de desrespeitar. Faz parte da natureza das coisas. Não pensem, assim, que certo eventual silêncio por parte do autor dessas linhas implique necessariamente em concordância tácita com o que é dito: às vezes pode significar simplesmente que a resposta, escalonada junto com um sem-número de outras atividades concorrentes e analisada em termos de custo-benefício, simplesmente não possui prioridade alta o bastante para ser executada. É uma pena, eu realmente gostaria de responder sempre tudo. Mas às vezes é humanamente impossível. Peço desde já perdão por essas minhas limitações. Espero melhorar.

O questionário preparatório para a Assembléia do Sínodo dos Bispos sobre a Família

Em preparação para a Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos – que acontecerá no próximo ano e abordará o urgente tema da Família -, foi recentemente tornado público um questionário que o Papa preparara para supostamente ser respondido por todos os católicos do mundo. O citado questionário trazia perguntas sobre casais de fato, casais em segunda união, duplas gays e a doutrina da Humanae Vitae, entre outras coisas.

Vi primeiro a notícia no Facebook, ainda na semana passada, e a idéia de se consultar todos os católicos do mundo sobre o tema me pareceu duplamente absurda. Primeiro pela (evidente) virtual impossibilidade logística de uma consulta desta magnitude, e segundo porque semelhante “democracia direta” era obviamente estranha à constituição da Igreja.

Depois, vi a notícia no Infovaticana. O absurdo escopo da pesquisa continuava presente:

O Papa Francisco preparou uma pesquisa mundial para todos os católicos do mundo [sic: a todos los católicos del mundo] que, segundo o Annuarium Statisticum, são no total 1,214 bilhão [1214 millones].

Ora, a notícia fazia questão de informar o número de católicos atualmente existentes no mundo, o que era um indicativo bastante claro de que seriam todos estes, afinal de contas, os destinatários da pesquisa! O que continuava me parecendo totalmente nonsense.

Fui procurar. Na verdade, trata-se de um procedimento absolutamente normal para a preparação das assembléias do Sínodo dos Bispos: estas reuniões são precedidas por um Instrumentum Laboris elaborado a partir de – entre outras coisas – consultas enviadas às Conferências Episcopais a respeito do tema sobre o qual o Sínodo se vai debruçar. Por exemplo, o último Sínodo dos Bispos, de 2012, dizia o seguinte em seu Instrumentum Laboris (grifos meus):

[1.] Com o intuito de facilitar a preparação específica deste evento foram preparados os Lineamenta. Aos Lineamenta e aos questionários responderam as Conferências Episcopais, os Sínodos dos Bispos das Igrejas Católicas Orientais sui iuris, os Dicastérios da Cúria romana e da União dos Superiores Gerais. Acresce também as observações de Bispos, sacerdotes, membros de institutos de vida consagrada, leigos, associações e movimentos eclesiais. Um processo de preparação muito participado que confirma quanto este tema escolhido pelo Santo Padre está no coração dos cristãos e da Igreja hodierna. Todos os pareceres e as reflexões alcançadas foram recolhidas e sintetizadas neste Instrumentum laboris.

Ou seja, não se trata de nenhum “questionário inédito”, uma vez que este é o procedimento padrão universalmente adotado na preparação das Assembléias do Sínodo dos Bispos. A menos, é claro, que o “ineditismo” aqui se refira ao conteúdo da pesquisa – afirmação que é uma verdadeira platitude, uma vez que as perguntas são tão “inéditas” quanto é a primeira vez que o Sínodo se reúne pra tratar deste tema específico…

O documento de preparação pode ser encontrado em português aqui. Ele consta de uma introdução e do questionário. São diversas perguntas, algumas das quais muito interessantes, como por exemplo:

  • Em que medida – e em particular sob que aspectos – este ensinamento [da Bíblia, da “Gaudium et spes”, da “Familiaris consortio” e de outros documentos do Magistério pós-conciliar sobre o valor da família segundo a Igreja católica] é realmente conhecido, aceite, rejeitado e/ou criticado nos ambientes extra-eclesiais? Quais são os fatores culturais que impedem a plena aceitação do ensinamento da Igreja sobre a família?
  • Como é contestada, na prática e na teoria, a lei natural sobre a união entre o homem e a mulher, em vista da formação de uma família? Como é proposta e aprofundada nos organismos civis e eclesiais?
  • Em todos estes casos [convivência ad experimentum; uniões livres de facto, sem o reconhecimento religioso nem civil; os separados e os divorciados recasados]: como vivem os batizados a sua irregularidade? Estão conscientes da mesma? Simplesmente manifestam indiferença? Sentem-se marginalizados e vivem com sofrimento a impossibilidade de receber os sacramentos?
  • Que atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram viver em conformidade com este tipo de união [homossexual]?
  • No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?
  • Qual é o conhecimento real que os cristãos têm da doutrina da Humanae vitae a respeito da paternidade responsável? Que consciência têm da avaliação moral dos diferentes métodos de regulação dos nascimentos? Que aprofundamentos poderiam ser sugeridos a respeito desta matéria, sob o ponto de vista pastoral?
  • Como promover uma mentalidade mais aberta à natalidade? Como favorecer o aumento dos nascimentos?
  • Em que medida as crises de fé, pelas quais as pessoas podem atravessar, incidem sobre a vida familiar?

Trata-se de perguntas pertinentes e incômodas; fico imaginando a cara de certos prelados brasileiros quando, por exemplo, forem responder sobre «[c]omo favorecer o aumento dos nascimentos» em suas dioceses…

São perguntas que delineiam de forma bastante clara a tônica das discussões das quais será palco a Cidade Eterna no ano que vem. Muito bem elaboradas, cirúrgicas até, sem dar margens para tergiversações. Excelentes.

No entanto, como não poderia deixar de ser, há os espíritos de porco. Por exemplo, o Janer Cristaldo expôs sobre o assunto esta boçalíssima análise:

É a Igreja sondando seus bispos para ver se pode ampliar o rebanho sem causar muitos estragos na instituição. A interdição ao homossexualismo não é dogma. Dogmas só tratam de questões de fé. Ocorre que faz parte da doutrina da Igreja, uma doutrina tão sólida quanto os dogmas. Não seria de espantar que, num esforço insólito de “aggiornamento” – e de ampliação de mercado – a Santa Madre desse o salto inesperado.

“Esqueceu-se” apenas o articulista de que a Igreja é infalível em Fé e em Moral e, portanto, a interdição aos atos de homossexualismo é tão irreformável quanto a crença «na ressurreição do Cristo, na virgindade de Maria e no deus três-em-um». Simplesmente não há “aggiornamento” possível aqui, e nem se pode compreender sob qual lógica uma pergunta sobre «atenção pastoral» aos homossexuais poderia indicar uma “abertura” da Igreja ao homossexualismo que não fosse imediatamente fechada por outra pergunta sobre o aprofundamento da «lei natural sobre a união entre o homem e a mulher (…) nos organismos civis e eclesiais». A superficialidade desta análise seletiva do Cristaldo chega a ser deprimente.

Se ainda fosse possível haver alguma dúvida sobre o objetivo deste documento preparatório, a sua apresentação feita pelo Cardeal Erdö exorcizaria definitivamente qualquer espírito de confusão. O prelado explica com todas as letras; nele,

a família aparece como uma realidade que desce da vontade do Criador e constitui uma realidade social. Portanto, não é uma mera invenção da sociedade humana, muito menos de qualquer poder puramente humano, mas sim uma realidade natural, que foi elevada por Cristo Nosso Senhor no contexto da Graça divina… O documento, assim como a própria Igreja, une estritamente a problemática da Família com a do Matrimônio.

E o arcebispo Bruno Forte arremata, citando João XXIII:

Não se trata, em definitivo, de debater assuntos de doutrina, em outras partes já explicados pelo Magistério recente… O convite que se faz a toda a Igreja é o de escutar os problemas e expectativas que estão vivendo hoje em dia tantas famílias, mostrar-se próxima delas e oferecer-lhes de forma crível a misericórdia de Deus e a beleza da resposta ao Seu chamado.

É este e não outro o caminho da Igreja de todos os séculos, é este e não outro o caminho da Igreja de hoje. Rezemos pela próxima Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos! Que ela possa ajudar a luz de Cristo a resplandecer com renovado fulgor; que possa fazer a beleza da resposta ao chamado de Deus ser apresentada aos homens modernos em toda a sua formosura.

Santa Hildegarda de Bingen e São João de Ávila, doutores da Igreja

Eu fiquei muito feliz quando soube que Bento XVI declarou dois novos doutores da Igreja no domingo 07 de outubro: Santa Hildegarda de Bingen e São João de Ávila. A proclamação solene foi feita na Santa Missa para a abertura do Sínodo dos Bispos, e a breve apresentação de ambos que o Papa Bento XVI fez foi a seguinte:

São João de Ávila viveu no século XVI. Profundo conhecedor das Sagradas Escrituras, era dotado de um ardente espírito missionário. Soube adentrar, com uma profundidade particular, nos mistérios da Redenção operada por Cristo para a humanidade. Homem de Deus, unia a oração constante à atividade apostólica. Dedicou-se à pregação e ao aumento da prática dos sacramentos, concentrando seus esforços para melhorar a formação dos futuros candidatos ao sacerdócio, dos religiosos, religiosas e dos leigos, em vista de uma fecunda reforma da Igreja.

Santa Hildegarda de Bingen, importante figura feminina do século XII, ofereceu a sua valiosa contribuição para o crescimento da Igreja do seu tempo, valorizando os dons recebidos de Deus e mostrando-se uma mulher de grande inteligência, sensibilidade profunda e de reconhecida autoridade espiritual. O Senhor dotou-a com um espírito profético e de fervorosa capacidade de discernir os sinais dos tempos. Hildegard nutria um grande amor pela a criação, cultivou a medicina, a poesia e a música. Acima de tudo, sempre manteve um amor grande e fiel a Cristo e à sua Igreja.

Confesso que não conheço muito bem a história e a obra de Santa Hildegarda; mas São João de Ávila é-me bem familiar. Já falei sobre ele aqui no Deus lo Vult! outras vezes (em particular, neste texto onde o grande santo espanhol fala sobre a crise da Igreja à época do Concílio de Trento – vale uma (re)leitura); gostei do seu estilo desde a primeira vez que pus os olhos sobre os seus escritos. Por exemplo, é ele o autor do Audi, Filia (disponível aqui: parte 1, parte 2, parte 3 e parte 4), e é com um trecho do início desta obra que eu encerro este ligeiro post:

E se é poderoso o gosto pelas honras vãs, muito mais poderosa é a medicina do exemplo e graça de Cristo, que de tal maneira as vence e desarraiga do coração que as faz ser percebidas como coisas muito abomináveis; de tal modo que, se um cristão vê o Senhor de Majestade abaixar-se a tais desprezos, fica o verme vil inchado com o amor da honra. Por isso o Senhor nos convida e encoraja com Seu exemplo, dizendo (Jo 16, 33): Confiai, que Eu venci o mundo. Como se dissesse: “Antes que Eu viesse, coisa difícil [recia] era lutar com o mundo enganoso [tomarse con el mundo engañoso], descartando o que nele floresce e abraçando o que ele descarta; mas depois que ele pôs todas as suas forças contra Mim, inventando novo gênero de tormentos e desonras, todas as quais Eu sofri sem lhe voltar o rosto, ele já não somente parece fraco – porque encontrou quem pôde sofrer mais – mas também se encontra derrotado para vosso proveito, pois com o exemplo que Eu vos dei e com a Fortaleza que Eu conquistei para vós, vós o podeis rapidamente vencer, sobrepujar e pisotear”.

Audi, Filia, Cap. III

Que os novos doutores da Igreja possam protegê-La neste Ano da Fé; e que, do Alto dos Céus, possam interceder por nós e conseguir-nos uma porção redobrada daquela Sabedoria do Espírito Santo que eles souberam possuir em grau tão admirável. Que eles aumentem e fortaleçam a nossa Fé. São João de Ávila e Santa Hildegarda de Bingen, rogai por nós!

Verbum Domini – Bento XVI

O Papa Bento XVI publicou hoje a Exortação Pós-Sinodal Verbum Domini, dois anos após a conclusão do Sínodo dos Bispos sobre a palavra de Deus ocorrido em 2008. São mais de duzentas páginas “sobre a palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. Para acessarem-na, cliquem aqui.

Ainda não li o texto. Apenas destaco um trecho, que colhi de um rápido passar de olhos sobre o documento:

A este respeito, São Boaventura afirma que, sem a fé, não há chave de acesso ao texto sagrado: « Esta é o conhecimento de Jesus Cristo, do qual têm origem, como de uma fonte, a segurança e a inteligência de toda a Sagrada Escritura. Por isso é impossível que alguém possa entrar para a conhecer, se antes não tiver a fé infusa de Cristo que é lanterna, porta e também fundamento de toda a Escritura ». E São Tomás de Aquino, mencionando Santo Agostinho, insiste vigorosamente: « A letra do Evangelho também mata, se faltar a graça interior da fé que cura ».

Isto permite-nos assinalar um critério fundamental da hermenêutica bíblica: o lugar originário da interpretação da Escritura é a vida da Igreja. Esta afirmação não indica a referência eclesial como um critério extrínseco ao qual se devem submeter os exegetas, mas é uma exigência da própria realidade das Escrituras e do modo como se formaram ao longo do tempo.

Verbum Domini, 29.

Mais uma notícia imprecisa

Saiu em ZENIT: “Sínodo acolhe magistério de patriarca ortodoxo pela primeira vez”. A notícia contém duas imprecisões: uma quanto à afirmação e outra quanto à expressão utilizada. Comecemos pela expressão, que é o mais grave.

Não existe “magistério de patriarca ortodoxo”. Os ortodoxos são hereges e cismáticos e, por conseguinte, não têm autoridade magisterial – dado que o Magistério da Igreja compreende o Papa e os bispos em comunhão com o Papa (cf. CIC 85). É, portanto, impreciso e pode induzir ao erro a utilização da palavra “magistério” (que tem um sentido estrito muito bem definido dentro da Doutrina Católica) referindo-se a coisas que não têm nada a ver com o Magistério Católico. Infelicíssima escolha.

Uma intervenção sinodal – como a feita pelo Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I – é somente isso: uma intervenção. Não é um “magistério”. O que é magistério é o ensino que o Papa dá à Igreja com base nas intervenções que foram feitas, e mesmo neste caso o que é magisterial é o ensino do Papa, e não a intervenção que originou o ensino. Qualquer pessoa pode dizer alguma coisa correta em algum momento da vida e não está “exercendo um magistério” por causa disso. A intervenção de Bartolomeu I, portanto, mesmo estando teologicamente precisa, não é um “magistério” do patriarca ortodoxo, e sim um ensino da Igreja [porque um cismático não pode dizer nada de correto que a Igreja já não saiba, dado que Ela e somente Ela possui a plenitude da Verdade Revelada] repetido pelo cismático.

A segunda imprecisão (e mais sutil) só se descobre quando se lê o texto. Pois, nele, está escrito:

A proposição 37 (das que o Sínodo adotou por pelo menos dois terços dos votos – o resultado exato da votação é secreto) recolhe o ensinamento que o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, apresentou aos padres sinodais.

[…]

Em caso de que seja incluída esta proposição no documento, será a primeira vez que o magistério de um patriarca ortodoxo é acolhido explicitamente por este tipo de documentos magistrais da Igreja Católica.

Ou seja: as proposições aprovadas pelos padre sinodais (no caso, esta específica do Patriarca Ortodoxo – não encontrei a lista das proposições apresentadas) serão apresentadas ao Papa e ele as utilizará ou não para a escrita da exortação apostólica pós-sinodal, que é – esta sim! – o que pode ser chamado de “resultado do Sínodo”. A lista de proposições é um instrumento intermediário do Sínodo dos Bispos (todo Sínodo é assim) que é apresentado ao Papa para que este, por sua vez, produza o documento magisterial resultante do Sínodo. É muitíssimo provável que o Papa se utilize da proposição 37 na elaboração da exortação apostólica pós-sinodal, mas isso ainda não foi feito e a manchete da notícia dá a entender que já o foi. E – repetimos! – ainda que o Papa a utilize, não será um “magistério de patriarca ortodoxo”, e sim o ensino da Igreja repetido pelo patriarca ortodoxo.

É de se lamentar que uma conhecida agência católica de notícias tenha veiculado uma reportagem com estas imprecisões. Esperemos que a imprensa católica não “relaxe” no seu papel – ímpar – de informar fielmente sobre os acontecimentos importantes da vida da Igreja. Afinal, não temos outra fonte fidedigna, posto que são já bastante conhecidos os defeitos da mídia secular no que se refere a assuntos religiosos.

Animadoras notícias de Roma

Três notícias publicadas nos últimos dias em ZENIT são excelentes e merecem ser divulgadas.

Primum, “houve aqueles que tentaram fazer a destruição histórica do Papa Pio XII”, segundo explica o historiador brasileiro José Pereira da Silva. A descomunal onda de difamação que se lançou sobre a figura deste grande Papa da Igreja é já bastante conhecida nos meios históricos sérios. No entanto, e infelizmente, a maior parte das pessoas só conhece o “lado negro” da história, falso e deliberadamente caluniador, que ainda hoje, cinqüenta anos após a morte de Pio XII, apresenta-se como se fosse a mais límpida e cristalina verdade histórica. Nas palavras do professor José Pereira, “domina ainda hoje em alguns meios o lugar-comum que a Igreja não teria feito muito pelos judeus, no contexto da perseguição nazista”.

Achei muitíssimo interessante o professor ter trazido um fato, ocorrido na Holanda, que eu desconhecia:

O historiador cita o exemplo dos bispos holandeses, que protestaram abertamente contra a perseguição dos judeus em 1942. Isso provocou a deportação de todos os católicos de origem judaica, como Edith Stein.

«Com toda probabilidade os judeus-católicos teriam sobrevivido, como aconteceu com a maioria dos judeus-protestantes holandeses, se os bispos tivessem agido de outra maneira.»

Portanto, carece completamente de fundamento as acusações de que as coisas “seriam melhores” para os judeus se Pio XII tivesse agido de maneira aberta; é pura “futurologia do passado”, contradizendo inclusive os fatos observados em outros países nos quais tal posição foi tomada. Note-se ainda ser muitíssimo provável que a trágica experiência na Holanda tenha chegado ao conhecimento do então Pontífice, influenciando assim na decisão que ele tomou.

Secundum, foi publicada uma interessante entrevista na qual chama-se a atenção para a fidelidade à Igreja que os párocos devem ter nas suas homilias. Trazendo à tona uma lembrança muito pertinente, o professor Salvatore Vitiello, que leciona Teologia em Turim e em Roma, recordou que a homilia “não por acaso está reservada aos ministros sagrados e não pode ser pronunciada por fiéis leigos, [e nela] exercita-se, de modo particular, o que a Igreja chama de munus d[o]cendi, o dever de ensinar”.

Os fiéis têm o direito, participando da Santa Missa, de escutar o que a Igreja ensina, não o que um sacerdote, em certo momento, pensa ou acha justo.

Que bom seria se este direito dos fiéis não lhes fosse nunca negado! Certamente o mundo em que vivemos seria melhor, se os fiéis católicos tivessem sempre acesso, nas homilias que ouvem, à pureza límpida da Doutrina Católica, fonte de vida verdadeira. São também dignas de menção as seguintes palavras do professor Vitiello:

É absolutamente necessário sair, também no que diz respeito à pregação, do «túnel do relativismo», dessa ditadura que impede anunciar a diferença entre verdade e falsidade, bem e mal, pecado e virtude.

Senhor, dai-nos santos pregadores!

Tertium, para orgulho desta Terra de Santa Cruz, o cardeal Odilo Scherer fez, no Sínodo dos Bispos, pertinentes questionamentos sobre o que é a Palavra de Deus. Empenhando-se no trabalho de destruir o “lugar-comum” (tão disseminado quanto equivocado) que afirma ser a palavra de Deus unicamente a Bíblia, o cardeal lembra que “a Palavra de Deus, por excelência, é o próprio Jesus Cristo”, e que “a Palavra passou aos homens através da Bíblia e também através da Tradição da Igreja”. São, portanto, como sempre ensinou a Igreja, dois os canais da Revelação: as Sagradas Escrituras e a Sagrada Tradição. Disse ainda o cardeal brasileiro:

Nesse contexto, segundo o cardeal, o Sínodo parte de uma preocupação: «que o inestimável tesouro da Palavra de Deus presente na Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja continue a ser comunicado à humanidade».

«Embora a Bíblia seja o livro mais editado e divulgado, ela ainda é muito desconhecida, ou lida e interpretada de maneira inadequada», escreve.

Que o Espírito Santo continue a iluminar o Sínodo dos Bispos, a fim de que a Doutrina Católica, claramente proclamada, possa atingir todos os homens sedentos da Verdade, para que estes, movidos pela Graça de Deus, convertam-se à Igreja de Jesus Cristo, a Igreja Católica Apostólica Romana, Única Esposa de Nosso Senhor, Única depositária fiel da Revelação, “Coluna e Sustentáculo da Verdade” (1 Tm 3, 15).

Respondendo ao pérfido judeu

Não nos prendamos a melindres politicamente corretos; “pérfido” significa, segundo qualquer consulta ao dicionário, “infiel”, “desleal”, “traidor”. Quando a Igreja, portanto, rezava pelos “pérfidos judeus”, Ela não estava simplesmente “xingando” os israelitas por alguma espécie de intolerância não-disfarçada; ao contrário, tratava-se da expressão litúrgica de uma verdade histórica, a saber, que os judeus foram desleais à promessa de Deus e, quando crucificaram Jesus, traíram o Messias que viera para eles.

Nada mais adequado, portanto, que chamar de “pérfido” o rabino de Haifa, Shear Yesuv Cohen, que na última segunda-feira, aproveitou-se do convite que lhe tinha sido feito para falar sobre as Escrituras Sagradas no Sínodo dos Bispos para difamar e atacar a memória do Santo Padre Pio XII. Traindo a confiança do Papa (que, obviamente, não lhe convidou para proferir inverdades sobre um Príncipe dos Apóstolos), o rabino mostrou-se desleal e, portanto, “pérfido” cai-lhe como uma luva.

As respostas ao senhor rabino não tardaram. L’Osservatore Romano publicou hoje um editorial chamado “Respeito e amor pelo povo judeu”, ao qual eu não tive acesso (alguém tem?), mas sobre o qual tomei conhecimento por meio de notícia divulgada pela Rádio Vaticano. O jornal publicou ainda a posição do cardeal Tarcício Bertone, segundo a qual Pio XII foi “prudente” em sua atuação na Segunda Guerra Mundial.

O rabino de Haifa, primeira autoridade judaica convidada a se manifestar durante um sínodo de bispos católicos, considerou diante dos jornalistas que Pio XII “não deve ser tomado como modelo e não deve ser beatificado, já que não ergueu a voz ante a Shoah”.

Para o cardeal Bertone, pelo contrário, “é profundamente injusto estender um véu de opróbrio sobre a obra de Pio XII durante a guerra, esquecendo não só o contexto histórico como também sua imensa obra caritativa” para com os judeus.

Como uma amiga minha comentou, é facilmente compreensível a utilidade de um representante judaico num sínodo sobre a Palavra de Deus, no sentido de que a interpretação judaica das Escrituras Sagradas está muito mais próxima do catolicismo do que as interpretações modernistas, e talvez o “confronto” com o que há de verdadeiro em outras religiões milenares tivesse o salutar efeito de pôr em evidência as sandices modernas que pululam entre alguns que se dizem católicos. No entanto, tudo o que houve de positivo no discurso do rabino foi completamente soterrado pelo mal estar que provocou a infeliz intervenção. É uma grande pena! Que o Deus Altíssimo, Aquele que não permitiria o mal se não pudesse, dele, tirar um bem ainda maior, possa fazer com que este triste incidente redunde na maior glória de Deus. Na véspera do cinqüentenário da morte de Pio XII, que honremos a sua memória apresentando firme oposição a toda atitude difamatória. E que o rabino-chefe de Haifa Cohen possa encontrar sem demora a Cristo Jesus, único Redentor da humanidade.

“Palavra de Deus” não se resume à Bíblia

Ainda na série “catequese básica para bispos”, o Sínodo sobre a Palavra de Deus nos traz mais uma grata surpresa, ao relembrar outra obviedade bastante esquecida: Palavra de Deus não é somente a Bíblia. De facto, são os protestantes – desgraçadamente seguidos por alguns “católicos” – que fazem esta identidade absurda e sem fundamento algum. Para a Igreja Católica – que é a guardiã fiel e legítima do Depositum Fidei -, nem tudo o que Deus nos revelou foi consignado por escrito.

«A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto se consigna por escrito sob a inspiração do Espírito Santo, e a Sagrada Tradição transmite na íntegra aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus, a eles confiada por Cristo e pelo Espírito Santo para que, com a luz do Espírito da verdade, eles a guardem fielmente, exponham-na e a difundam com sua pregação», declarou o sucessor do cardeal Joseph Ratzinger [cardeal William Levada], citando a Dei Verbum, do Concílio Vaticano (II, 9).

Queira a Virgem Santíssima que o Espírito Santo continue iluminando o Sínodo dos Bispos!

Judeu ataca Pio XII no Sínodo dos Bispos

Rabino convidado a falar no Sínodo dos Bispos aproveita o ensejo para atacar o papa Pio XII! Vergonha! Não sei se é verdade porque não encontrei em lugar nenhum a íntegra da intervenção do rabino-chefe de Haifa Cohen, mas saiu mundo afora:

No Vaticano, Rabino diz que Pio XII traiu os judeus (TERRA; original Reuters).
Rabino-chefe de Haifa condena beatificação de Papa Pio XII (sapo.pt).
Memory of Pope Pius XII continues to ruffle Jewish-Catholic relations (Irish Times – Irlanda).

Sinceramente, não dá para acreditar! No momento em que se comemora o cinquentenário da morte do Sumo Pontífice, em que as lendas negras já demonstram toda a sua inconsistência, em que diversas associações (como a Catholic Anti-Defamation League e a Pave the Way Foundation) têm colhido os frutos do árduo trabalho de resgatar a verdade histórica por trás da difamação, em que um congresso internacional reúne-se em Roma para debater sobre a figura de Pio XII, um rabino convidado a falar no Sínodo dos Bispos sobre as Escrituras Sagradas para os judeus inventa de dizer coisas como:

Não podemos esquecer o fato triste e doloroso de que muitos, inclusive grandes líderes religiosos, não levantaram suas vozes no esforço para salvar nossos irmãos, preferindo em vez disso manter o silêncio e ajudar secretamente. Não podemos perdoar e esquecer isso, e esperamos que vocês entendam.

Ele pode ter ajudado em segredo muitas das vítimas e muitos dos refugiados, mas a questão é se ele poderia ter erguido sua voz e se isso teria ajudado ou não. Nós, como vítimas, sentimos que sim. Não tenho procuração das famílias dos milhões de falecidos para dizer ‘esquecemos, perdoamos’.

Preciso deixar muito claro que nós, rabinos, a liderança do povo judeu, não podemos concordar, enquanto os sobreviventes acharem que é doloroso, que este líder da Igreja num momento de crise deva ser homenageado agora. Não é a nossa decisão. Isso nos dói. Lamentamos que isso esteja sendo feito.

Francamente! O rabino deveria ter chegado antes, a tempo de participar do simpósio sobre Pio XII antes de discursar no Sínodo sobre a Palavra de Deus! Alguém mostra para ele:

Exploding the “Hitler’s Pope” myth
The Myth of Hitler’s Pope

E oremos pelos judeus; a fim de que Deus retire o véu que cobre os seus corações e os faça conhecer Jesus Cristo, Nosso Senhor. Amen.

Aberto o Sínodo dos Bispos

Foi aberta ontem, pelo Papa Bento XVI, a 12º Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. O sínodo – que tem como tema “a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja” – acontece de 05 a 26 de outubro de 2008.

No Instrumentum Laboris, podemos encontrar capítulos interessantes, como por exemplo “Como interpretar a Bíblia segundo a fé da Igreja”, “Maria, modelo de acolhimento da Palavra para o crente” e “A missão da Igreja realiza-se na evangelização e na catequese”. Coisas óbvias, mas que precisam ser repetidas nos nossos dias. O Cardeal Levada já começou a repetição:

O purpurado reafirmou “a responsabilidade do magistério” como “Intérprete autêntico da Palavra de Deus”. “Só a viva Tradição eclesial – recordou – permite que a Sagrada Escritura seja compreendida como autêntica Palavra de Deus, que se torna guia, norma e regra para a vida da Igreja e o crescimento espiritual dos crentes”. “O que significa – sublinhou – a recusa de qualquer interpretação subjectiva ou puramente experiencial ou fruto de uma análise unilateral, incapaz de acolher em si o sentido global que no decurso dos séculos guiou a Tradição de todo o povo de Deus”.

“Neste horizonte – insistiu o cardeal Levada – emerge a necessidade e a responsabilidade do magistério, chamado a ser o intérprete autêntico da própria Palavra de Deus ao serviço de todo o povo cristão e para a salvação de todo o mundo; e também nós, bispos, conhecemos como são grandes as nossas responsabilidades como legítimos sucessores dos apóstolos e o que espera de nós a sociedade de hoje, à qual temos o dever de transmitir a verdade que, por nossa vez, recebemos”. Para o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, esta tarefa diz directamente respeito aos Bispos, em primeira pessoa.

Que o Espírito Santo ilumine os sucessores dos Apóstolos!