Com relação à reportagem sobre o novo bispo de Teresina (“Novo arcebispo diz que papa não é infalível e que padre deveria casar”), é preciso fazer alguns esclarecimentos.
Com relação ao primeiro ponto (“que [o] papa não é infalível”), por uma questão de justiça, é preciso dizer que as declarações de Sua Excelência publicadas na Folha de São Paulo estão corretas e não permitem deduzir, como a matéria insinua, que o prelado negue a infalibilidade papal. Muito ao contrário até, Dom Jacinto Furtado de Brito Sobrinho relembra explicitamente que o Papa é infalível em assuntos de Fé e Moral, e não em qualquer coisa:
“O papa não é infalível quando fala tudo. A Igreja tem a convicção de que ele é infalível quando fala de fé e moral”, afirma dom Jacinto.
E isso, a rigor, está exato. O Papa é infalível quando exerce o seu Magistério em grau máximo e, por definição, as proposições a respeito de Fé e/ou de Moral é que são o objeto do Magistério da Igreja. Entre as condições exigidas para o exercício da infalibilidade – conforme definidas na Pastor Aeternus – está o conteúdo da sentença pontifícia, que precisa ser concernente à Fé ou à Moral (grifos meus):
[E]nsinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.
Infelizmente, a mesma coisa não pode ser dita com relação às declarações de Dom Jacinto sobre o celibato sacerdotal. Embora seja verdade que ele “é uma disciplina da Igreja [Católica] que pode mudar”, isto não muda em nada a sua obrigatoriedade (incontáveis vezes reafirmada) para a Igreja latina e nem a reverência que todo mundo precisa ter – em particular, um bispo para com o Papa! – às ordens legítimas dos legítimos superiores.
Lembro-me de ter tecido detalhadas críticas ao Reinaldo Azevedo quando, há mais de dois anos, ele se empenhou em uma virulenta campanha contra o celibato. Aquilo que escrevi sobre o articulista da Veja permanece integralmente válido e serve, também, para responder ao novo bispo de Teresina. O texto é longo, mas o remeto a quem quiser uma análise mais detalhada, que pode ser útil. Apenas um excerto:
Uma outra coisa completamente diferente é a promulgação de uma norma de direito eclesiástico, que (obviamente) não é matéria dogmática, mas que foi efetivamente promulgada e, portanto, está em vigor, como é o caso do celibato sacerdotal. Dizer que “o celibato não é dogma” não é, nem de longe, a mesma coisa que dizer “a existência do Limbo não é dogma”. Neste último caso, estamos tratando de uma hipótese teológica cujo grau de adesão exigido, de fato, enfraquece-se quando se diz que ela não é um dogma; mas, para uma questão disciplinar, não faz sentido em se falar em “adesão” de Fé, porque – evidentemente – a uma disciplina não se adere com Fé, mas se lhe obedece. E o fato (aliás auto-evidente) de que uma disciplina “não é dogma” em nada muda as obrigações que o católico tem para com ela.
[…]
Sinceramente, contradizer abertamente uma posição do Sumo Pontífice e querer “debater” uma coisa cuja obrigatoriedade foi reafirmada há menos de um ano por aquele que detém a autoridade máxima para obrigar ou desobrigar as questões disciplinares da Igreja Católica é o cúmulo da teimosia. É uma tremenda extrapolação dos direitos que o católico tem em relação àquilo que não é dogmático. O Papa dizer uma coisa, e então um católico procurar “debater” em defesa da posição contrária, para o Papa reafirmar a mesma coisa, e o tal católico insistir ainda no contrário, e assim ad aeternum, não é direito de católico nenhum. Isso é um completo desrespeito às autoridades da Igreja, que são quem, em última instância, detêm a autoridade final para responder a essas questões.
Com relação a Dom Jacinto, não dá para dizer – ao contrário do que insinuou a matéria da Folha de São Paulo – que ele negue a infalibilidade do Papa e, por conseguinte, seja um herege. Esta acusação é no mínimo temerária. No entanto, e infelizmente, parece que Sua Excelência tem sim alguns problemas, se não com a Autoridade Suprema de Ensino da Igreja, ao menos com a Sua Suprema Autoridade de Governo. E, embora seja uma posição sem dúvidas menos grave, é também uma lástima que um expoente da hierarquia da Igreja venha dessa maneira a público tentar minar o poder de governo que o Romano Pontífice – por direito divino – tem sobre a totalidade da Igreja de Cristo.
P.S.: Após a repercussão negativa da matéria, foram publicados alguns esclarecimentos no site da Arquidiocese de Teresina. Lamentavelmente, os órgãos de imprensa – até onde consegui verificar – não se preocuparam em reproduzir este direito de resposta de Dom Jacinto Sobrinho: as matérias sobre o arcebispo que diz que o Papa não é infalível continuam na rede sem nenhum tipo de errata ou de referência aos esclarecimentos do Arcebispo de Teresina, os quais parecem só se encontrar no site da Mitra. Contrariamente ao que foi veiculado na mídia, as declarações de Dom Jacinto sobre os temas polêmicos abordados na matéria original são os seguintes:
- O Papa é infalível, quando: ex cathedra – fala de fé e moral. O Magistério Ordinário do Romano Pontífice é para ser sempre acolhido e seus ensinamentos postos em prática.
- [O] dom do celibato será sempre uma riqueza para a Igreja de Cristo e sinal do Reino futuro.
- Não sou teólogo e jamais me filiei a qualquer movimento ligado à Teologia da Libertação.