Por ocasião da recente Visitação Apostólica à Diocese paraguaia de Ciudad del Este, a questão do pe. Carlos Urrutigoity veio à tona. A sua nomeação como Vigário-Geral (ocorrida em fevereiro último) provocou a fúria da opinião pública: como é possível que a um sacerdote acusado de abuso de menores (independente de ser culpado ou inocente dessas acusações – todos sabemos que essa é a caça às bruxas moderna), que pingou de diocese em diocese até se encastelar nas fronteiras do Paraguai, seja concedida a honra de exercer as funções do Bispo Diocesano? Que ele seja nomeado seu representante direto?
A cronologia dessa história precisa ficar bem clara. Primeiro, veio a nomeação do pe. Urrutigoity como Vigário-Geral de Ciudad del Este. A este fato reagiu a SNAP, uma ONG de vítimas de abuso sexual por membros do clero e devotada a expôr publicamente aqueles que ela considera “predadores”. SNAP conseguiu que um bispo americano (Mons. Joseph Bambera, de Scranton) enviasse uma carta à Santa Sé onde expunha as suas “preocupações” com a nomeação. A mídia, naturalmente, fez o maior escarcéu com a notícia. Depois, só depois, veio a Visitação Apostólica.
Disso decorrem duas coisas:
1. Com os holofotes todos voltados para o Sucessor de Pedro, é evidente que o Papa Francisco não poderia tomar outra atitude. Há um sem-número de coisas que podem ser censuradas aqui: primeiro, a imprudência de nomear Vigário-Geral um sacerdote manchado pela sombra de uma acusação de pedofilia. Segundo, a ingerência de um bispo de outro continente em uma diocese com a qual ele pouco ou nada tem a ver, tornada pública através do site de uma ONG abertamente hostil à Igreja. Terceiro, o histriônico e espalhafatoso rasgar de vestes de certa mídia, muito mais compromissada com a difamação de uma instituição séria do que com a justiça do caso concreto. Contra isso, sim, é justíssimo protestar; não contra a intervenção pontifícia.
2. A situação anterior era objetivamente daninha à imagem da Igreja Católica, única instituição do mundo da qual é lícito sempre pensar o pior possível, única ré que é sempre culpada até prova em contrário. Pouco importa que a culpa do escândalo de pedofilia não seja da Igreja e sim do degenerado mundo moderno, é como se diz no chiste: “a culpa é minha e eu ponho em quem quiser”. A atitude do Santo Padre, portanto, era não só legítima como uma verdadeira exigência de justiça. Julgar diferente disso é não dar a devida importância ao ethos anti-clerical em meio ao qual se vive nos dias de hoje.
Há poucos meses, em uma de suas entrevistas – cujas partes dignas de lembrança parecem ser unicamente as passíveis de serem instrumentalizadas em desfavor da Igreja Católica… -, o Papa Francisco se permitiu soltar esta profunda e tonitruante verdade (original aqui):
As estatísticas sobre o fenômeno da violência contra as crianças são impressionantes, mas também mostram com clareza que a grande maioria dos abusos ocorre no ambiente familiar e na vizinhança. A Igreja Católica talvez seja a única instituição pública que se moveu com transparência e responsabilidade. Ninguém mais fez mais. No entanto, a Igreja é a única a ser atacada.
Ganhou também manchete nacional: «Papa afirma que ninguém faz mais que a Igreja contra a pedofilia». E se trata de verdade evidente, tão incontestável que ninguém ousou então contradizer o Soberano Pontífice. Ora, não foi o Papa Francisco quem estabeleceu tal estado de coisas: a página sobre a resposta da Igreja ao abuso de menores está há anos no site da Santa Sé, por exemplo. No entanto, a nenhum outro Romano Pontífice foi jamais permitido anunciá-lo pelos meios de comunicação de massa seculares. Nenhuma análise do modus agendi do Papa que se pretenda séria pode olvidar fatos como esse.
Para preservar essa conquista pode ser necessário desagradar alguns; não se pode nem mesmo negar a priori a possibilidade de que terminem por ocorrer algumas injustiças de fato. Penso, por exemplo, na hipótese do pe. Urrutigoity ser inocente como sempre se declarou… O sofrimento dos justos, contudo, sempre redunda no bem da Igreja: eis um fato que católico algum pode ignorar. Vivemos num mundo que está longe de ser perfeito e, nele, a imagem tem um preço: muito desgaste teria sido evitado se a Mitra de Ciudad del Este tivesse levado isso a sério em primeiro lugar. Para além de quaisquer percalços ocorridos nos campos de batalha pela glória da Igreja, contudo, paira reconfortante uma sentença contra a qual nada podem as hostes de Satanás: diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum (Rm VIII, 28). Amar verdadeiramente a Deus, portanto, deve ter a primazia entre as nossas preocupações. Uma vez que o consigamos, o resto não nos deve perturbar.